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“Não houve um aumento significativo no consumo de canábis no Colorado”

É conhecida como a “marijuana czar” do Colorado. Nomeada em julho de 2018 para coordenar a política de canábis do governo do Estado, esteve envolvida enquanto vice-diretora na coordenação da política para a canábis desde 2014, quando abriram as primeiras lojas legais. Entrevista de Luís Branco a Dominique Mendiola, publicada na revista Esquerda.

A legalização no Colorado já tem anos suficientes para se fazer um balanço. Como avaliam a experiência? 

O Colorado foi o primeiro Estado nos EUA a legalizar o consumo e sempre teve a saúde pública e a segurança no topo das prioridades. Ao criarmos o primeiro enquadramento regulatório no país, aprendemos algumas lições: a necessidade de implementar dados de referência para avaliar eficazmente os impactos pré e pós-legalização; o controlo e a análise das embalagens que contêm produtos comestíveis, para manter a canábis longe do alcance das crianças; ou a limitação do número de plantas autorizadas nas residências privadas. 

Nesse sentido, intensificámos a recolha de dados e estamos constantemente a monitorizá-los para detetar alterações causadas pela legalização, nomeadamente no que respeita às taxas de consumo e à condução sob o efeito de drogas. No primeiro aspeto, os inquéritos de âmbito estatal junto de uma grande amostra de estudantes do secundário mostram que não houve um aumento significativo no consumo de canábis. A percentagem de estudantes que afirmam ter consumido nos últimos 30 dias estabilizou nos 19,4% para os estudantes entre 14 e 18 anos e 5,2% para a faixa entre os 11 e 13 anos. Esta é a população que consideramos mais vulnerável, por isso continuamos a apostar em campanhas de prevenção do consumo da canábis junto dos mais jovens. 

Quanto aos dados sobre o consumo dos adultos, a prevalência dos últimos 30 dias estabilizou nos 13,5% após a abertura das primeiras lojas, entre 2014 e 2016, não existiam dados antes disso. No entanto, o consumo de canábis entre adultos aumentou em 2017, devido ao aumento na faixa entre os 18 e os 34 anos. 

A condução de veículos sob o efeito de qualquer substância, não apenas da canábis, tem sido uma prioridade para o Colorado. O número total de autuações por parte das patrulhas caiu em 2017. Contudo, a prevalência da canábis ou da canábis em conjunto com outras substâncias aumentou de 12% no total das autuações em 2014 para 15% em 2017. Devemos sublinhar que também aumentou o número de agentes de patrulha formados na deteção de consumo de drogas, que passaram de 129 em 2012 para 2014 em 2017. E lançámos uma nova campanha em conjunto com a Agência de Segurança de Tráfego Rodoviário, sob o lema “Se se sente diferente, conduz diferente”.

 

E que impacto teve a legalização no mercado negro da canábis? 

Em termos gerais, a indústria legal de canábis no Colorado está a funcionar bem. Continuamos a melhorar a regulamentação a cada ano, através de um processo colaborativo com as partes interessadas, que contribui para o cumprimento das leis estaduais por parte deste sector. Mas o mercado ilícito não desapareceu, pelo que continuamos a apoiar os esforços de cumprimento da lei a nível local. 

Um exemplo: soubemos que operadores ilegais estavam a cultivar canábis a coberto de autorizações de autocultivo legal. E respondemos limitando o número de plantas para o autocultivo para 12 plantas por casa, independentemente do número de pessoas que lá vivam. Esse limite estabelece uma linha visível para que as forças de segurança possam distinguir entre atividades legais e ilegais. Para além disso, aumentámos o financiamento à investigação e aplicação da lei por parte dessas forças de segurança. 

Outro caso que encontrámos foi a produção de óleo de haxixe com recurso ao butano como solvente, o que criava grandes problemas de segurança e de saúde pública, como o risco de incêndio. Em resposta, o Estado proibiu o fabrico de concentrados com recurso a substâncias perigosas, à exceção dos operadores legais que cumprem os requisitos das regulações de segurança e higiene no trabalho. Por fim, o aumento de inquéritos ao crime organizado e de apreensões em terras públicas mostra que a justiça está a agir com força e com sucesso contra a atividade do mercado ilegal.

 

A proibição vigente ao nível federal ainda corresponde a uma ameaça real aos estados que legalizaram. O que espera da nova relação de forças entre o Congresso e a Casa Branca? 

Embora não possa falar da eventuais mudanças nas políticas federais, posso dizer que a colaboração com todas as partes interessadas é vital, o que inclui os nossos parceiros do governo federal e o Procurador Geral do Colorado. Eu própria e as nossas agências estaduais relacionamo-nos diretamente com todas as partes, incluindo forças de segurança, responsáveis pela saúde pública, a indústria, autoridades locais responsáveis pelos licenciamento e o governo federal. Estas parcerias ajudam a prevenir e combater as consequências indesejadas da legalização.

 

Muita gente critica os modelos adotados pelos estados que legalizaram, por acabarem por favorecer as grandes empresas em detrimento das pequenas. Isso acontece no Colorado? 

Não. Encomendámos um estudo de mercado que mostrou que a indústria da canábis no Colorado continua a ser altamente competitiva. Concretamente, os 10 maiores operadores representam apenas 23,1% do total do mercado.

Entrevista publicada em fevereiro de 2019 na revista Esquerda.

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