Mais dividendos para privados, menos investimento: o balanço das privatizações

01 de novembro 2022 - 10:07

Uma década depois da privatização da EDP, REN, CTT e ANA, vale a pena perceber quem ganhou e quem perdeu com a alienação destas empresas em setores estratégicos para a economia nacional.

PARTILHAR

Há cerca de dez anos, Portugal levou a cabo um programa extenso de privatizações. Na altura, a alienação de empresas públicas em favor de grupos privados foi justificada pela necessidade de assegurar receita para o Estado e pela ideia de que a gestão privada seria mais eficiente, dado o interesse próprio dos investidores em garantir a saúde financeira das empresas.

Uma década depois, vale a pena tentar perceber o que é feito dessas empresas. A revista Exame analisou a evolução de quatro empresas privatizadas: EDP, REN, CTT e ANA. Todas têm em comum o facto de serem grandes empresas em setores estratégicos para a economia nacional: produção e distribuição de energia (EDP e REN), correios e serviços de entrega (CTT) e gestão aeroportuária (ANA).

EDP

A EDP foi vendida pelo Estado português à empresa chinesa China Three Gorges (CTG) no final de 2011, no âmbito do programa de privatizações acordado entre o governo PSD-CDS e a Troika. Era uma das operações mais cobiçadas pelos privados, pelo poder de mercado da empresa e pelo peso que tem na economia do país.

A participação do Estado foi vendida por cerca de 2,69 mil milhões de euros. O investimento foi avultado, mas compensou: só nestes primeiros dez anos, os 21,35% da EDP adquiridos pela empresa chinesa valeram-lhe 1,61 mil milhões de euros em dividendos, isto é, qualquer coisa como 60% do valor investido. A participação da gigante asiática tem agora um valor de mercado de quase 4 mil milhões de euros, mais do dobro do que foi pago pelo grupo em 2011. 

A capitalização bolsista da EDP passou de €8,74 mil milhões (em 2011) para mais de €20 mil milhões em agosto deste ano. No entanto, os últimos dez anos têm sido marcados pelo desinvestimento e pelo corte de funcionários em Portugal: a capacidade instalada da empresa caiu 25% e o número de trabalhadores reduziu-se em 20%. 

REN

A privatização da REN foi feita em duas fases. Em 2012, o Estado vendeu 40% do capital da empresa por 592 milhões de euros. Os compradores foram a chinesa State Grid e a Omon Oil. Mais tarde, em 2014, o processo foi concluído com a venda de mais 11% da empresa por 157 milhões de euros. Estas participações deram aos privados dividendos de 430 milhões de euros.

A capitalização bolsista da empresa passou de 1,13 milhões de euros em 2011 para 1,84 milhões de euros em agosto deste ano. Em 2021, o investimento da empresa em Portugal foi inferior em quase 100 milhões de euros face ao último ano em que o Estado detinha a maioria do capital, tendo o endividamento da empresa aumentado neste período.

CTT

Entre o final de 2013 e setembro de 2014, o Estado vendeu os 100% do capital da empresa por um valor agregado de 909 milhões de euros. Os compradores incluíam grandes bancos, como a Goldman Sachs ou o Deutsche Bank, fundos de investimento como a Standard Life ou a Allianz Global Investors, ou grupos como o de Manuel Champalimaud.

A privatização dos CTT foi um autêntico jackpot para os privados: a distribuição de dividendos foi de 375,8 milhões de euros, cerca de 90% dos lucros obtidos neste período. Por mais do que uma vez, a empresa pagou dividendos superiores aos lucros obtidos, numa estratégia de descapitalização e desinvestimento para remunerar os acionistas. Desde que a empresa foi vendida, o valor de mercado caiu 44%, somaram-se despedimentos e fecho de lojas (afetando sobretudo o interior do país) e a qualidade do serviço piorou, havendo penalizações por parte do regulador.

ANA

No final de 2012, a Vinci adquiriu a ANA ao Estado português por um valor a rondar os 2,4 mil milhões de euros: 1,2 mil milhões para ficar com 95% do capital da empresa e 1,2 mil milhões pela comissão da concessão de 50 anos. 

Os lucros acumulados da empresa desde então ascendem a 1,12 mil milhões de euros, quase metade do valor pago. As receitas aumentaram consideravelmente até 2019, antes da pandemia, mas o reinvestimento tem oscilado. O acordo de privatização previa um aumento do número de trabalhadores, mas, com a pandemia, houve um corte substancial.

Nestes processos, o Estado perdeu soberania em setores estratégicos da economia nacional, como a energia, os transportes ou as comunicações. Ao mesmo tempo, o valor arrecadado foi manifestamente baixo: apesar de o Governo PSD-CDS e a Troika terem definido esta estratégia com vista a reduzir o endividamento, o dinheiro arrecadado pelo Estado foi de apenas 3,3% do valor da dívida pública em 2012.