Tal como é afirmado pelo Bloco de Esquerda no seu Manifesto pela Saúde, em que são apresentadas, “um conjunto de medidas essenciais para o reforço do SNS, que devem ser implementadas desde já”, porque se o “SNS é que nos salva e protege”, como tem ficado demostrado neste tempo de combate à covid-19, “então é nele que temos de investir”, incluindo nos Cuidados de Saúde Primários, como serviços públicos de saúde que garantem mais proximidade e acesso. Uma mais-valia, que em Ovar, na sequência da evolução da crise pandémica, deixou Polos de Unidades de Cuidados de Saúde de algumas das Unidades de Saúde Familiar - USF mais fragilizados e menos próximos das populações.
Entre as particularidades vividas no concelho de Ovar, como foram o “estado de calamidade” e a “cerca sanitária”, logo que foi identificado a 11 de março o primeiro caso positivo de covid-19, às medidas preventivas que vinham sendo promovidas para o responsável “confinamento social”, foram também decretados os encerramentos de Polos a que ficaram ligados os primeiros sinais de coronavírus, como aconteceu no Polo da Unidade Saúde Familiar (USF) ALPHA, em S. Vicente de Pereira. Encerramento decidido pelo Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Vouga (ACES Baixo Vouga), em articulação com o Município de Ovar e a Proteção Civil, que rapidamente operacionalizou o “Gabinete de Crise”.
Estas populações querem ser vistas, não com distanciamento, nem como “heróis”, mas sim como cidadãos com direito ao SNS que deve garantir uma “eficaz rede de Cuidados de Saúde Primários mais próximos e acessíveis”
No dia seguinte, 12 de março, com um segundo caso covid confirmado, a Unidade de Saúde Familiar de São João de Ovar foi igualmente encerrada pela ACES Baixo Vouga. Acabando, durante a fase mais crítica de combate ao vírus, por encerrar também o Polo da USF Laços, em Arada e o Polo da USF João Semana, no Furadouro, deixando Unidades de Cuidados de Saúde Primários sem resposta localmente aos seus utentes, com particular incidência na área geográfica da União de Freguesias de Ovar, Arada, São João de Ovar e S. Vicente de Pereira.
Como alternativa para o acompanhamento médico dos doentes destes Polos de Saúde encerrados, num cenário de pandemia vivido num concelho isolado e com medo, para “ajudar a salvar Portugal”, como empolgadamente chegou a declarar o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro, na sua página facebook. A Autoridade Local de Saúde Pública do ACES Baixo Vouga procedeu a algumas alterações no funcionamento das USF no território de Ovar, que distribuiu os doentes de quatro médicos da USF de São João de Ovar, pela USF João Semana – Ovar, USF da Barrinha – Esmoriz, USF Laços em Cortegaça e ainda USF ALPHA em Válega, que recebeu também os utentes do Polo da USF ALPHA de S. Vicente de Pereira. Medidas implementadas com meios divididos em várias frentes desta luta ao coronavírus, que implicaram no caso da USF João Semana, a redução de atividade ao período da manhã, enquanto a tarde passou a ser dedicada ao tratamento de casos de doença aguda e potenciais infeções por covid-19. Alterações na atividade desta USF que ainda impõe limitações nestes últimos dias de maio, em que continuam a não ser aceites marcações para consultas médicas e em caso mais grave os doentes terão de ligar para um número de telefone, para ser feita uma “triagem” a realizar por médico ou enfermeiro, segundo informação obtida telefonicamente junto da USF João Semana.
Mas se no caso da USF de São João de Ovar, em que dos onze profissionais, sete deram positivo na fase critica, a sua atividade reiniciou ainda na segunda semana de abril, ao mesmo tempo que várias outras respostas de Saúde se foram reajustando, para aliviarem a uma eventual pressão sobre a disponibilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a exemplo do hospital de campanha “Anjo D`Ovar”, como extensão do Hospital de Ovar Dr. Francisco Zagalo. A normalidade, quando se vai convivendo com o desconfinamento social, deixou ainda Polos de Saúde de portas fechadas, dificultando os necessários cuidados de Saúde Primários e de proximidade, a uma parte significativa da população que desespera, quando, como acontece no Polo do Furadouro, os utentes nem têm tido serviços de saúde nem transportes públicos para recorrerem a eventuais serviços em Ovar, uma vez que nestes tempos, o recurso às urgências hospitalares do São Sebastião em Santa Maria da Feira também não foram alternativa facilitada.
