Os assassinos avançam. Operam a lei da bala. A liberdade de expressão leva bala. A paz desmorona-se. A democracia é induzida em coma. Porquê, Moçambique? Porquê, FRELIMO?
A lista de assassinatos políticos parece ser a blindagem de um poder contra o povo, que nas ruas grita pela mudança e nas urnas manifesta a sua vontade. Essa lista, escrita a sangue, com os nomes de Elvino Dias, Paulo Guambe (na foto), Anastácio Matavel, Gilles Cistac, Carlos Cardoso, Orlando Muchanga, entre outros anónimos, é o manifesto do medo. É a lista dos mercadores da morte.
É o medo de quem não quer perder o privilégio de abusar e procura aterrorizar as vozes da liberdade. É a manifestação de uma espécie de ADN comum a alguns antigos movimentos de libertação, avessos à alternância do poder, incapazes de largar o osso que os torna senhores feudais.
São os inimigos da verdade, da justiça e do serviço público. São, simplesmente, os inimigos do povo, os seus opressores, os traficantes do bem comum, os ladrões de votos, os aldrabões da política, os cobardes.
Mas Moçambique não se verga sob o assobio das balas. Tem uma sociedade civil vibrante, bem estruturada e consistente.
Moçambique e Angola têm uma longa história comum e de lições recíprocas. No próximo ano, celebrarão 50 anos de independência e de poder ininterrupto pelos respectivos movimentos de libertação: a FRELIMO e o MPLA.
Na década de 1990, Moçambique era um exemplo de paz para Angola. Enquanto Angola retornava à guerra civil, com ainda maior poder de destruição do país, a 4 de Outubro de 1992 Moçambique assinava o Acordo Geral de Paz de Roma, entre o governo e a RENAMO, que se manteria estável até 2013. Em 2017, eclodiu o conflito armado em Cabo Delgado, e Moçambique voltou a entrar em estado de guerra, desta vez contra o terrorismo e com intervenção de forças estrangeiras.
Cabo Delgado é o sinónimo de falhanço de um Estado: pobreza, tráfico de droga, repressão religiosa, um caldo de que as forças russas do Wagner fugiram e só a intervenção decisiva do Ruanda evitou que se tornasse num massacre perpétuo. Mas a que preço? O que fará o Ruanda com Moçambique?
Angola, por sua vez, observa um período mais longo de paz, desde que a alcançou em 2002 pela via militar, com a morte em combate do então líder rebelde Jonas Savimbi. É importante anotar os episódios esporádicos de guerrilha em Cabinda.
O irmão do Índico também deu um bom exemplo com a implementação gradual das autarquias, observadas todas as condicionantes políticas, económico-financeiras, de recursos humanos e outras do referido processo. Como o saudoso Gilles Cistac concluía nas suas aulas sobre institucionalização, organização e problemas do poder local em Moçambique, “a imensa maioria dos cidadãos moçambicanos reconhece a sua utilidade”.
Em Angola, nem os clamores de “faz favor” demovem os decisores da sua teimosia em inviabilizar a implementação das eleições autárquicas, consagradas na Constituição de 2010. Não se arriscam modelos de descentralização e desconcentração de poderes, de forma que progressivamente velem pela funcionalidade e eficácia e que o poder local seja uma verdadeira emanação do serviço público. Bom, como dizem os mais velhos, quando a cabeça não regula, o corpo é que paga. Em Angola, somos especialistas e céleres em criar mais províncias e municípios sem o mínimo de infra-estruturas e sem lógica de gestão.
Quanto à liberdade de imprensa e de expressão, Moçambique sempre esteve muito mais avançado do que Angola. Há, de longe, maior pluralidade de informação, com muitos jornalistas interventivos, fazedores de opinião mais bem preparados e mais concorrência salutar, privada e independente de órgãos de informação. Trava-se uma luta diária animada para a conquista das liberdades em Moçambique.
É essa luta diária que merece toda a nossa solidariedade. Essa também é e deve ser a luta dos angolanos, com ânimo.
Quer-se paz, educação, trabalho, democracia, boa governação e pão para todos. Sem isso, já não há discursos que salvem os antigos movimentos de libertação, nem legitimidades históricas de combate pela independência que justifiquem a sua permanência no poder.
Porém, temos de nos interrogar sobre o que querem os senhores do poder — porquê tanta ganância, tanta crueldade contra os seus próprios compatriotas? Afinal de contas, são filhos de quem?
Rafael Marques de Morais é um jornalista angolano.
Texto publicado originalmente no MakaAngola.