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Lóbi dos pesticidas usa guerra na Ucrânia para sabotar Green Deal europeu

O Corporate Europe Observatory denuncia a ação do agronegócio e dos seus aliados do Partido Popular Europeu para que a Comissão Europeia deixe cair a proposta de redução do uso de pesticidas tóxicos.

“Hoje, precisamente no dia em que o Corporate Europe Observatory (CEO) expôs a imensa e bem financiada campanha de lobby contra a política emblemática da UE a estratégia “Farm to Fork” (F2F, um dos pilares do Acordo Verde da UE), o Comissário para a Agricultura, Janusz Wojciechowski, insinuou na Comissão de Agricultura do Parlamento Europeu que pretende retirar da agenda política as ambições sustentáveis do F2F", afirmou esta sexta-feira Nina Holland, investigadora do CEO.

Este recuo da Comissão Europeia, que deveria anunciar na próxima semana a revisão da Directiva sobre o Uso Sustentável de Pesticidas, introduzindo pela primeira vez uma proposta para reduzir os pesticidas tóxicos, leva o Observatório a concluir que “a guerra da Ucrânia está agora a ser abusivamente utilizada como desculpa para o agronegócio e os aliados políticos do PPE usam-na para retirar a proposta de cima da mesa”.

“Desde o anúncio da Estratégia “Farm to Fork” e da biodiversidade há dois anos, o grupo de lóbi da indústria dos pesticidas CropLife Europe e os seus aliados encenaram uma feroz campanha de lóbi contra os alvos do “Farm to Fork”. A guerra da Ucrânia que está agora a ser instrumentalizada é a cereja no seu bolo”, prossegue a investigadora, contrapondo que “a guerra mostra precisamente a urgência de tornar a produção alimentar menos dependente de combustíveis fósseis, pesticidas e fertilizantes.”

“Isto não é apenas um abuso vergonhoso de uma guerra terrível na Ucrânia, é também um golpe para a saúde humana - o PPE lançou um plano de combate ao cancro, mas aparentemente esqueceu-se que muitos pesticidas causam cancro -, é também um golpe para a sobrevivência dos ecossistemas. Precisamente 60 anos depois do livro de Rachel Carsons ‘Primavera Silenciosa’, os acontecimentos parecem estar a repetir-se”, conclui Nina Holland.

Relatório mostra táticas de lóbi da indústria dos pesticidas

O Observatório tinha publicado esta semana um relatório sobre as táticas de lóbi da indústria dos pesticidas contra o Farm to Fork e a estratégia de Biodiversidade, dois pilares do Green Deal europeu. O relatório dá exemplos de como a Croplife Europe, que integra multinacionais como a Bayer, BASF, Syngenta e Corteva, faz campanha junto de decisores políticos para sabotar os objetivos anunciados, através da “compra de ‘estudos’ convenientes para assustar políticos” com cenários de impactos económicos desastrosos da redução do uso dos pesticidas tóxicos que produzem.

Por outro lado, este lóbi também usa a sua força para exercer pressão internacional sobre a UE, por exemplo através da mobilização de governos de países terceiros “para pressionar a UE sobre normas de pesticidas (como os resíduos de pesticidas nas importações de alimentos) e assegurar que os esforços da chamada “diplomacia verde” da UE permaneçam em fóruns multilaterais (envolvendo os EUA) e não sejam impostos a nível bilateral”.

Outra das táticas adotadas por esta indústria em que apenas quatro empresas representam mais de dois terços da produção mundial é a de apresentar-se como parte da solução para combater a poluição tóxica. Isso passa por “propor falsas e/ou outras ‘soluções’ voluntárias, tais como novas tecnologias digitais e novas técnicas de OGMs que ainda estão por regulamentar, o que se enquadra no seu novo modelo de negócio”.

“Já esperávamos que a indústria defendesse os seus interesses comerciais, mas não que utilizasse táticas desonestas, como alarmar os políticos europeus com investigação financiada pela indústria ou pela criação de pressão internacional ao participar numa aliança de países e indústrias liderada pelo governo dos EUA que ataca o Green Deal da UE", afirma Nina Holland, considerando que usar a guerra da Ucrânia e a consequente crise alimentar para desmantelar o Green Deal europeu “é intelectualmente desonesto e engana politicamente as pessoas”.

“A indústria agroquímica e os seus aliados políticos europeus utilizam agora a guerra da Ucrânia como um apelo para intensificar as mesmas políticas que nos conduziram à beira do colapso dos ecossistemas, ao declínio maciço do número de agricultores europeus e a uma concentração crescente do poder económico com um punhado de conglomerados, e isto em nome do aumento da produção. É mais que tempo de os decisores políticos europeus, especialmente os da comissão agrícola do Parlamento Europeu, mudarem de velocidade e deixarem de defender os interesses empresariais e o que devem fazer: proteger o interesse geral”, conclui a investigadora do CEO.

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