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Itália a caminho da crise social

As medidas para parar a produção não essencial foram tardias. A pedido dos patrões, muitas empresas continuaram a laborar sem que os trabalhadores tenham equipamento de proteção. Para os despedidos e informais, há fome. Por Franco Turigliatto.
Almoço solidário da Comunidade de Santo Egídio, Roma, Abril de 2020. Foto de Fabio Frustaci/EPA/LUSA.
Almoço solidário da Comunidade de Santo Egídio, Roma, Abril de 2020. Foto de Fabio Frustaci/EPA/LUSA.

A crise sanitária italiana, depois de três semanas de confinamento, assume aspectos ainda mais dramáticos e, até agora, não há sinais convincentes da limitação da epidemia: até hoje (29 de Março) infetou 80.000 pessoas e faleceram mais de 10.000 pessoas.

Pelo menos, estes são os números oficiais. Por todo o lado, incluindo em comunidades científicas internacionais, como a Nextstrain, são divulgados números muito mais altos. Em qualquer caso, é todo o sistema nacional de saúde que não pode garantir um cuidado adequado para todas os doentes e, ainda menos, para manter ativos os restantes serviços: um milhão de intervenções “normais” foram reportadas.

Problema de fome”

Não só é evidente que uma série de medidas, como parar a produção não necessária, foram tomadas tarde, como também atualmente muitas empresas não essenciais continuam a produzir, pondo em perigo de vida de trabalhadoras e trabalhadores, para além de promover a propagação da epidemia.

Só na Lombardia 12.300 empresas, que deveriam estar encerradas, pediram ao representante do governo regional (situação esta que se encontra prevista no decreto, relativamente à aplicação das medidas) que possam continuar a produção; isto é possível, a menos que o representante do governo regional emita ordem de encerramento.

A situação do pessoal de saúde, obrigado a enfrentar o desastre sem equipamento apropriado ou sem equipamento de proteção individual (EPI), continua a ser dramática e paga um preço alto: mais de 6.000 infetados e dezenas de mortos.

Mas outros trabalhadores, que trabalham em serviços essenciais, também vivem numa situação difícil: as/os que trabalham em supermercados, por exemplo, e também aqueles que não têm um EPI adequado e em locais que não encerram e por isso não permitem a desinfeção do local de trabalho.

Se as/os trabalhadores/ras das empresas que fecharam sofrem um forte corte nos salários, pois só podem beneficiar de subsídios de desemprego, a condição daqueles que trabalham ou trabalharam na economia informal e que agora estão privados de qualquer remuneração é totalmente desastrosa. No sul, onde 13% da população vive em famílias sem pessoas assalariadas, estamos a falar de 4 milhões de pessoas que estão em risco de fome neste momento. Isto é comprovado pelo aumento exponencial de pedidos de ajuda junto dos bancos alimentares. Sem mencionar as centenas de milhar de migrantes, essenciais para o trabalho com o gado, para a apanha das frutas e dos legumes da época, amontoados em bairros de lata, que ganham uns poucos euros por dia, por 12 a 14 horas de trabalho, e para os quais pedimos, em vão até agora, a sua regularização.

O Governo está a implementar uma série de medidas para abordar o “problema da fome”; somos informados de um apoio de emergência para 10 milhões de pessoas, mas, até agora, as medidas em preparação são irrisórias e referem-se principalmente ao destacamento da polícia e do exército, para evitar revoltas.

Europa: quem pagará?

Depois, existem as e os de acima. Há a guerra da Confindustria e do patronato, para fazer com que os trabalhadores paguem toda a crise e há a guerra entre os diferentes capitalismos dentro da UE, uma guerra que, pela sua representação política, desencadeou conflitos verbais até agora impensáveis.

A Itália propõe uma ação conjunta de todos os países da UE: sustenta que a crise não é de natureza nacional, mas provém de um elemento exógeno, a epidemia, que exige uma resposta unificada, deixando de lado os velhos instrumentos financeiros inutilizáveis e definindo os novos. Propõe uma emissão de títulos ("Corona bonds" europeus), isto é, uma mutualização desta nova dívida que todos os estados deveriam assumir.

Os Países Baixos e a Alemanha rejeitam firmemente esta proposta, considerando, pelo contrário, o uso da ferramenta que constitui o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), ou seja, o fornecimento dos famosos créditos financeiros a países em dificuldades, sujeito à aceitação dos não menos famosos memorandos de sangue e lágrimas (ver Grécia).

O que é óbvia é a forma como cada um destes bandidos pensa tirar proveito dos infortúnios dos outros. Por outro lado, até a solução proposta pelo governo italiano permanece dentro da lógica financeira da dívida do sistema capitalista, e isso é tão certo que um líder do Partido Democrata propôs dar como garantia àqueles que subscrevam as novas obrigações – os capitalistas, claro – o Palácio do Parlamento e o do Governo (e por que não Pompeia ou Veneza)!

Pelo contrário, continuamos a repetir que para enfrentar a emergência é necessário um financiamento monetário excecional para políticas fiscais deficitárias, independentemente das condições impostas pelos mercados financeiros e pelas instituições monetárias e bancárias, e que é necessário alcançar todos os recursos necessários por meio de um imposto sobre o património e um novo sistema tributário que faça pagar aqueles que nunca pagaram e que ainda hoje querem fazer com que as classes trabalhadoras sofram o peso da crise.


Franco Turigliatto é dirigente da Sinistra Anticapitalista. Foi dirigente do Partido da Refundação Comunista e Senador por esta formação política da qual foi expulso por se ter oposto à política do governo Prodi de apoio à guerra dos EUA no Afeganistão.

Tradução de Gonçalo Russo para o esquerda.net.

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