Muitos milhares de pessoas encheram as ruas de Lisboa e Porto, mas também de outras duas dezenas de localidades portuguesas para reclamar "Casa para Viver".
Em declarações à CNN Portugal, Vasco Barata, da associação Chão das Lutas, afirmou que "o tamanho da manifestação de hoje interpela o Governo a escolher quem é que quer ouvir: se os agentes do lóbi do imobiliário ou as pessoas que estão com a corda na garganta porque não conseguem pagar a renda ou as prestações do banco".
Ver fotogalerias das manifestações em Lisboa e no Porto, Nazaré, Aveiro, Leiria, Portimão, Faro, Covilhã, Tavira, Beja, Funchal, Évora, Coimbra, Viseu, Braga e Guimarães.
"A ministra diz que compreende as manifestações, mas não tem de compreender, tem de governar. E governar é tomar medidas que protejam as pessoas ao invés de andarmos neste jogo palaciano entre o Governo e Marcelo Rebelo de Sousa", defendeu o ativista.
Concentração "Casa para Viver" em Lisboa. Foto Esquerda.net
Também Rita Silva, do movimento Vida Justa, disse à SIC Notícias que "apesar de todas as promessas e anúncios, a crise da habitação continua a agravar-se" e os salários "já não são suficientes para fazer face à despesa da habitação". A ativista deu conta de situações concretas de pessoas que recebem uma oposição à renovação de contrato e têm de sair da sua habitação sem encontrarem alternativa, famílias que não se conseguem divorciar porque não há alternativa de habitação para um dos cônjuges, além das situações de violência doméstica que aumentam "porque as pessoas são forçadas a viver juntas para continuar a ter um teto".
Além disso, há cada vez mais pessoas "que trabalham e que têm de viver em tendas, famílias inteiras em quartos a partilhar casas, pessoas que estão a construir barracas em zonas escondidas para se proteger", afirmou Rita Silva, exemplos que foram contados na primeira pessoa por vários manifestantes.
"O direito à habitação vale muito mais do que a especulação"
Um diagnóstico semelhante foi apresentado por Mariana Mortágua no início da manifestação de Lisboa, dizendo tratar-se de "um cenário limite para muitas pessoas: temos jovens que não conseguem estudar porque não podem aceder à habitação, idosos a serem despejados, a vida adiada para gerações de portugueses, temos imigrantes que vivem em beliches em regime de cama quente". Para a coordenadora bloquista, "a única forma de combater a a crise da habitação é com medidas determinadas: é controlar as rendas, proibir a venda de casas a não-residentes, é ter medidas que façam os bancos descerem os juros e que esse esforço venha do lucro dos bancos e não de todos os contribuintes".
Por isso, acrescentou Mariana Mortágua, "estamos aqui com uma multidão que se junta para dizer o óbvio: que o direito à habitação, que a necessidade de ter uma casa que um salário possa pagar é muito mais importante e vale muito mais do que a especulação, o negócio e o lucro fácil". E se até agora "esse negócio tem mandado nos destinos do país" com a maioria absoluta do PS a juntar-se à direita para impedir medidas que possam travar a crise na habitação, "é a mobilização popular e social que vai pressionar o Governo", defendeu.
"As pessoas estão aqui porque o preço das casas sobe apesar das medidas do Governo. Mas Portugal não está destinado a ser um offshore para estrangeiros endinheirados virem comprar as casas nas grandes cidades. Quem aqui vive tem o direito a ter uma casa que possa pagar para construir a sua família e ter a sua vida. Só isso impede que as pessoas emigrem e só isso respeita a vida com dignidade no nosso país", concluiu Mariana Mortágua.
Protestos em todo o pais
No Porto, Jorge Albuquerque, do movimento Habitação Hoje, atribuiu o aumento da participação na manifestação que arrancou da Praça da Batalha ao facto de "com o passar do tempo e as medidas que o Governo anunciou, as pessoas não sentem que não vão ter uma resposta às suas necessidades". Para este ativista, as medidas do pacote Mais Habitação nem sequer são um paliativo: "a renda acessível a um preço 20 abaixo do mercado é acessível para quem?", questiona, defendendo em alternativa o investimento no aumento do parque público e na utilização das casas devolutas "num regime de renda condicionada, paga consoante os rendimentos das pessoas e não da especulação imobiliária".
Manifestação "Casa para Viver" no Porto. Foto Helga Calçada
Mais do que nos protestos de abril, agora foi notória a presença das gerações mais velhas nestas manifestações e o Porto não foi exceção. "Na terça-feira a minha senhoria telefonou-me a dizer que tinha de sair até ao fim do ano. Estou lá desde 1988, desde sempre paguei a minha renda e reparei a casa sem receber um euro. E agora fui empurrado para fora", queixava-se um dos reformados presentes no protesto.
Em Coimbra, onde a concentração juntou meio milhar de pessoas, Mariana Rodrigues, do movimento Porta Adentro, afirmou-se "satisfeita, mas não surpreendida" por ver que a adesão ao protesto era muito maior do que na concentração de 1 de abril. "Desde abril até setembro, pouco mudou na cidade. Desde 2021, os preços das rendas médias na cidade aumentaram 30% e diminuiu 40% a habitação disponível. Coimbra é uma cidade eminentemente universitária e vive uma crise de inflação todos os setembros", apontou a ativista. Na cidade, sente o descontentamento a aumentar, com o movimento a receber "mais queixas de estudantes que não encontram casa e famílias preocupadas por não terem salário que chegue ao fim do mês e sem saberem como vão pagar a renda do mês seguinte".
