Antes das campanhas eleitorais surgem as ferramentas na internet supostamente destinadas a ajudar os eleitores a escolherem o partido com o qual se identificam mais. A ideia parte do princípio de que ninguém se irá informar por si através da leitura dos programas eleitorais nos sites de cada partido. E para simplificar, são feitas uma ou duas dezenas de perguntas sobre temas políticos e sociais. Consoante as respostas, o resultado final indicará o grau de aproximação aos partidos concorrentes.
No caso do recém-lançado “votómetro” do Observador, quem responda sempre “neutro” a todas as questões e sem qualquer ponderação do peso das respostas vai descobrir no fim que o partido que mais se aproxima das suas posições (ou da falta delas) será o Chega.
Segundo o “coordenador científico do votómetro”, Jorge Fernandes, entrevistado pelo próprio Observador, esta ferramenta é acima de tudo “um apelo à mobilização eleitoral e ao interesse dos cidadãos pela política”. As 21 perguntas foram escolhidas com um critério de “mistura de perguntas clássicas que aparecem sempre neste tipo de ferramentas” e perguntas “que têm mais a ver com o contexto atual de Portugal”. O atraso na apresentação dos programas eleitorais condicionou o lançamento do projeto, mas Jorge Fernandes diz que também é difícil perceber qual a posição oficial do partido sobre alguns temas e há vezes em que o partido “é omisso” sobre determinados temas.
“Espero que os partidos tenham uma reação democrática. Isto é um instrumento que não pretende influenciar o voto de ninguém”, refere o coordenador do votómetro do Observador, acabando por concluir que não espera nenhuma reação dos partidos “nem boa nem má”, dado que “têm de aceitar que numa sociedade pluralista existe este tipo de ferramentas e acima de tudo que os cidadãos tenham a maturidade democrática para olhar para esta ferramenta e tomá-la por aquilo que é: um exercício de classificação dos partidos baseado em fontes puramente públicas”.
Mas o facto de a neutralidade em matéria política ser associada na metodologia do Observador à proximidade com a extrema-direita não demorou a indignar muitos dos seus leitores.
Votei neutro em tudo, sem ponderações, e o fator Observador tratou do resto.https://t.co/x1pKvvcgAX
— Daniel Oliveira (@danielolivalx) January 17, 2022
Fiz o mesmo que o @danielolivalx
Votei neutro em tudo e valorizei da mesma forma todas as questões.
Parece que o Votómetro acha que o Chega é o partido mais moderado e o Livre o mais radical. https://t.co/FQ3kadZgF6— paulo baldaia (@paulo_baldaia) January 17, 2022
Ou seja, isto não é um Votómetro, é um Vomidómetro. https://t.co/Dp81dGVRM6
— Mafalda Anjos (@manjos) January 17, 2022
O Votómetro do Observador é a mais recente vítima da ideia falhada dos questionários "políticos". Os questionários são sempre enviesados pelos temas escolhidos nas "poucas" perguntas e normalmente colocados de forma superfecial. Não percebo porque se continua a insistir nisto
— Rui Gonçalves (@Ruimrg95) January 17, 2022
O votómetro do Observador é a última prova de que se formos neutros estamos do lado dos opressores. Achei poético.
— pão com manteiga (@milhafreacores) January 17, 2022
Votómetro do Observador: ferramenta para te divertires a teres de decidir se tens em primeiro lugar Iniciativa Liberal e em 2º simpatizas com o Chega, ou se, pelo contrário, se não tens opinião formada, decerto és do CH. Em resumo, um inquérito ridiculamente simplista.
— Luís Carvalho (@mundo_da_radio) January 17, 2022
Como em qualquer sondagem ou inquérito, a pergunta e a forma como é feita condiciona as respostas. E por isso estas ferramentas que surgem em vésperas de eleições acabam sempre envoltas em polémica. Nas legislativas de 2019, por exemplo, as redes sociais da Iniciativa Liberal promoveram uma auto-intitulada “Bússola Política”, elaborada por um dos “think tanks” que a apoiam, o Instituto Mises, e não tardaram a chover acusações de manipulação dos resultados. Ouvido na altura pelo Polígrafo, o politólogo Bruno Ferreira Costa, então dirigente do partido que se dizia mais prejudicado, o Aliança, queixava-se de ver o seu partido excluído da matriz liberal, pois quem respondesse nessa linha seria sempre encaminhado para o voto na IL.