ONG’s indignadas com posição de juízes sobre violência doméstica

27 de janeiro 2019 - 23:00

Várias organizações não-governamentais expressam a sua indignação face às declarações da Associação Sindical de Juízes sobre a baixa taxa de condenações nos casos de violência contra as mulheres e defendem que é necessário melhorar a forma como as vítimas são tratadas pela justiça.

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Numa tomada de posição conjunta, a AMCV - Associação de Mulheres Contra a Violência, Dignidade - Associação para os Direitos das Mulheres e Crianças, Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, Projecto Criar - Associação Projecto Criar e a UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta lembram que o relatório do comité de peritos do Conselho da Europa GREVIO, publicado no dia 21 de janeiro, “destaca com preocupação o extremamente baixo número de condenações por violência doméstica em Portugal face ao número de denúncias (7%)”.

Perante as conclusões deste relatório, a Associação Sindical de Juízes (ASJ) apontou como motivos para a baixa taxa de condenações nos casos de violência contra as mulheres a dificuldade de prova e as falsas denúncias (aceder aqui e aqui às posições da ASJ).

As ONG’s exprimem a sua indignação perante tais declarações, destacando que “existem inúmeros estudos sobre o número reduzido de falsas denúncias em crimes sexuais ou de violência doméstica” e que “há uma grande distância entre a incapacidade de demonstrar em tribunal que um crime ocorreu e afirmar que a denúncia era falsa”.

As declarações da ASJ não têm, portanto, do ponto de vistas das organizações signatárias, “qualquer fundamento empírico”.

“Esta declaração da ASJ é um exemplo grave do referido no relatório do GREVIO”, vincam, citando o relatório: “O GREVIO recorda que a atitude de culpar a vítima, que o artigo 42 pretende desqualificar, refere-se precisamente a séculos de estereótipos judiciais durante os quais os tribunais minimizaram a violência e reduziram sentenças segundo a perceção preconceituosa de que a vítima tinha provocado a violência”.

Os peritos do Conselho da Europa continuam: “O GREVIO lembra que há diversos estudos ilustrativos de como os relatos de violência das vítimas, em particular a violência sexual entre parceiros íntimos, são encarados com descrédito por autoridades e tribunais de investigação. As ideias de falsas alegações estão ligadas à suposição preconceituosa de que as mulheres usam instrumentalmente alegações de violência depois de lamentarem uma relação sexual e / ou procuram vingar-se de ex-parceiros. Além disso, são alimentadas por visões estereotipadas sobre o comportamento que uma ‘vítima real’ deve exibir durante as investigações e o julgamento”.

As ONG’s referem ainda que “inúmeros estudos internacionais e o próprio relatório do GREVIO (ponto 167) identificam que são os agressores que utilizam os processos de responsabilidades parentais para continuar o controlo e agressão dado que as crianças são muitas vezes o último ponto de ligação entre agressor e vítima”.

“As inúmeras situações graves de deficiente tratamento das questões da violência doméstica pelos tribunais de família e completa desproteção das crianças são reconhecidas no relatório sendo o estado português instado a tomar um conjunto de medidas”, avançam as signatárias, citando algumas recomendações do GREVIO.

Em causa está a tomada das medidas necessárias, “incluindo alterações legislativas, para garantir que os tribunais de família considerem devidamente todas as questões relacionadas com a violência contra as mulheres ao determinar os direitos de guarda e de visita bem como devem avaliar se tal violência justifica os direitos de guarda e de visita”.

Por outro lado, os peritos instam “as autoridades portuguesas a tomarem medidas, incluindo alterações legislativas, para garantir a disponibilidade e a aplicação eficaz das ordens restrição e / ou de proteção”.

“Deveria ser possível incluir crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as crianças vítimas diretas ou indiretas, já elas mesmas experienciaram a violência ou por testemunho ou na própria pele”, escrevem.

No que respeita à obtenção de prova, as ONG’s defendem que “não pode a justiça deixar todo o peso e responsabilidade na vítima”, lembrando que os peritos encorajam “vivamente as autoridades de Portugal a tomarem novas medidas para melhorar a recolha de provas, incluindo e em particular nos casos de violência doméstica, para que a dependência do testemunho da vítima seja diminuída”.

O GREVIO advoga ainda que “ao procurar remediar estas deficiências, os juízes devem fazer um uso mais amplo da possibilidade que lhes é dada de questionar a vítima durante a fase de investigação, de modo a evitar que ela tenha que repetir as suas declarações durante o julgamento”.

“Há uma premente necessidade de combater estes estereótipos, principalmente a nível da justiça, que exponenciam o risco para todas as vítimas”, assinalam as ONG’s, que recordam que os peritos do Conselho da Europa sinalizam que “a participação contínua neste tipo de formação seria essencial para ultrapassar a atitude problemática exibida pelos procuradores e juízes em relação às mulheres vítimas de violência, atitude essa que está documentada no presente relatório”.

“Esperamos que as medidas resultantes das recomendações do GREVIO sejam implementadas de forma célere e conduzam a uma efetiva melhoria na forma como as vítimas são tratadas e protegidas pela justiça”, rematam as organizações signatárias do comunicado.