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OMS recomenda à ONU a reclassificação da canábis

O comité de peritos da Organização Mundial de Saúde escreveu a António Guterres e propõe tirar a canábis da tabela das drogas mais perigosas na convenção de 1961 da ONU. Em Portugal, o Infarmed já publicou as indicações terapêuticas para a canábis medicinal.
Foto de Lobsang Tinley / Cannabis Reports / Flickr

As conclusões do Comité de Peritos em Dependência de Drogas da Organização Mundial de Saúde (OMS) foram enviadas a 24 de janeiro ao secretário-geral da ONU, António Guterres. Elas propõem mudanças às tabelas internacionais de controlo de drogas, que reconhecem ao fim de quase cinco décadas que não há razão médico-científica para a presença da planta e da resina de canábis na tabela IV da Convenção de 1961, onde se encontram drogas consideradas especialmente perigosas e com poucos benefícios terapêuticos. Se a recomendação for aprovada na próxima reunião da Comissão da ONU sobre Drogas, a realizar em Viena ainda no primeiro semestre deste ano, a canábis ficará apenas na tabela I, onde já se encontra.

Para o deputado bloquista Moisés Ferreira, que apresentou há poucas semanas no parlamento a proposta de legalização da canábis para uso pessoal, a recomendação da OMS “é do mais elementar bom senso”, uma vez que “hoje é mais do que evidente que o caminho tem de ser o da regulação”.

Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, propõe também nesta carta a Guterres que as convenções deixem claro que o canabidiol (CBD) e as suas preparações contendo até 0.2% de THC deixem de estar sob controlo internacional. Por outro lado, recomenda que o dronabinol e o tetrahidrocanabinol (THC e seus isómeros) saiam da Lista II da Convenção de 1971 e passem a estar, como a planta e resina de canábis, na tabela I da Convenção de 1961. E pretendem também tirar desta tabela os extratos e tinturas de canábis.

Finalmente, quanto aos medicamentos e preparações farmacêuticas contendo THC, o Comité de Peritos da OMS propõe que saiam também da tabela mais restritiva da Convenção de 1961, passando para a tabela III.

A serem aprovadas as recomendações, o proibicionismo sofrerá mais uma derrota, com a ONU a reconhecer o erro de manter a canábis e os seus componentes durante décadas no grupo das drogas mais perigosas e sem interesse medicinal. Para além do significado político da decisão, as consequências mais diretas destas reclassificações sentir-se-iam na expansão do uso terapêutico da canábis e no levantamento dos entraves à investigação científica mais profunda sobre as suas propriedades.

A recomendação da OMS poderá contar com o voto contra da Rússia e da China, e não se sabe ainda qual será a posição dos Estados Unidos, onde a canábis continua classificada a nível federal ao lado da heroína na categoria das drogas mais perigosas. Os países europeus e sul-americanos deverão apoiar a recomendação ao lado do Canadá e do Uruguai, que legalizaram a canábis através de sistemas de regulação que procuram contornar os tratados internacionais.

“O proibicionismo nunca se sustentou em nenhuma base cientifica ou racional; apenas em preconceito, estereótipos e demagogia. E, por isso, só poderia falhar como falhou. Ao ter falhado agravou uma série de problemas e criou muitos outros”, acrescentou Moisés Ferreira ao Esquerda.net, lembrando que “a proposta do Bloco para a legalização da canábis foi chumbada recentemente, mas a realidade fará dela uma inevitabilidade. E será mais cedo do que tarde”.

Canábis medicinal: Infarmed publicou lista de indicações terapêuticas

No ano passado, também por iniciativa do Bloco de Esquerda, foi aprovada a lei que legaliza o uso terapêutico da canábis em Portugal, que entrou em vigor esta sexta-feira. As empresas devem agora apresentar ao Infarmed pedidos de autorização de colocação no mercado das substâncias e preparações à base de canábis.

“Com a entrada em vigor da legislação aplicável aos produtos à base da planta da canábis para fins medicinais, os médicos podem prescrever aos seus doentes este novo tipo de produtos. Contudo, para que estes produtos sejam comercializados, é necessário que haja empresas interessadas, as quais têm de apresentar um pedido de autorização de colocação no mercado”, informa o Infarmed, entidade responsável pela avaliação e garantia de segurança dos produtos.

No dia em que a lei entrou em vigor, o Infarmed abriu uma área na sua página da internet dedicada à canábis para fins medicinais e destinada a cidadãos, profissionais de saúde e entidades interessadas em colocar medicamentos, preparações e substâncias à base da planta de canábis.

“Qualquer médico pode prescrever estes produtos mas apenas nos casos em que as terapêuticas convencionais não tenham resultado ou que apresentem muitos efeitos adversos e para uma lista limitada de situações”, refere o Infarmed.

Essa lista inclui espasticidade associada à esclerose múltipla ou lesões da espinal medula, náuseas e vómitos resultantes da quimioterapia, radioterapia e terapia combinada de HIV e medicação para hepatite, estimulação do apetite nos cuidados paliativos de doentes sujeitos a tratamentos oncológicos ou com SIDA, dor crónica associada a doenças oncológicas ou ao sistema nervoso, como por exemplo na dor neuropática causada por lesão de um nervo, dor do membro fantasma, nevralgia do trigémio ou após herpes zoster, síndrome de Gilles de la Tourette, epilepsia e tratamento de transtornos convulsivos graves na infância, como as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut, e glaucoma resistente à terapêutica.

Depois de autorizados pelo Infarmed, os produtos com canábis serão vendidos em farmácias, mediante apresentação de receita médica. Esta infografia publicada pelo Infarmed resume os passos da implementação do processo, desde o cultivo à utilização para fins terapêuticos.

Infografia canábis medicinal. Fonte: Infarmed

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