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Marikana: uma tragédia brutal que nunca devia ter acontecido

O afastamento entre os trabalhadores sindicalizados e os líderes sindicais é um elemento que está por detrás do que aconteceu na Lonmin e do que está a acontecer noutras minas de platina. Editorial da revista sul-africana Amandla.
O massacre policial na mina de Marikana matou mais de 35 pessoas

Nenhum acontecimento desde o fim do Apartheid pode resumir a superficialidade da transformação neste país como o massacre de Marikana. O que ali aconteceu irá ser discutido por muitos anos. Já é evidente que os mineiros irão ser culpados de serem violentos. Os mineiros serão retratados como selvagens. Ainda assim, a verdade é que a polícia fortemente armada com munições reais disparou e matou brutalmente mais de 35 mineiros. Muitos mais ficaram feridos. Alguns irão morrer por causa desses ferimentos. Outros dez trabalhadores já tinham sido assassinados nas vésperas deste massacre.

O que aconteceu não foi uma ação de polícias desobedientes. O massacre resultou de decisões tomadas no topo da cadeia de comando. A polícia tinha prometido responder com força e apareceu armada com balas reais. Não se portaram melhor que a polícia do Apartheid quando enfrentou as revoltas de Sharpeville em 1960, do Soweto em 1976 ou os protestos dos anos 1980 quando tantos do nosso povo foram mortos.

A resposta agressiva e violenta da polícia aos protestos contra as condições de vida nos bairros degradados tem agora o seu eco  neste massacre.

Isto representa uma mancha de sangue na nova África do Sul.  

Isto representa um fracasso de liderança. Um fracasso da liderança do Governo: os ministros do Trabalho e dos Recursos Minerais que estiveram ausentes durante todo este episódio; do ministro da Polícia que continua a dizer que esta disputa não e política mas apenas entre trabalhadores, enquanto apoia a ação policial; um fracasso do Presidente que só consegue dizer banalidades perante esta crise e não mobiliza o Governo e os seus enormes recursos para dar resposta imediata às preocupações dos mineiros e das suas famílias agora enlutadas.

Foi um fracasso e traição por parte da administração da empresa mineira Lonmin, que se recusou a dar seguimento aos compromissos com os líderes sindicais para encontrar-se com os trabalhadores e responder às suas queixas. A administração deu uma cambalhota ao aceitar a negociação com os trabalhadores e depois voltar atrás dizendo que já tinham um acordo por dois anos com o Sindicato Nacional de Mineiros (NUM).

É infelizmente também um fracasso da liderança sindical: em primeiro lugar do NUM, que considera qualquer oposição à sua liderança como criminosa, criada seguramente pela Câmara das Minas [a associação patronal do setor mineiro]. Isto obviamente não é verdade. É também um fracasso do Sindicato Associativo da Construção e Minas (AMCU), que age de forma oportunista, esforçando-se por recrutar membros descontentes do NUM, mobilizando os trabalhadores com reivindicações irrealistas e não condenando a violência por parte dos seus membros.

O nível de violência nas nossas minas demonstra as divisões profundas e a polarização da sociedade Sul-Africana. Os mineiros trabalham em condições de pobreza extrema e muitas vezes vivem na miséria em acampamentos sem serviços básicos. Frequentemente, estes trabalhadores são utilizados por engajadores e não têm condições de trabalho dignas.

A "greve selvagem" (à semelhança doutras greves mineiras) que despoletou os acontecimentos anteriores ao massacre é uma resposta à violência estrutural do sistema mineiro na África do Sul. Contudo, também é uma resposta a outra coisa, que não podemos ignorar.

Os proprietários das minas enriquecidos com a experiência do programa BEE [Empoderamento Económico Negro] vêem a oportunidade para cavar um fosso entre líderes sindicais "razoáveis" e os trabalhadores. Eles seduzem os sindicatos para relacionamentos muito próximos, separando-os da base dos trabalhadores. A raiva presente nas minas é uma raiva profunda contra os gestores que está a ser progressivamente dirigida para a submissão e o fracasso da sua liderança sindical em defender e representar os interesses dos trabalhadores.

Este afastamento entre os sindicalizados e os líderes sindicais é um elemento que está por detrás do que aconteceu na Lonmin e do que está a acontecer noutras minas de platina.

Apesar disso, o massacre de mais de 35 mineiros continua a ser o resultado da violência do estado, em particular da polícia. No mínimo, o ministro [da Polícia] Mthethwa deve assumir a responsabilidade e demitir-se. 


Publicado na página da revista Amandla. Traduzido por Luís Branco.

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