Manuel Pinho assume “habilidade” para esconder património

30 de março 2022 - 14:37

Em textos apreendidos pelo Ministério Público, o ex-ministro conta a sua versão acerca da avença que recebia do saco azul do BES enquanto estava no Governo.

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No mês passado, o Ministério Público fez buscas na Quinta do Assento, onde o ex-ministro Manuel Pinho se encontra em prisão domiciliária. E entre as apreensões estão textos escritos por Pinho com inúmeras explicações para responder às previsíveis acusações de que será alvo, nomeadamente o facto de ter recebido uma avença mensal de 15 mil euros do Banco Espírito Santo durante todo o período em que integrou o executivo de José Sócrates.

Segundo o Observador, num desses textos o ex-ministro confessa ter criado uma offshore para esconder rendimentos e ocultar património quando em 2005 foi chamado a integrar o Governo. “Assumo que usei de uma ‘habilidade’ para não revelar totalmente o meu património quando entrei para o Governo. Não o devia ter feito, mas a contrapartida teria sido continuar a gozar de um lugar tremendamente bem pago e em que fazia pouco, usufruir de férias de luxo e viajar em classe negócios”, terá escrito Manuel Pinho, referindo-se aos cargos que ocupava em conselhos de administração de empresas ligadas ao universo dos Espírito Santo.

Quanto às transferências mensais do “saco azul” do BES que iam parar à conta dessa offshore - a Tartaruga Foundation - desde que foi criada e até 2014, Pinho diz que não sabia de nada porque nem recebia extratos bancários dessa conta no Espirito Santo Banque Privée na Suíça. “Quem tem de dar explicações é quem mandou fazer transferências para a nossa conta sem avisar”, escreve Manuel Pinho, adiantando que por duas vezes pediu a Ricardo Salgado para parar com as transferências e por duas vezes o banqueiro lhe disse ter resolvido a situação. Pinho afirma que só em 2014 pediu um apanhado dos extratos da conta, mas nem assim deu por esses pagamentos regulares. “Só agora estamos a perceber que a realidade é diferente” e “ficámos admiradíssimos”, prossegue Pinho, queixando-se de que “terão sido feitos pagamentos à socapa na minha conta”.

Num dos textos, Pinho avança com possíveis explicações para a continuação do fluxo de dinheiro do BES com destino à sua conta: ou Ricardo Salgado se esqueceu de as cancelar, tendo-lhe mentido por duas vezes; ou por alguma razão decidiu premiá-lo, pagando em prestações; ou os pagamentos eram destinados à sua mulher, também ela quadro do BES; ou o banqueiro fez de propósito para garantir o seu silêncio “sobre as grandes fragilidades do BES”; ou alguém o fez por ele para “tramá-lo”; ou Salgado fê-lo por “perversidade”. Em todos os cenários Pinho faz questão de sublinhar que o banqueiro nunca lhe pediu nenhum favor.

Manuel Pinho foi detido em dezembro por suspeita dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais no caso EDP. Os procuradores suspeitam que o ex-ministro terá comprado um apartamento em Nova Iorque no valor de cerca de um milhão de euros - aquisição feita em nome da empresa offshore - com o dinheiro proveniente da avença mensal do grupo Espírito Santo. Quando saiu do Governo, onde foi contestado por oferecer rendas excessivas à empresa de eletricidade, Pinho foi dar aulas para a Universidade de Columbia, com a filial norte-americana da EDP a patrocinar o curso em causa. No inquérito às rendas da EDP, o Ministério Público suspeita que António Mexia - outro ex-quadro do BES - corrompeu Manuel Pinho e outros elementos da sua equipa governamental.