Concentração "Casa para Viver" em Coimbra. Foto Madalena Pacheco.
Centenas de pessoas concentraram-se também esta tarde em Faro, onde a ativista da Chão das Lutas, Sandra Moutinho, apontou o dedo à especulação imobiliária no Algarve e aos elevados preços praticados pelos construtores como razões para a falta de casas acessíveis aos rendimentos da população e em particular dos jovens obrigados a continuar a viver em casa dos pais. "Estamos na segunda cidade do Algarve com mais problemas de habitação e onde há despejos forçados de famílias com crianças, quando sempre pagaram rendas e nem contratos têm de arrendamento", denunciou em declarações à SIC Notícias.
Concentração "Casa para Viver" em Faro. Foto Sandra Moutinho.
Também Alexandre Santos, estudante deslocado em Faro, diz ter sido muito difícil conseguir arranjar casa no ano passado porque "os preços estavam exorbitantes, pagava uma renda de quase 400 euros". "Aqui no Algarve não só os estudantes mas também as pessoas que aqui trabalham enfrentam essa dificuldade de o salário não conseguir pagar a renda da casa e têm de escolher entre pagar a habitação ou a renda", prosseguiu, concluindo que do lado do Governo não se veem "medidas que possam melhorar a situação, apenas piora".
Também em Portimão, a concentração "Casa para Viver" juntou dezenas de pessoas, entre elas vários professores que trouxeram a palavra de ordem "Nem alunos sem professores nem professores sem casa".
Concentração "Casa para Viver" em Portimão. Foto Jorge Ramos.
Em Aveiro, mais de duas centenas de pessoas estiveram no Largo Jaime Magalhães, onde se montaram algumas tendas com frases como "Direito à Habitação? Já Era!!" ou "Ganhamos salários mínimos, pagamos rendas máximas".
Concentração "Casa para Viver" em Aveiro. Foto Moisés Ferreira.
Na Covilhã, mais de uma centena de pessoas aderiram à concentração, com forte presença de estudantes que denunciaram a escalada dos preços do alojamento e o risco do abandono do ensino superior por não conseguirem casas a preços que podem pagar.
Concentração "Casa para Viver" na Covilhã. Foto Cristina Guedes.
Em Leiria, cerca de uma centena de pessoas marcaram presença junto à Fonte Luminosa, onde foram feitas várias intervenções por parte dos participantes. "Esta é a hora de estarmos na rua a gritar pela nossa sobrevivência e pelo futuro das nossas vidas e das nossas cidades", afirmou Ivo Santos, um dos organizadores do protesto.
Concentração "Casa para Viver" em Leiria. Foto Frederico Portugal.
Na Nazaré, meia centena de pessoas participaram na concentração com microfone aberto para intervenções que denunciaram a subida de preços e a ameaça do alojamento turístico que vai retirando casas a quem vive e trabalha nesta vila.
Concentração "Casa para Viver" na Nazaré. Foto de Carolina Gomes.
Em Braga, muitas centenas de pessoas manifestaram-se pelas ruas centrais da cidade, destacando-se a forte presença da juventude.
Concentração "Casa para Viver" em Braga. Foto Marco Mendonça.
Em Viseu, o protesto juntou mais de meia centena de pessoas, com intervenções dos vários coletivos e associações promotoras da concentração.
Concentração "Casa para Viver" em Viseu. Foto Tiago Resende.
Em Guimarães, dezenas de pessoas concentraram-se no Largo de Toural e desfilaram pelo centro da cidade. A manifestação terminou com intervenções das várias organizações promotoras.
Concentração "Casa para Viver" em Guimarães. Foto Afonso Silva.
As concentrações da manhã de sábado juntaram centenas de pessoas em várias cidades. Em Évora, cerca de uma centena de pessoas exigiram que os bancos baixem as prestações por conta dos seus lucros, a imposição de tetos às rendas, travar a especulação com o fim dos vistos gold e o regime dos residentes não habituais, e a aplicação de uma política de verdadeiro investimento público que reforce rapidamente o parque público habitacional.
Concentração "Casa para Viver" em Évora. Foto de Bruno Martins
À mesma hora em Beja, dezenas de pessoas compareceram à convocatória para defender o direito à habitação e reclamar do Governo que faça cumprir esse direito inscrito na Constituição.
Concentração "Casa para Viver" em Beja. Foto de Gonçalo Monteiro.
Em Tavira, o protesto juntou dezenas de pessoas que empunharam cartazes e faixas reclamando casas para viver.
Concentração "Casa para Viver" em Tavira. Foto de Artur Sanina.
Dezenas de pessoas acorreram também ao centro do Funchal, onde a concentração em frente à Asssembleia Legislativa Regional contou com a presença do recém-eleito deputado bloquista Roberto Almada e uma faixa onde se lia: "Casas para morar, não para especular".
Concentração "Casa para Viver" no Funchal. Foto de Igor Andrade.