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O que o Canadá está a fazer para controlar a especulação imobiliária

Na passada quinta-feira, a Ministra das Finanças e vice-primeira-ministra canadiana, Chrystia Freeland, apresentou o novo orçamento federal. Este continha uma série de medidas para ajudar a resolver o problema habitacional que se vive no país.
Nos últimos anos o aumento exponencial dos preços da habitação, e as consequentes dificuldades de compra e arrendamento de casa, bem como a especulação imobiliária, tornaram-se um tópico político particularmente relevante. A Bloomerg noticia dados da Canadian Real Estate Association que mostram que nos últimos dois anos os preços aumentaram mais de 50%.
Das medidas apresentadas, aquela que está a ser alvo de maior discussão é a decisão do governo de banir durante dois anos a compra de imobiliário (residencial) por investidores e empresas estrangeiras. A ideia subjacente, bem como da medida complementar de um imposto sobre as vendas imobiliárias, é travar os incentivos à compra que têm apenas em vista os ganhos especulativos e não uma necessidade residencial. Ambas incluem várias exclusões, por exemplo, não abrangem residentes permanentes, estudantes ou trabalhadores estrangeiros.
Embora seja uma medida interessante (e relevante), não é líquido que venha a ter o efeito desejado. Num artigo de opinião no The New York Times, o jornalista Ian Austen apresenta as fragilidades que alguns economistas canadianos apontam. O economista e investigador Tsur Somerville clarifica que durante a pandemia, o período em que os preços mais aumentaram, foi quando a aquisição imobiliária estrangeira diminuiu pela dificuldade de acesso ao país. Mais, dá o exemplo do imposto de 15% sobre a aquisição de casas e condomínios por investidores estrangeiros implementado na província de Colúmbia Britânica que parece ter tido um resultado limitado – os preços dos bairros com mais investimento estrangeiro em Vancouver (maior cidade desta província e famosa pelo custo da habitação) caíram apenas entre 3 e 5% comparado com os bairros que não atraíam este tipo de investimento.
O professor Joshua C. Gordon acrescenta que, apesar de a sua investigação comprovar o contributo da procura estrangeira para o aumento dos preços, regista que esta foi feita através de familiares ou conhecidos residentes em território canadiano. Isto significa que banir o investimento estrangeiro não controla este tipo de fenómenos.
Simeon Papailias da empresa de investimento REC Canada complementa o argumento da ineficácia desta medida. Defende que o problema da crise imobiliária canadiana se deve fundamentalmente a uma escassez de oferta. De facto, o Canadá é o país do grupo G7 com menos casas por cada 1000 habitantes. Neste sentido, o novo orçamento canadiano também inclui milhares de milhões alocados para a construção de novo parque habitacional.
No entanto, o governo fomenta igualmente uma maior procura através de medidas de apoio, como por exemplo novas contas-poupança ou alterações nas condições do crédito imobiliário para quem esteja a comprar a primeira casa.
É difícil fazer uma avaliação do impacto global destas medidas uma vez que depende ainda dos seus detalhes de desenho e implementação. De qualquer forma, a discussão sobre as causas estruturais da bolha imobiliária no Canadá afigura-se bastante complexa. Será preciso compreender como gradualmente se instalou uma lógica de propriedade individual, retirando ao Estado o papel de providenciar um parque habitacional público de renda controlada. A investigadora Ana Santos explica bem este processo no caso português e como foi transversal às várias realidades ocidentais. O governo de Trudeau parece ter dado passos na direção certa, mas, para que seja sério, terá de ser mais ambicioso.
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