Argentina

Milei promove criptoburla

16 de fevereiro 2025 - 11:53

O presidente argentino recomendou o investimento numa “criptomoeda” desconhecida apenas minutos depois desta ter sido criada. Esta valorizou milhões, que ficaram nos bolsos de um punhado de investidores, e depois fez quem caiu no esquema perder 90% do investido. Milei, com ligações aos promotores do esquema, acabou por retirar a publicação.

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Milei na residência oficial com Hayden Mark Davis, identificado como o responsável pela $LIBRA
Milei na residência oficial com Hayden Mark Davis, identificado como o responsável pela $LIBRA. Foto do X de Javier Milei.

Um presidente da República em funções a promover um esquema de investimento obscuro nas suas redes sociais não é algo habitual. Mas, na senda de Trump, foi precisamente isso que o argentino Javier Milei, herói de muitos liberais, fez simultaneamente na rede social X e no Instagram.

Numa publicação feita na sexta-feira à noite, Milei tratou de publicitar a “$LIBRA”, uma “criptomoeda” até então absolutamente desconhecida, afirmando que “a Argentina Liberal cresce” e que esta iria estimular a economia ajudar os pequenos negócios a crescer. O lema do empreendimento era “Viva La Libertad”, retomando o do próprio Milei.

A recomendação fez com que o valor daquela explodisse rapidamente. A “criptomoeda” que valia 0,3 cêntimos de dólar passou em minutos a valer 4,7 dólares. Até que os medos sobre ser uma fraude se começaram a espalhar e esta cair também muito rapidamente 90%, passando a valer quase nada.

Cinco horas depois, Milei apagou a publicação. Justificou-se dizendo que não estava “familiarizado” com os detalhes do projeto” e que “depois de me ter informado decidi não continuar a disseminá-lo”. A conta oficial da presidência no X assegurava neste sábado à noite que se tinha tratado que uma rotineira promoção de um negócio. Mas não explicou como essa promoção sucedeu apenas três minutos depois daquele projeto ter sido criado.

Entretanto, um punhado de investidores desconhecidos terão ganho em pouco tempo 107 milhões de dólares. A quase totalidade dos crentes no presidente argentino acabou burlada perdendo o investido.

Face à pressão política, com exigências de que o Congresso investigasse a situação e os deputados da oposição a classificar o sucedido como "escândalo sem precedentes", e a vários anúncios públicos de que o caso iria parar às barras dos tribunais, a presidência acabou por anunciar também que seria aberta uma investigação para saber se alguém do governo tinha agido de forma imprópria.

O criptopresidente conhece bem os responsáveis pelos esquemas

Apesar de ter alegado que nada sabia sobre este esquema quando apagou a sua mensagem no X, o que é verdade é que Javier Milei tem privado com as figura por detrás desta “criptomoeda”.

O conservador e liberal jornal argentino La Nación traça estas relações, começando por escrever que “a publicação do presidente Javier Milei a incentivar as pessoas a investir numa nova criptomoeda chamada “$LIBRA” durou pouco mais de quatro horas na rede social X. Mas o laço que o une aos que participaram direta ou indiretamente na operação já dura há mais de quatro anos, entre denúncias de burlas, dinheiro desaparecido, máscaras faciais, cursos de formação e uma cerimónia de gala”.

A primeira figura da trama é o “empresário” Hayden Mark Davis, dono de uma desconhecida “Kelsen Ventures”. Foi ele quem lançou a $LIBRA. A 30 de janeiro, Milei reuniu-se com ele e tornou público que o tinha assessorado “sobre o impacto e as aplicações da tecnologia blockchain e inteligência artificial no país”. O objetivo, vangloriava-se tinha sido “acelerar o desenvolvimento tecnológico argentino e fazer da Argentina uma potência tecnológica mundial”.

A segunda figura da trama é Julian Peh o criador do Kip Protocol, a plataforma onde o esquema foi lançado. Este defende-se que apenas deu assistência tecnológica ao projeto cuja página foi só criada no dia em que Milei a promoveu. Peh é originário da Singapura e a sua empresa passou a integrar o “Comité Blockchain” da cidade de Buenos Aires. Também ele já se reuniu com Milei e este já tinha republicado no X uma mensagem sua que fez com que o token da KIP Protocol tivesse aumentado de valor em 20% imediatamente.

Julián Peh
Julián Peh

Nesse encontro estava uma terceira figura, Mauricio Novelli, que também estará metido no negócio cripto, um empresário argentino que já contratou Milei em diversas ocasiões e que criou o Tech Forum, evento promovido também pela presidência. Um outro nome também envolvido é o de Manuel Terrones Godoy, um espanhol “acusado de alegados golpes reiterados que terá perpetrado com investimentos digitais”. Os dois são conhecidos o suficiente de Milei para terem sido convidados para o jantar de gala com que Milei celebrou a sua eleição. Eles e Jeremías Walsh, sócio de Novelli na empresa N&W Professional Partners, para a qual Milei prestou serviços.

Não há duas sem três…?

Não foi a primeira vez que o atual presidente argentino surgiu envolvido com o mundo da especulação das “criptomoedas”.

Em 2021, quando já era deputado instigou os seus seguidores nas redes sociais a investir na Coinx World. Defendeu então que os responsáveis pela iniciativa “estão a revolucionar a forma como investimos para ajudar os argentinos a escapar à inflação. Pode simular o seu investimento em pesos, dólares ou criptomoedas e lucrar. Escreva para a CoinX em meu nome assim o vão assessorar com o melhor”.

A aventura acabou com denúncias de fraude e com perdas para os pequenos “investidores” na ordem dos 40 milhões de pesos. O fundador do esquema, Francisco José Hauque, tinha já várias denúncias por fraude antes deste caso, mas acabou preso com a sua mulher por outra razão: posse de dois quilos de cocaína, explica o El Tiempo.

Numa entrevista na Rádio Con Vos, depois disto, Milei admitiu que ganhou dinheiro por ter feito a recomendação.

A 18 de fevereiro de 2022, foi a vez de promover a NFT Vulcano, de Novelli, sobre a qual garantiu que tinha um “diagrama económico sustentável”. Demonstrou ser tão sustentável que implodiu em semanas.