Recatada e do lar ou super-mulher trabalhadora. Esther Vivas pensa que, também na vivência da maternidade, há dois modelos que são impostos: a maternidade neoliberal e a patriarcal. Em entrevista ao jornal El País afirma que, para ser uma mãe insubmissa, são necessárias duas rupturas: “com a maternidade patriarcal que encerrou as mães em casa e que subvalorizou o trabalho dos cuidados” que é um arquétipo histórico, por um lado, e “com a conceção neoliberal atual de maternidade em que a criança e o cuidado ficam subordinados ao mercado”, por outro.
Mas rebelar-se contra “o estabelecido” é apenas o começo para viver livremente a maternidade porque “sem outro modelo de reprodução social é muito difícil viver outra maternidade”.
Essa é uma das ideias centrais do livro “Mamã desobediente. Um olhar feminista sobre a maternidade.” Nele, a autora também analisa a relação “mal resolvida” do feminismo com a maternidade. Do seu ponto de vista, o tema foi tradicionalmente incómodo para o feminismo porque a maternidade foi “instrumentalizada” e tornada “um mecanismo de controlo do patriarcado”. Assim, o feminismo reagiu rebelando-se contra essa imposição mas não teve debates de fundo sobre o tema.
Daí que, ainda hoje, para muitas, “parece incompatível ser mãe e feminista uma vez que a maternidade traz uma carga pesada de abnegação, dependência e culpa, face à qual as feministas dos anos 60 e 70 se rebelaram, como tinha que ser.” Isto redunda numa “relação tensa com a experiência materna” que a autora pretende superar porque “ser mãe não deveria significar criar de forma solitária, ficar fechada em casa ou renunciar a outros âmbitos da nossa vida e ser feminista não teria de implicar um menosprezo ou uma indiferença face ao facto de se ser mamã.”
Assim, neste livro, a socióloga defende que a maternidade feminista será a que “valoriza e visibiliza a importância da gravidez, o parto, a amamentação e a criança na reprodução humana e social e reivindica a maternidade como responsabilidade coletiva, no âmbito de um projeto emancipador.”
Maternidade e capital: privilégio, licenças de maternidade e barrigas de aluguer
Atualmente “ser mãe é um privilégio”, constata Vivas. “A precariedade laboral, o preço da habitação ou as dificuldades económicas” limitam a vivência da maternidade. Adia-se ter filhos ou não se tem: “quando olhamos os dados vemos que uma em cada quatro mulheres mulheres nascidas em 1975 não serão mães e a maioria não o será apesar de o desejar”. Ou seja, “supõe-se que somos livres” mas “o que constatam os dados é que nós mulheres temos cada vez mais dificuldades para podermos ser mães.”
Para as que chegam a ser mães, a socióloga assinala muitas outras dificuldades. Como por exemplo os obstáculos ao aleitamento livre. Em entrevista à Agência EFE, a autora sublinha que “há uma série de preconceitos sociais a propósito da lactância materna e em relação ao carácter erótico que se dá ao peito e que dificultam que as mães “possam dar o peito quando a criança necessita.” Mas não só, denuncia:“a indústria do leite de fórmula que tenta influenciar as decisões governamentais e o setor da saúde e também as nossas práticas, afirmando que dar biberão é o mesmo que amamentar.”
A duração de licenças de maternidade é outro obstáculo à maternidade. A este propósito, recorda que as licenças de paternidade aumentaram em Espanha 150% apenas num ano enquanto as de maternidade permanecem iguais desde 1989. As duas não são, claro, exigências que se excluam mutuamente: são necessárias tanto licenças mais amplas de paternidade quanto ampliar as licenças de maternidade. Até porque as licenças de quatro meses (como existem em Espanha) não permitem a lactância de seis meses recomendada pela Organização Mundial de Saúde.
O sistema económico também influencia a maternidade de uma outra forma: pressionando para que as barrigas de aluguer convertam “o útero da mulher e a gravidez em objeto de negócio”. A gravidez torna-se assim “um processo biológico mercantilizado pelo sistema capitalista” em que “as mulheres que fazem este tipo de práticas estão numa condição de desigualdade económica e social muito importante; se o fazem é porque necessitam de dinheiro”.
Parto: medicalização, menorização e violência obstétrica
No livro editado pela Capitán Swing em castelhano e pela Ara Llibres em catalão, Esther Vivas parte da sua experiência pessoal: “passado algum tempo de ter ficado grávida, quando comecei a procurar informação sobre onde e como parir, tomei consciência dos maus tratos e violência que se exercem nas mulheres” aquando do parto, “da envergadura destas práticas e de quão normalizadas e aceites são.”
A autora utiliza o conceito de “violência obstétrica” para designar uma forma “de maternidade, parto e amamentação que o patriarcado e o capitalismo nos impõem em função dos seus interesses, medicalizando processos fisiológicos e querendo-nos caladas, submissas e obedientes”, pode ler-se neste livro.
À Agência EFE explicita: “sequestraram-nos o parto” tendo este sido convertido num “parto tecnificado no qual não interessa a experiência materna, mas sim obter o produto: um bebé vivo.” A autora não pretende desqualificar a intervenção médica que “é importante quando é necessária”. Mas ataca a “atitude paternalista” que entende a grávida “como um objeto passivo e é o pessoal de saúde quem sabe o que convém à mulher”, o que é um ponto de vista patologizante do parto: “não se respeitam os desejos da mulher, não se pede autorização, praticam-se atos sem informar, infantiliza-se. O número de cesarianas, episiotomias, partos instrumentais, partos induzidos… é muito mais alto do que recomenda a OMS.”
Contudo, esclarece, esta denúncia da medicalização não é contra os médicos ou os técnicos de saúde mas contra certas práticas. Para alterá-las, estes são aliados necessários. É preciso “mudar a formação do pessoal médico que atende as grávidas incorporando um ponto de vista de género.”