Está aqui
Memórias: Catarina Eufémia
Filha de camponeses sem terra, Catarina Eufémia nasceu, no 13 de fevereiro de 1928, em Baleizão (aldeia do Alentejo). Os pais trabalhavam num latifúndio e Catarina trabalhava em casa. Nem sequer teve tempo para ir à escola.
Catarina Eufémia começou a trabalhar nos latifúndios, durante a adolescência, e aprendeu tudo sobre o trabalhos no campo, da sementeira à ceifa. Aos 17 anos, casou-se com António Joaquim (operário da CUF) e foi viver para o Barreiro.
Mais tarde, António Joaquim foi dispensado da CUF e o casal regressou a Baleizão. António Joaquim conseguiu emprego de cantoneiro, em Quintos. Mas o seu salário não chegava para sustentar a família e Catarina voltou a trabalhar nos latifúndios.
No dia 19 de maio de 1954, Catarina Eufémia liderou um grupo de 14 ceifeiras que exigiam o aumento de mais dois escudos por jorna diária. Na herdade do Olival, o grupo foi cercado por soldados da GNR e o tenente Carrajola matou Catarina.
Durante o funeral, a GNR dispersou à bastonada a multidão que protestava contra a sua morte. No tumulto, nove camponeses foram presos. Depois foram julgados e condenados a dois anos de prisão.
Para evitar romarias subversivas, por ordem da GNR, o corpo de Catarina não foi sepultado em Baleizão, mas em Quintos. Em 1974, depois da Revolução dos Cravos, os restos mortais de Catarina foram transladados de Quintos para Baleizão.
Nota: o tenente Carrajola não foi a tribunal, nem sequer foi castigado. Foi apenas transferido de Baleizão para Aljustrel, onde morreu, em 1964 (de morte natural).
Sophia de Mello Breyner, Carlos Aboim Inglez, Eduardo Valente da Fonseca, Francisco Miguel Duarte, José Carlos Ary dos Santos, entre outros/as, dedicaram-lhe poemas. Em sua homenagem, o poeta Vicente Campinas escreveu "Cantar Alentejano", musicado e cantado por Zeca Afonso.
Comentários
autoria do poema "Cantar Alentejano"
Há anos circula na net a ideia errónea de que terá sido Vicente Campinas o autor do poema "Cantar Alentejano". Na verdade, não é. Como se disseminou esse erro, não sei. Certo é que, apesar de José Afonso ter gravado a canção apenas em 1971 ("Cantigas do Maio"), o poema já consta na 1.ª colectânea de poemas, "Cantares", publicada pela Nova Realidade, em 1966. Consta também do livro "José Afonso, Textos e Canções", que reúne toda a poesia de José Afonso, musicada ou não. Sabe-se que Zeca Afonso cantou a canção pela 1.ª vez em 17 de Maio de 1964, na sua primeira ida a Grândola, a convite da Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Essa ida a Grândola fez história, como se sabe, pois logo a seguir fez a canção "Grândola Vila Morena", hino à liberdade e à fraternidade. Afinal outros factos tornam histórica essa atuação de Zeca em Grândola. Foi lá que conheceu Carlos Paredes e que cantou pela 1.ª vez a canção dedicada a Catarina, feita na véspera. Numa carta aos pais, reproduzida no site da AJA, José Afonso conta: "Eu e a Zélia estivemos em Grândola numa sociedade operária. Aí actuámos, eu e o Paredes (o filho é ainda melhor que o pai) no meio de uma assistência atenta e compenetrada, toda ela de operários e mulheres de xaile e lenço. Ofereci-lhes uma canção feita na véspera (16-5-64), uma espécie de evocação da terra alentejana e do seu símbolo ainda vivo na lembrança do homem do povo: a Catarina Eufémia, uma ceifeira de Baleizão morta pela Guarda Republicana em circunstâncias, que forneceriam matéria para uma canção de gesta."
http://www.aja.pt/%C2%ABo-carlos-paredes-e-um-grandalhao%C2%BB/
V. Campinas também dedicou um poema à ceifeira de Baleizão, a que deu o título de "Catarina", datado de Maio de 1965, publicado em Bruxelas em 1967, e posteriormente (1973) em Portugal, dados localizados no blogue EPHEMERA (https://ephemerajpp.com/2010/08/12/comissao-democratica-eleitoral-cde-do...).
Será, portanto, de elementar justiça corrigir um erro que grassa na net (qual a origem?), ofendendo a memória de dois homens cuja integridade moral e honestidade intelectual estão acima de qualquer suspeita. Nenhum deles merece ser considerado plagiador.
"Cantar Alentejano" - autoria do poema
A questão da autoria do poema foi retomada no blogue "A viagem dos Argonautas"
https://aviagemdosargonautas.net/2017/02/06/praca-da-revolta-quem-escrev...
Para além deste post de Carlos Loures, o editor de "Cantares", estão publicados depoimentos, ver links ao fundo da página.
Adicionar novo comentário