A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foi esta quarta-feira ao Parlamento Europeu apresentar a sua proposta para o Fundo de Recuperação, o pacote destinado a financiar o relançamento da economia europeia após contido o avanço da pandemia. O pacote, a que a Comissão chamou “Próxima Geração UE”, foi apresentado no contexto da proposta para o novo orçamento comunitário.
De acordo com a proposta, o Fundo terá um montante total de 750 mil milhões de euros, que será financiado no curto prazo por emissão de dívida por parte da Comissão. Convém notar que este valor não chega aos “doze zeros” que Mário Centeno, presidente do Eurogrupo, garantira serem necessários para fazer face à crise que a UE atravessa.
A distribuição deste fundo será feita da seguinte forma: 500 mil milhões em subvenções aos Estados-Membros (o chamado “financiamento a fundo perdido”) e 250 mil milhões em empréstimos. A proposta soma, assim, uma componente assente em empréstimos ao que a Alemanha e França tinham apresentado há poucos dias. Na sua intervenção no plenário, Von der Leyen disse que a UE enfrenta “o seu momento decisivo” e garantiu que os danos da pandemia “não podem ser resolvidos por nenhum país sozinho”.
A distribuição dos fundos deverá ser feita de acordo com o impacto da pandemia, favorecendo os países mais afetados. Deste pacote, Portugal poderá receber um total de 26,361 mil milhões de euros, entre subvenções (cerca de 15,526 mil milhões) e empréstimos (10,835 mil milhões).
Para financiar a emissão de dívida, a Comissão propõe que a UE aumente os recursos próprios que amortizem os fundos entre 2028 e 2058. Nesse sentido, apresenta algumas ideias para novas fontes de receita comunitária, como a criação de impostos que incidam nas grandes empresas, nas multinacionais digitais, no carbono ou no plástico. Nas palavras da presidente da Comissão, “precisamos de acelerar para um futuro verde, digital e resiliente”.
Além disso, a Comissão avançou também uma proposta para o próximo orçamento comunitário, para os anos de 2021-2027, no valor de 1,1 biliões de euros. O primeiro-ministro português, António Costa, reagiu com entusiasmo à proposta da Comissão, considerando que a UE está a responder “à altura do desafio”.
Reações mais cautelosas tiveram os primeiros-ministros espanhol e italiano. Após o anúncio da Comissão Europeia ambos reagiram nas suas contas de Twitter. Pedro Sánchez diz que o novo instrumento de recuperação colhe muitas das propostas feitas por Espanha, mas considera-o como uma “base de negociação”. Giuseppe Conte também elogia o plano, mas espera agora que se “acelere a negociação” para uma rápida libertação dos recursos.
José Gusmão: condicionalidade é forma de impor "reformas do costume
No entanto, o diabo parece estar nos detalhes, nomeadamente nas contrapartidas exigidas aos países para acederem aos fundos. A proposta prevê que o “Próxima Geração UE” tenha condicionalidade associada, fazendo depender o financiamento de um compromisso dos Estados-Membros com planos de reformas estruturais no contexto do Semestre Europeu, o mecanismo de avaliação macroeconómica da UE.
O problema é que a condicionalidade continua a ser vista com desconfiança nos países do Sul, nos quais a memória da austeridade imposta na última crise continua viva. Foi isso que foi salientado pelos eurodeputados bloquistas. Em reação à proposta, José Gusmão notou que a condicionalidade acaba por funcionar como uma forma de impor “as reformas do costume”, apesar do discurso sobre as novas prioridades sociais e climáticas.
Primeiras notas sobre o Fundo de Recuperação:
1. O valor relevante são os 500 mil milhões de euros, o que corresponde a um terço da proposta espanhola (que se baseava nas estimativas das instituições internacionais), e metade do que a Alemanha aprovou para si própria.
— José Gusmão (@joseggusmao) May 27, 2020
O anúncio surge numa altura em que a recessão económica começa a materializar-se e as previsões são tudo menos animadoras. A presidente do BCE, Christine Lagarde, estimou recentemente que, só na zona euro, a economia pode sofrer uma contração de 8% a 12% do PIB neste ano, superando a quebra registada na última crise.