Este domingo à noite foi a vez de Mariana Mortágua e Paulo Raimundo debaterem convergências e diferenças entre Bloco de Esquerda e CDU a caminho para as próximas eleições legislativas. Ouça aqui o debate no podcast Mais Esquerda.
A relação com o Partido Socialista foi o primeiro tema, com Mariana Mortágua a desmontar a afirmação de Pedro Nuno Santos de que uma maioria do PS seria “condição para derrotar a direita”, lembrando que em 2015 “quem foi determinante para essa maioria” que derrotou a direita “foram os partidos à esquerda do Partido Socialista”.
A dirigente bloquista considerou “espantoso” e “incompreensível” que o líder do PS insista numa maioria absoluta depois daquela que “deixou o país numa crise social e numa crise política”. Pelo contrário, defendeu que a condição para uma maioria será a “clareza antes das eleições” nas propostas sobre habitação, saúde ou medidas para “resolver o problema dos baixos salários e a enorme desigualdade salarial que se vive em Portugal”. Para este último propôs medidas como os leques salariais, o combate à precariedade nas novas plataformas digitais, e a melhoria das condições das pessoas que trabalham por turnos.
Paulo Raimundo, sobre o mesmo tema, defendeu que o voto na CDU “obrigará o PS a cumprir todas as promessas que está a fazer agora” e que o seu partido nunca faltou a “nada que fosse positivo”. Sobre a caracterização do PS e PSD, esclareceu que “não dizemos que o PS é igual ao PSD” mas há semelhanças em “opções sobre interesses dos grupos económicos” e na legislação laboral. E sobre a possibilidade de assinar um acordo com escrito com o PS esclareceu que “a questão da forma não é determinante”.
Habitação: atacar a raiz dos problemas
Sobre o tema da habitação, a coordenadora bloquista criticou as propostas apresentadas este domingo pelo PS, que são “de recurso” para quem está “em fim de linha” mas “não atacam a raiz dos problemas” e até querem “colocar dinheiro de todos os contribuintes para continuar a alimentar este monstro” que é o aumento dos preços no mercado imobiliário voltado para o setor de luxo e do turismo.Ao invés, as do Bloco destinam-se a fazer baixar o preço das casas, com limitação do preço das rendas, descida dos juros do crédito à habitação, proibição da venda de casas a não residentes, limitação do alojamento local em áreas sob pressão.
O secretário-geral do PCP também salientou que as propostas do PS deixam de fora “de todo o esforço que é preciso fazer sempre os fundos imobiliários e a banca”. Também ele defende um “travão” para o aumento das rendas e investimento público na habitação pública. Neste ponto, Paulo Raimundo introduziu um tema que tem passado ao lado dos debates que é o da cultura, “uma questão essencial porque uma sociedade sem cultura é uma sociedade muito mais permeável a esta onda demagógica que está aí”.
Mariana Mortágua quis também falar deste assunto e das “sucessivas promessas de 1% para a cultura” das quais se continua a ficar “muitíssimo longe”, defendendo “estabilidade” para o financiamento plurianual dos projetos culturais, capacidade de investimento no património e dando como exemplo o facto de que “no Museu do Traje, chove, por incrível que pareça”.
As diferenças entre Bloco e CDU
Questionada sobre as diferenças entre os projetos políticos, Mariana Mortágua começou por salientar “um percurso de convergência em áreas essenciais”, nomeadamente na solução de governo de 2015, “a governação mais estável, de que as pessoas guardam melhor memória e que cumpriu exatamente o que fez” e em várias lutas como habitação e questões laborais.
Indo às diferenças, a porta-voz do Bloco colocou em cima da mesa a questão da eutanásia. O PCP votou contra a lei, o Bloco de Esquerda “defende que as pessoas possam escolher o que acham que é a forma digna de morrer quando têm uma doença incurável e um sofrimento intolerável e atroz” e que “o façam em toda a segurança com a proteção da lei”.
Também as questões internacionais como a invasão da Ucrânia e a “natureza do regime de Putin” mas também dos da China e de Angola os separam. Neste último país, afirmou Mariana Mortágua, reina uma “cleptocracia” que o Bloco “denunciou ao longo de toda a sua história e que usou Portugal como uma lavandaria de dinheiro que foi roubado ao povo de Angola por uma elite, uma clique de generais”.
Paulo Raimundo respondeu salientando igualmente convergências, afirmando que o seu partido não tem “nada a ver com as negociatas da Angola”. E sobre a eutanásia disse que “é uma situação muito complexa” na sociedade atual e que “levanta o conjunto de dificuldades e problemas que podem ter efeitos perversos”, mas que a reflexão sobre o tema no seu partido não está encerrada.
União Europeia e defesa
A moderadora do debate introduziu uma última série de questões sobre a guerra na Ucrânia, a Nato, a União Europeia e política de defesa. Mariana Mortágua considerou “que a União Europeia precisa ter uma voz própria em matéria geopolítica” e “de cooperação para a defesa”. No caso da Ucrânia “deixou de ter uma voz própria” e isso seria “essencial” para um “caminho para a paz”.
Paulo Raimundo, sobre a Ucrânia, disse que o problema de fundo “é que a União Europeia não é propriamente neutra neste problema”, classificando-a como “uma interveniente direta na guerra”. Os intervenientes na guerra, afirma, deveriam ser “obrigados a sentar-se à mesa” e fazer a paz porque “as guerras apagam-se com pressão política para a resolução política do conflito”.
O dirigente do PCP reiterou ainda, sobre a NATO que seria preciso “que se cumprisse de uma vez por todas a constituição da República Portuguesa”. E Mariana Mortágua concordou.
Sobre política de defesa a porta-voz bloquista acrescentou ainda que “os orçamentos de defesa têm vindo a subir substancialmente nos últimos anos” e que “só uma pequena parte é que se destina a reforço pessoal, pagamento de salários”. Mas “há uma outra parte” na qual “há muito pouca transparência sobre a sua utilização”, referindo as “suspeitas muito prolongadas” e “negócios mal explicados” no ministério da Defesa e defendendo uma auditoria a estes negócios.