Bósnia

Procuradores emitem mandato de captura contra presidente sérvio-bósnio

14 de março 2025 - 12:57

Milorad Dodik diz não reconhecer a autoridade do Ministério Público bósnio e promete resistir. De ex-aliado ocidental mudou para ser próximo de Putin e pede-lhe agora apoio para expulsar a força de manutenção de paz da União Europeia que ameaça declarar como força ocupante.

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Dodik e Putin no Kremlin o ano passado.
Dodik e Putin no Kremlin o ano passado.

A tensão está ao máximo na Bósnia depois de o Ministério Público ter emitido mandados de captura para Milorad Dodik, presidente da Republika Srpska, a entidade autónoma sérvia do país, Radovan Višković, o seu primeiro-ministro, e Nenad Stevandić, presidente da Assembleia Nacional. Estão acusados de violarem a Constituição e recusaram comparecer perante o órgão por duas vezes para prestar esclarecimentos.

O líder sérvio recusa a validade da ordem, diz não reconhecer o Ministério Público e promete resistir, garantindo que não vai deixar a República Srpska. O seu ministro do Interior, Sinisa Karan, assegura que a polícia local vai “proteger” os acusados.

Dodik deixou de reconhecer as decisões do conservador alemão Christian Schmidt, Alto Representante para a Bósnia, que de acordo com os acordos de paz de 1995 tem como missão arbitrar os conflitos entre as partes. No final do mês passado, Dodik foi mesmo condenado a um ano de prisão e a seis de inibição de exercício de cargos políticos por desobedecer a estas decisões. A Republika Srpska deixou de publicar as decisões desta instância no seu diário oficial, a decisão foi revogada por Schmidt mas não acatada pela entidade sérvia.

Em retaliação à sua condenação, Dodik introduziu, ao nível da sua República. leis que vão contra a Constituição bósnia e que violam o Acordo de Dayton, o frágil entendimento que acabou com a guerra civil. O presidente da Republika Srpska proibiu o funcionamento das instituições judiciais e de segurança bósnias na sua zona, decisão que foi suspensa pelo Tribunal Constitucional na semana passada e que não foi acatada do lado sérvio.

Segundo o estabelecido no acordo de Dayton, a Bósnia ficou dividida em duas unidades: a Republika Srpska, dominada pelos sérvios; e a Federação Bósnio-Croata da Bósnia-Herzegovina que junta as outras duas partes no conflito, a designada como muçulmana e a croata. No seu interior enfrenta também tensões, uma vez que Dragan Čović, representante croata, advoga não só a divisão da entidade conjunta e a criação de uma entidade croata separada mas, no futuro, uma junção com a Croácia. Acima destas duas entidades autónomas, há um governo que supostamente coordenaria a situação.

A unidade nacional da Bósnia está agora ainda mais em causa. Esta quarta-feira, o parlamento sérvio-bósnio começou o processo de mudar a Constituição da entidade. A nova lei máxima do território consagra o direito de ter forças armadas, mudar a capital de Saraievo para Banja Luka e formar confederações com outros países.

Estas movimentações seguem-se a anos de apelos de Dodik de secessão da Bósnia e de sugestão de que a entidade deveria ser anexada pela vizinha Sérvia.

Já depois da condenação, Aleksandar Vučić, o presidente sérvio, viajou para a Republika Srpska para lhe demonstrar apoio.

Nato promete apoio inabalável à Bósnia, o seu ex-aliado agora prefere Putin

Quem também viajou para a região, na passada segunda-feira, foi Mark Rutte, secretário-geral da Nato. Foi a Saraievo para se colocar do lado do governo federal, prometendo apoio “inabalável” à integridade territorial da Bósnia.

Afirmou que “a NATO continua firmemente empenhada na estabilidade desta região e na segurança da Bósnia e Herzegovina” e que “não permitiremos que a paz duramente conquistada seja posta em causa”. Ainda considerou que “a retórica e as ações inflamatórias são perigosas. Representam uma ameaça direta à estabilidade e segurança da Bósnia-Herzegovina”.

Milorad Dodik, que agora se coloca do lado de Putin e de Orban e louva como heróis Karadzic e Mladic, líderes sérvios bósnios durante a guerra civil que foram condenados pelo Tribunal Penal Internacional, era antes aliado dessa mesmo Nato, considerado próximo da secretária de Estado dos EUA Madeleine Albright no mandato Clinton.

Dodik era visto como uma alternativa moderada pró-ocidental aos nacionalistas sérvios que conduzido os sérvios da Bósnia durante a guerra. Ainda no cargo de primeiro-ministro, no final de 2008, já ele se distanciava dessa imagem declarando que juízes muçulmanos não deveriam poder assumir funções na Republika Srpska. Em 2011, desafiava já os acordos de paz ao anunciar um referendo sobre a rejeição da autoridade dos tribunais da Bósnia no seu território, que acabou por cancelar à última hora.

Internacionalmente, procurou apoio, para além da Sérvia e da relação próxima com Vučić, na Rússia e na Hungria. Rússia que tem o setor petrolífero da entidade nas suas mãos.

A partir de 2017, os EUA impuseram-lhe sanções ,alegadamente pelas tentativas de desmantelar os acordos de paz.

Recorde-se que a União Europeia tem uma missão de manutenção de paz na Bósnia, a EUFOR, e, face à tensão, aumentou o contingente para 1.100 militares.

A resposta de Dodik veio sob a forma da ameaça de considerar as forças europeias como uma “potência ocupante”. O líder sérvio bósnio declarou que vai “pedir aos russos que vetem e não permitam que uma estrutura subversiva se mantenha abusando do mandato da ONU e ameaçando-nos a nós, os sérvios”.