A decisão de adiar a abertura dos referidos Polos em Arada e S. Vicente de Pereira foi anunciada pelo Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Vouga (ACESBV), ao assumir que vão ser feitas “as mudanças que já deveriam andar a ser feitas há muito tempo”. Mudanças que considera não estarem acontecer com os polos de Arada e São Vicente de Pereira, que por isso permanecem encerrados. Destacou ainda a ACESBV que, “num momento de mudança muito forte e acelerada na forma como se prestam cuidados assistenciais e, mais ainda, em Ovar, onde a situação que se registou não pode mesmo voltar a acontecer”, referindo que, “um dos grandes problemas da transmissão de vírus tem a ver com a segurança e higienização de espaços e, muito em particular, em estruturas de saúde onde a probabilidade de convivência de pessoas saudáveis com pessoas infectadas é muito forte, pelo que deveremos reforçar cuidados no futuro próximo”.
Esta decisão da ACESBV, que não se poderá desresponsabilizar das próprias falhas, com que justifica o adiamento da abertura destes Polos, mereceu palavras de contestação dos autarcas do Município de Ovar e das Juntas de Freguesia mais afetadas, que alertaram para os efeitos negativos que trazem para as populações que ficam sem acesso aos cuidados primários dos respetivos médicos de família com esta redução de proximidade, tratando-se em alguns casos de uma população com pouca mobilidade e sem transportes públicos. Consideram mesmo infelizes as justificações e afirmações do diretor do ACESBV, quando referiu até, que, "as deslocações aos polos serviam para convívio e confraternizações". É mesmo questionado pelos autarcas, o que pode estar por detrás desta decisão, uma vez que já em agosto de 2016 pairou sobre o Polo da Unidade de Cuidados de Saúde de São Vicente de Pereira, a intenção do seu encerramento.
A contestação dos autarcas une também Maceda, na defesa de serviços de saúde de proximidade e a de um Polo por cada uma das oito freguesias do concelho de Ovar. Na freguesia de Maceda, a gestão dos serviços de saúde não tem considerado o compromisso assumido pela ministra da Saúde, em novembro do ano passado, sobre a instalação de uma Unidade de Cuidados a Comunidade – UCC e uma Unidade de Recursos Assistenciais Partilhados – URAP, cujo Polo se mantém encerrado.
Com Salvador Malheiro a assumir, “somos dos municípios mais seguros de Portugal”, no dia em que não se registaram novos casos positivos (22 de maio), e em que Ovar esteve na agenda de vários governantes. Os elogios à coragem dos vareiros foram muitos, mas os utentes das unidades de cuidados de saúde primários e de proximidade que ficaram fragilizados, não viram respostas às dificuldades que estão a viver com tais serviços de saúde encerrados durantes meses. Medida que pode estender-se até agosto.
Também os autarcas, nestes dias em que Ovar voltou a ser ponto de encontro da comunicação social para lembrar os momentos vividos durante o “estado de calamidade” e a “cerca sanitária”, não obtiveram dos vários governantes, Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, Primeiro-Ministro António Costa e Ministra da Saúde Marta Temido, respostas oficiais de “papel escrito”, às denúncias que assumiram nas redes sociais, relativamente às decisões da ACESBV sobre o adiamento da abertura dos polos de unidades de cuidados de saúde primários das respetivas USF do concelho.
Se do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, as palavras foram marcadas pelos característicos “afetos”, ao declarar que, “todos acompanhamos a saga de Ovar, desde o momento em que foi criada a cerca sanitária”, explicando que escolheu Ovar para esta visita, “por ser um exemplo simbólico fortíssimo do papel dos autarcas”, deixando como mensagem ao país, que, “o futuro é olhar para o exemplo de Ovar e fazer de Portugal, em grande, o que os vareiros fizeram de Ovar”.
De Marta Temido, em visita ao Hospital de Ovar, unidade que participa como “caso-piloto” num projeto para a criação de uma escala de risco de covid-19, onde enalteceu justamente a dedicação dos profissionais de saúde desta unidade no combate à pandemia. Ainda que tenha deixado palavras sobre a defesa de alterações no funcionamento das USF na área da saúde geral e familiar, dando como exemplo a alteração do método de trabalho que ocorreu numa USF de Ovar, que retomou a atividade passando a privilegiar o contacto telefónico ou eletrónico dos utentes, evitando-se deslocações desnecessárias ao local. Sobre a reclamada abertura dos Polos de Cuidados de Saúde Primários, nada foi garantido no imediato para uma mais saudável normalidade destas populações, que querem ser vistas, não com distanciamento, nem como “heróis”, mas sim como cidadãos com direito ao SNS que deve garantir uma “eficaz rede de Cuidados de Saúde Primários mais próximos e acessíveis”, como defende o Bloco.
Texto de José Carlos Lopes