Pelas 5h30 da manhã, Adelina Fortes e Fernanda dos Santos estão na paragem de autocarro da Rua Teófilo Braga, à frente da Tertúlia dos Sabores, na Damaia, para apanhar o primeiro autocarro que as leva ao trabalho. Só que esta terça-feira estão com elas Mariana Mortágua, Andreia Galvão e Ackssana Silva e Anabela Rodrigues. As três primeiras são candidatas do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral de Lisboa nas eleições legislativas, a última é candidata à Câmara Municipal da Amadora nas eleições autárquicas.
Nesta madrugada ainda sem luz, a comitiva do Bloco de Esquerda juntou-se às duas trabalhadoras domésticas, e a tantas outras que naquela paragem se encontram, para fazer uma parte daquele trajeto com elas. Quando o autocarro 711 ali para, rapidamente enche e segue viagem. Dali, as trabalhadoras vão até às Portas de Benfica, onde terão de de apanhar o segundo autocarro para o trabalho.
Pela viagem, vão conversando com a coordenadora do Bloco de Esquerda. “É um Portugal invisível, que ninguém vê porque se levanta antes de toda a gente”, diz Mariana Mortágua. Adelina explica que acorda às 4h30 da manhã, e que prefere trabalhar cedo porque este horário, que inclui vários trabalhos diferentes ao longo do dia, a beneficia mais na reforma. “Faz falta um salário melhor e acordar mais tarde”, brinca.
Lutas
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Nesta terça-feira, saiu de casa às 5h para entrar no trabalho às 6h no Palácio da Ajuda. Às 10h sai para ir “a casa da patroa” fazer trabalho doméstico, mas só chega por volta do meio-dia devido à falta de transportes. Daí, segue ainda para outra casa, e há dias em que chega a sua própria casa já pelas 22h.
“Estas mulheres começam a trabalhar cedo e limpam os escritórios e os serviços públicos onde depois as pessoas vão trabalhar. Há milhares de pessoas que se levantam todos os dias as estas horas para ir apanhar os transportes, são as pessoas que trabalham por turnos ou que fazem trabalho doméstico, e que têm as vidas mais difíceis, com mais horas e salários mais baixos”, salienta Mariana Mortágua.
A dirigente bloquista lembra que são sempre mulheres que fazem estes trabalhos e que quase sempre são imigrantes. O trabalho que o Bloco de Esquerda tem feito, tanto no parlamento como na sociedade civil, “tem vindo a procurar que a lei reconheça o trabalho doméstico e garanta direitos a estas mulheres: contratos de trabalho, salários mais altos, descontos para a Segurança Social, baixas quando precisam”, diz a coordenadora do partido.
“Num país que gosta de falar tanto em meritocracia, ninguém me convence que uma mulher que se levanta às 4h da manhã e apanha três autocarros para limpar três casas ou instituições e chega a casa às 21h para cuidar dos seus filhos não tem mérito. Esta será certamente a mulher com mais mérito da economia portuguesa e nem por isso deixa de ganhar o salário mínimo nacional”, afirma Mariana Mortágua.

Chegadas às Portas de Benfica, as trabalhadoras apanham o autocarro 758, para ir até à Igreja de Benfica. No autocarro, Adelina explica que só à noite consegue estar com a família. “Quando chego a casa já estão a dormir”, lamenta. Fernanda tem três filhos e também explica o impacto que tem na família. “Eles já são crescidos, mas tenho pouco tempo para eles. Não consigo estar presente na vida deles como outras mães estão”, diz.
A trabalhadora do serviço doméstico desconta para a reforma, mas essa é outra área onde fica difícil equilibrar os rendimentos. “Não desconto grande coisa, se ficar de baixa não recebo quase nada. É muito difícil para as trabalhadoras domésticas”.
Trabalho
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“As empregadas domésticas são a base do mundo, porque sem limpeza não há jornalistas, Assembleia da República, primeiro-ministro. Se fizermos uma greve de uma semana, as pessoas não entram nos escritórios”, conclui.
No autocarro 758, Mariana Mortágua aproveita para falar com outras trabalhadoras que estão a fazer aquele trajeto. Por volta daquela hora, muitas delas são trabalhadoras na área das limpezas, como Fernanda e Adelina. Todas elas mulheres, muitas imigrantes. “Eu trabalho em todo o lado”, diz uma das mulheres que vai sentada. “Este autocarro é o único que podemos apanhar”, lamenta outra. Quando o autocarro chega à estação da Igreja de Benfica, ainda nem são 6h da manhã. Adelina e Fernanda separam-se. Uma vai apanhar o terceiro autocarro para a Ajuda, a outra para Campo de Ourique.
A comitiva do Bloco de Esquerda faz companhia a Adelina na paragem, onde outras mulheres esperam também o mesmo autocarro. “Gosto muito de a ouvir debater”, diz uma delas a Mariana, que agradece com um sorriso. Chega o autocarro 729 e Adelina parte para o primeiro trabalho. Os cafés, escritórios e serviços da Estrada de Benfica ainda estão fechados. Não há mesmo ninguém na rua para testemunhar o esforço e o mérito das mulheres que pertencem ao Portugal invisível.