Passados 50 anos, é bom lembrar a importância do exercício da cidadania democrática

por

Isabel Oliveira

08 de dezembro 2024 - 10:53
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Sou a cidadã que recentemente esteve nas notícias por ter comparecido à Assembleia Municipal do Porto para denunciar uma situação preocupante relacionada com o direito democrático de manifestação. Escrevo este texto não apenas para relatar uma experiência pessoal, mas para chamar a atenção para o que está em jogo: o direito de todos nos expressarmos livremente e sermos ouvidos numa democracia.

Cravo na manifestação do 25 de Abril
Foto de Ana Mendes

Vivemos tempos em que a democracia precisa de ser mais do que um conceito; ela precisa de ser uma prática quotidiana. Escrevo este texto não apenas para relatar uma experiência pessoal, mas para chamar a atenção para o que está em jogo: o direito de todos nos expressarmos livremente e sermos ouvidos numa democracia.

Sou a cidadã que recentemente esteve nas notícias por ter comparecido à Assembleia Municipal do Porto para denunciar uma situação preocupante relacionada com o direito democrático de manifestação. Durante essa intervenção, expus a minha opinião sobre o silêncio e desinteresse do município em se posicionar sobre questões relevantes, tendo sido interrompida e censurada. Por não ter aceitado essa censura, acabei expulsa do edifício.

Este episódio ilustra a importância de protegermos e defendermos os direitos democráticos, particularmente o direito de nos expressarmos livremente, sem medo de retaliação. A democracia não pode ser plena se não houver espaço para o contraditório, para a pluralidade de vozes e para a coragem de abordar temas difíceis. Participar é um direito, mas também um dever, e devemos utilizá-lo em toda a sua plenitude, seja em debates públicos, seja na defesa de causas que tocam a consciência coletiva.

O que ocorreu na Assembleia Municipal do Porto é um reflexo da crescente preocupação que todos devemos ter com a liberdade de expressão e o direito à manifestação dentro de uma democracia saudável. Durante a minha intervenção, fiz uso do meu tempo para expor um tema sensível: as agressões sofridas por manifestantes que há mais de um ano realizam uma vigília em solidariedade à Palestina, em frente à Câmara Municipal do Porto. Denunciei a inação das autoridades, nomeadamente da PSP, e a falta de posicionamento claro por parte do município em relação a essas agressões, além da ausência de uma manifestação pública contra o genocídio do povo palestino.

Fui interrompida várias vezes pelo presidente da Assembleia Municipal, que me alertou para "ter cuidado com o que iria dizer". Mesmo com o meu discurso educado e respeitoso, fui novamente informada de que não poderia criticar o executivo camarário nem o Presidente da Câmara. O Presidente da Assembleia Municipal alegou que a ausência do Presidente da Câmara e do executivo justificava a interrupção. Será que o facto de não estarem presentes justifica a censura a uma voz cidadã?

Não é, afinal, a Assembleia Municipal um espaço público para discutir temas relevantes para a cidadde independentemente da presença ou ausência de quem ocupa cargos executivos?

A situação ficou ainda mais clara quando o presidente da Assembleia Municipal encerrou a minha intervenção sob a justificativa de que “havia muita gente incomodada na sala". Quando insisti em continuar, o microfone foi cortado, e a polícia municipal foi chamada para me retirar da sala.

Este episódio teve grande repercussão na comunicação social e nas redes sociais, e é por isso que decidi escrever este texto. Não tanto para relatar a minha experiência, que está bem documentada no vídeo que circula, mas para apelar à importância da participação cívica de todos. A democracia vive do debate, da diversidade de opiniões e da coragem de dizer o que precisa ser dito, mesmo quando incomoda. O silêncio perante injustiças não é neutro: é cúmplice. Informemo-nos, posicionemo-nos e, sobretudo, participemos.

Desobedecer pacificamente é também um direito democrático. Quando a liberdade de expressão é censurada, é não só legítimo, mas necessário, exercer a desobediência. A história ensina-nos que muitas conquistas democráticas nasceram da coragem de quem se recusou a aceitar ser silenciado. A resistência pacífica não é desrespeito, mas um apelo à justiça, um lembrete de que a democracia exige mais do que obediência passiva: exige coragem, ação e, quando necessário, a recusa firme a ser silenciado.

Desta vez, fui eu censurada, amanhã poderá ser qualquer um de vós. Se não usarmos as ferramentas democráticas que temos, corremos o risco de vê-las atrofiar. A participação ativa é um direito conquistado com o 25 de abril, que merece ser defendido e exercido com firmeza. Não nos deixemos intimidar.

A democracia não se defende sozinha. Cabe a cada um de nós participar, questionar e resistir quando necessário.

Exercer cidadania democrática é, portanto, um compromisso contínuo com a justiça, a liberdade e o bem-estar coletivo. Não se trata apenas de votar, mas também de questionar, debater, protestar quando necessário e lutar pelo que é certo.

Estou convicta de que a cidadania ativa é o caminho para alcançar as transformações verdadeiras que a nossa sociedade precisa.