Ministro da Saúde italiano sob suspeita de fraude científica

18 de setembro 2023 - 16:33

Em causa está a duplicação de imagens em oito estudos publicados por Orazio Schillaci entre 2018 e 2022. O ministro nega responsabilidades.

PARTILHAR
Orazio Schillaci
Orazio Schillaci. Foto da Presidência sueca da UE/Flickr

Doutorado em medicina nuclear e ex-reitor da faculdade de Medicina da Universidade de Roma Tor Vergata, Orazio Schillaci tornou-se ministro da Saúde do governo de Meloni no ano passado. Mas isso não o fez interromper a publicação de estudos científicos, com três dezenas publicadas já este ano. Nos quatro anos anteriores à entrada no governo da extrema-direita italiana, publicou em revistas científicas ao ritmo de um estudo a cada doze dias.

A quantidade e o ritmo de publicação de estudos assinados em autoria e co-autoria pelo atual governante levou o jornal Il Manifesto a analisar essas publicações. O jornal descobriu que uma imagem foi publicada em oito estudos diferentes na área do cancro. E a revista Science confirmou que eles serão no mínimo “problemáticos”.

A mesma imagem é apresentada num artigo publicado em 2021 no Journal of Clinical Medicine como mostrando células de cancro da próstata em ratos de laboratório, após ter sido publicada noutro artigo assinado por Schillaci em 2019 a mostrar células de cancro da mama. Noutro estudo, publicado em 2019 no International Journal of Molecular Sciences, uma imagem que mostra células do tecido mamário é igual à que pretendia mostrar células ósseas num artigo publicado no ano anterior.

Há também um caso em que a mesma imagem aparece duas vezes no mesmo artigo, publicado em 2018 no Contrast Media & Molecular Imaging: uma imagem de células de cancro da próstata é identificada como proveniente de um doente com metástases ósseas, sendo depois apresentada novamente a uma escala diferente e identificada como proveniente de um doente não metastático.

Especialistas duvidam da integridade dos artigos do ministro

Vários especialistas em integridade dos estudos científicos, citados pela Science, são unânimes em admitir que se possa ter tratado de negligência nas utilização das imagens. Mas a repetição de casos leva à conclusão que os processos de tratamento de dados por parte de Schillaci estarão incorretos. E o facto de terem sido publicados em tantas revistas diferentes devia dar origem a uma investigação por parte da universidade, defendem.

A responsabilidade do agora ministro é outra das matérias a avaliar. Schillaci responde que “não sou especialista em microscopia, confiei nas pessoas que prepararam essas imagens”. E de facto existem outros cientistas cujo nome figura nos trabalhos sob suspeita.

Para Elisabeth Bik, especialista neerlandesa em integridade científica, disse ao El Pais que não estava à espera “que um investigador deste nível cometa este tipo de erro com tanta frequência”. Além disso, acrescenta, “estes são os erros visíveis. Mas qual será o nível de desleixo em dados que são muito mais difíceis de verificar, como os contidos numa tabela?”, questiona.

Para o biólogo Enrico Bucci, que fundou uma empresa de deteção de plágios e condutas que põem em causa a integridade científica, há outro aspeto que chama a atenção. Uma das revistas onde aparecem as imagens erradas é a Cancer Research and Reports, considerada “uma revista científica fake”, ou seja, que solicita artigos a investigadores que pagam para os publicar sem revisão científica adequada.

“Pergunto-me como é possível que um reitor que já tem centenas de publicações possa decidir publicar um artigo do qual é responsável numa revista dessas”, prossegue Bucci, cuja investigação concluiu que “entre 10% a 12% dos artigos científicos no âmbito da biomedicina contém alguma imagem problemática”. Sobre o mérito científico de Schillaci, este investigador da universidade norte-americana de Temple diz duvidar muito que, “quem tem outro trabalho, como reitor ou ministro, possa ser um bom investigador".