Argentina

Milei veta leis sociais e amplia tensão com oposição e pessoas com deficiência

11 de agosto 2025 - 11:37

Associações de pessoas com deficiência falam em regressão de “cem anos” nas políticas do setor e de uma “política de crueldade, de desumanização das pessoas com deficiência, que são vistas como descartáveis” porque “não se encaixam no mercado de trabalho”.

por

Rodrigo Durão Coelho

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Milei na Conservative Political Action Conference nos EUA.
Milei na Conservative Political Action Conference nos EUA. Foto de Gage Skidmore/Flickr.

O presidente da Argentina, Javier Milei, vetou na passada segunda-feira um pacote legislativo aprovado pela oposição, que previa aumentos nas reformas e melhorias nos benefícios para pessoas com deficiência. As três leis aprovadas por maioria no Congresso Nacional em julho estabeleciam reajustes para os aposentados e, ao mesmo tempo, declaravam estado de emergência na área da deficiência, para melhorar os serviços voltados a esse público.

Classificando a sessão em que as leis foram aprovadas como “auto-convocada” e “irresponsável”, o governo justificou o veto argumentando que, caso os aumentos fossem implementados, estariam em risco “o equilíbrio das contas públicas”.

O conflito escalou rapidamente, a ponto de Milei lançar acusações contra sua própria vice-presidente e presidente do Senado, Victoria Villarruel, a quem chamou de “traidora” por permitir que a oposição levasse adiante a sessão parlamentar.

Num cenário de forte tensão política, marcado pelo ano eleitoral, o peronismo – junto com outras forças oposicionistas – tenta agora reverter o veto presidencial. Para isso, será necessário reunir uma maioria qualificada de dois terços em ambas as casas, o que parece pouco provável. Não pela força do governo, que é minoria no Congresso, mas pela postura de parte da oposição considerada “colaboracionista”, que tem permitido que Milei governe sem grandes obstáculos nestes dois anos.

Ajuste, exclusão e repúdio

Desde o início do mandato, Javier Milei tem centrado seu projeto económico na obtenção do superavit fiscal, mas a austeridade não atingiu todos os setores da mesma forma. Enquanto reduz impostos para os mais ricos e aumenta o orçamento dos serviços secretos – acusados de práticas de espionagem interna –, o governo de extrema-direita cortou drasticamente os recursos destinados às camadas mais vulneráveis da população.

Entre eles, reformados e as pessoas com deficiência. É o que denuncia Inti Costanzo, militante da Federação Argentina de Instituições de Cegos (FAICA), em declarações ao Brasil de Fato. Segundo Costanzo, a histórica exclusão estrutural que afeta as pessoas com deficiência aprofundou-se durante o governo Milei, devido aos cortes “brutais” nas políticas de proteção social.

“Na Argentina vivem mais de cinco milhões de pessoas com deficiência, das quais oito em cada dez não têm emprego formal. É um problema estrutural, presente também em outros países da região e do mundo, resultado da lógica do capitalismo global”, avalia.

A esse cenário soma-se agora o ajuste fiscal. Um dos principais cortes foi o das pensões não contributivas, que beneficiavam quase dois milhões de pessoas com deficiência. Segundo Costanzo, esse corte não é apenas uma medida económica, mas parte de um projeto ideológico da extrema-direita, que busca excluir aqueles que não são considerados “funcionais” para o sistema económico.

Nesse sentido, ele alerta que o governo voltou a reduzir a deficiência à sua dimensão meramente médica, negando p seu caráter social: “Regredimos cem anos. A deficiência não é doença, mas sim um conjunto de barreiras sociais que impedem a plena participação das pessoas que não se encaixam nos parâmetros produtivos tradicionais do capitalismo”.

“O governo promove uma política de crueldade, de desumanização das pessoas com deficiência, que são vistas como descartáveis. Para eles, essas pessoas deveriam estar em casa, sob a tutela das famílias”, conclui.

Uma conquista e uma bandeira de luta

A proposta vetada incluía o pagamento de dívidas com prestadores de serviços de Saúde, a atualização mensal das tarifas do sistema de prestações básicas e uma reforma nas pensões não contributivas para garantir o seu financiamento. Além disso, previa compensações urgentes para oficinas protegidas, centros de atendimento diário e profissionais do setor, cujas remunerações não são reajustadas há mais de um ano. Também contemplava a reformulação do Certificado Único de Deficiência e reafirmava o cumprimento da cota de 4% para pessoas com deficiência no setor público.

Costanzo destaca que a lei vetada “foi uma conquista” das organizações de pessoas com deficiência. “É uma medida mínima e de subsistência – enfatiza –, mas o governo a veta porque tem uma política de crueldade, um projeto que descarta quem não se encaixa nas regras do mercado.”

O veto presidencial gerou imediatos atos de repúdio e mobilizações. Diversos coletivos – junto com aposentados, setores da Educação e da Saúde – têm vindo a organizar protestos contra as políticas do governo. Em resposta, o Executivo ativou o protocolo antipiquetes e ameaçou reprimir qualquer manifestação em frente ao Congresso.

Diante desse cenário, Costanzo acredita que será a pressão social que poderá reverter o veto. Ele lembra que a Lei de Emergência na Deficiência foi aprovada por unanimidade no Senado, e que o seu veto causou um profundo mal-estar. “Acreditamos que o processo de luta continua aberto e pode representar uma vitória inédita na história argentina”, afirma. Além disso, destaca que a indignação social pode permitir “dar um golpe de unidade” junto com universidades e aposentados contra o que ele chama de “a política de miséria planeada do governo de Javier Milei”.


Texto publicado originalmente no Brasil de Fato. Editado para português de Portugal pelo Esquerda.net.

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