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PJ investiga denúncias de escravatura em Odemira

As denúncias de exploração e escravatura dos trabalhadores imigrantes em Odemira têm vários anos. O primeiro-ministro critica agora a “hipersobrelotação” dos contentores para habitação que o seu Governo aprovou em 2019. Judiciária está a recolher provas sobre os crimes em causa.
Estufas de Odemira onde estão localizados os contentores aprovados pelo governo. Foto de Luís Forro, via Lusa (arquivo).

A notícia, avançada pelo jornal Público, confirma que há várias queixas entregues na Polícia Judiciária relativas ao tráfico de pessoas e escravatura da mão de obra imigrante nas plantações de Odemira. Alberto Matos, da Associação Solidariedade Imigrante, que trabalha com os imigrantes há vários anos, escrevia em junho de 2020 que “o lóbi agrário promove o trabalho escravo associado ao modelo antissocial de subcontratação de seres humanos pelo mais baixo preço, na mira do lucro máximo e imediato”.

Como explica Alberto Matos, existem cerca de nove mil migrantes legalizados em Odemira. No entanto, com as campanhas sazonais a partir de março “há um pico dos frutos vermelhos” com mais de 20 mil trabalhadores de várias nacionalidades na zona.

Numa reportagem da RTP transmitida este fim-de-semana podem ver-se as camaratas sem janelas ou lavatório, com dezenas de camas onde estes trabalhadores são colocados. Um imigrante explica que paga €100 euros pela cama que ocupa.

Estes contentores foram aprovados pelo governo em 2019 (Resolução do Conselho de Ministros de 24 de outubro) para “resolver” o problema habitacional nas plantações, uma situação que Catarina Martins denunciou como "um atentado aos direitos humanos". Estas pessoas são alojadas em contentores “quase como se fossem um utensílio agrícola”, o que a coordenadora do Bloco considerou “inaceitável”. Para além disso é ainda uma “fratura social enorme em Portugal que nunca vimos e não queremos ver”, criando “guetos gigantescos”.

Segundo a PJ, tudo aponta para que se trate de casos avulsos e de pequenas redes: “aparentemente” não são grandes redes de tráfico, adiantou a mesma fonte, ressalvando que “qualquer investigação é dinâmica”.

Operações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) identificaram na agricultura vítimas de tráfico de seres humanos de origem estrangeira em várias regiões, com 44 casos em 2019, revelou o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI). Há anos que existem referências nos relatórios do Observatório de Tráfico de Seres Humanos de exploração laboral de imigrantes.

No entanto, Beja tem centenas de trabalhadores imigrantes a viverem em condições desumanas, tratados pelos proprietários das habitações de forma racista, como se pode confirmar na reportagem da TVI de novembro de 2020.

Alberto Matos diz ao Público que já fizeram participação de situações análogas a tráfico de seres humanos por causa de trabalhadores que os contactam queixando-se de patrões que retêm os seus documentos ou que ficam com as passwords do sistema de acesso ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), onde fazem o pedido de autorização de residência, impedindo-os de entrar no mesmo. 

O primeiro-ministro António Costa considerou recentemente que “alguma população vive em situações de insalubridade habitacional inadmissível, com hipersobrelotação das habitações”, relatando situações de “risco enorme para a saúde pública, para além de uma violação gritante dos direitos humanos”.

Este domingo, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que espera que seja possível apurar se os direitos dos trabalhadores rurais em Odemira são respeitados e agir se necessário, até para que seja quebrada a cadeia de transmissão do vírus.

Entretanto, o Governo afirmou que embora desconheça as necessidades de habitação no concelho de Odemira, inclusive dos trabalhadores das explorações agrícolas, existem 299 contentores de alojamento e “todos cumprem com as condições de higiene e saúde obrigatórias”.

O Presidente da Câmara de Odemira denuncia lojas em Odemira que “têm um conjunto de empregados que não é justificado pelo espaço”, nomeadamente “supermercados com 200 metros quadrados” de área e que “têm 30 ou 40 trabalhadores”. “Há espaços de venda ao público de bebidas que têm dez vezes mais empregados do que é normal”, mas também existem “outras questões muito estranhas”, em que “muitos dos negócios são em dinheiro”, relata o Público.

José Alberto Guerreiro critica as empresas de prestação de serviços que “nascem e morrem todos os dias”, adiantando que situações identificadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT). “Fogem ao IVA [imposto sobre o valor acrescentado] e não pagam milhões de IVA, porque as pessoas depois desaparecem e ninguém é responsável”, acusou.

A ACT “queixa-se de não ter capacidade de intervenção em matéria de regulamentação para a habitação coletiva de trabalhadores”, referiu, considerando que têm de existir “regras claras e tem que ser definido quem é que pode intervir”.

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