Nos 90 anos de Nuno Teotónio Pereira

30 de janeiro 2012 - 12:36

Nasceu a 30 de Janeiro de 1922, o arquiteto publicamente louvado e premiado em 60 anos de atividade profissional dedicada à “arquitetura e cidadania”, o militante incansável na oposição à ditadura, preso mais do que uma vez pela PIDE, torturado e libertado de Caxias no dia seguinte à revolução de Abril. Por Joana Lopes, blogue entreasbrumasdamemoria.

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Nuno Teotónio Pereira.

Nasceu em 30 de Janeiro de 1922, numa família burguesa, monárquica, católica e afeta ao salazarismo, facto que viria a marcá-lo profundamente na primeira parte da vida.



Arquiteto de mérito reconhecidíssimo, mestre de gerações que com ele colaboraram num quase mítico atelier de Lisboa, publicamente louvado e premiado em sessenta anos de atividade profissional dedicada à “arquitetura e cidadania”; a partir do fim dos anos 50, também militante incansável na oposição à ditadura, preso mais do que uma vez pela PIDE, torturado e libertado de Caxias no dia seguinte à revolução de Abril – é esta a pessoa de Nuno Teotónio Pereira, que importa hoje referir, embora muito resumidamente, sobretudo para os mais novos e para os que não se cruzaram com ele na sua longa vida. 



O seu percurso foi muito especial e pouco comum. Com 14 anos, viveu entusiasticamente a criação da Mocidade Portuguesa, nela fez uma carreira fulgurante, envergou orgulhosamente a farda em desfiles na Avenida da Liberdade e não evitou a saudação fascista – faz questão de não o esconder. Nesse mesmo ano de 1936, seguiu apaixonadamente o avanço das tropas franquistas no início da Guerra Civil de Espanha e envolveu-se na organização de uma grande coluna de camiões que levou até Sevilha mantimentos para as mesmas.



A grande viragem sem retorno começou durante a II Guerra Mundial, por influência do pai, profundamente anglófilo, mas viria a concretizar-se, decisivamente, durante a campanha de Humberto Delgado, em 1958. Não só por todo o ambiente criado em torno desta, mas também por uma grande influência de sua mulher Natália e de Francisco Lino Neto, a quem Nuno Teotónio Pereira afirma ter ficado a dever a sua “conversão”. E é já com entusiasmo que segue a vitória de Fidel de Castro, em Cuba, em 1959… 



A partir de então, e até ao fim da ditadura, foram anos de uma militância intensíssima, sobretudo nos diversos campos de atividade dos que vieram a ser designados como “católicos progressistas”. Desde os primeiros anos da década de 60 e até ao 25 de Abril, a oposição dos católicos ao regime político e à guerra colonial, e a revolta crescente que manifestaram em relação às posições oficiais da Igreja portuguesa, deram origem a plataformas de luta que adotaram estruturas diversas, mais ou menos maleáveis conforme os casos, mas que envolveram, direta ou indiretamente, milhares de pessoas. Nessa teia de iniciativas e instituições, houve quem tivesse um papel especial na dinamização e agilização de contactos e na concretização de ações conjuntas. Vários nomes podiam ser citados, mas, se fosse necessário escolher apenas um, seria sem dúvida o de Nuno Teotónio Pereira. Com a sua simplicidade desconcertante, tenacidade férrea e pragmatismo à prova de fogo, deitava as sementes, estabelecia todas as pontes possíveis e acompanhava detalhadamente as realizações.



Qualquer lista de iniciativas peca por (grande) defeito, mas citem-se, a título de meros exemplos, a criação do primeiro jornal clandestino que difundiu notícias sobre a guerra colonial (Direito à Informação, 1963), a fundação da cooperativa Pragma (1964), o papel preponderante nas vigílias pela paz (igreja de S. Domingos, 1969, e capela do Rato, 1972), os cadernos GEDOC (1969), a participação na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (1970), o Boletim Anti-Colonial (1972). E muitas, muitas outras realizações que, sem ele, nunca teriam existido ou ficariam aquém da amplitude que tiveram. 



Em finais de 1973, foi preso pela última vez, durissimamente torturado pela PIDE e só o 25 de Abril o restituiu à liberdade. Foi depois um dos fundadores do MES, nele se manteve até à sua extinção e nunca deixou de ter, desde então, uma participação cívica muito ativa, nomeadamente a nível da cidade de Lisboa.



Há pouco menos de três anos, a vida deu-lhe um golpe cruel: cegou, mais ou menos repentinamente. Mas continuou preocupado com tudo e com todos. 



Há cerca de um ano, a pretexto do lançamento de um livro sobre uma cooperativa lançada no Porto nos anos 60 (a Confronto), um grupo de amigos decidiu prestar-lhe uma espécie de homenagem e foi sem surpresa que viram encher-se um auditório com várias centenas de pessoas. Para todas elas, o Nuno foi – e é – uma referência, um marco de vida e objeto de uma enorme gratidão.



A encerrar a referida sessão afirmou: “Estou velho, estou a chegar aos 90 anos. Há órgãos que me estão a falhar. Um deles é a memória, que se está a desfazer como pó, o que me causa um certo sofrimento. (…) Além da perda da visão. Estou emocionado, mas estou muito contente, porque esta sessão, tendo sido anunciada como de homenagem à minha pessoa e não deixando de o ser, fez também justiça a todos aqueles que eu conheci na luta contra a ditadura, naqueles anos difíceis. (…) Os dias de hoje, e porventura os de amanhã, vão exigir ações múltiplas, fortes, convictas. e por vezes decisivas, para que o mundo seja melhor para todos. (…) Muito obrigado.”

Neste vídeo, a sua intervenção na íntegra.


Artigo de Joana Lopes, publicado no blogue entreasbrumasdamemoria.

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