Infraestrutura precária, ganância e colonialismo interno alimentam especulação na COP 30

10 de agosto 2025 - 14:37

Com a aproximação da próxima cimeira da ONU, a primeira polémica não está a ser ambiental mas diz respeito aos preços exorbitantes cobrados pelos hotéis e alojamentos locais. Muitas delegações reduzir delegações ou não participação. Como chegámos aqui?

por

Bruno Soeiro Vieira

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Cidade de Belém no Pará vista de um drone.
Cidade de Belém no Pará vista de um drone. Foto de Rafael Medelima/ Cop30 Brasil Amazônia.

Nos últimos dias, a COP 30, prevista para ser realizada em novembro em Belém, no Pará, esteve envolta numa polémica que nada tem a ver com a resolução dos problemas ambientais do planeta. O que se tornou o centro das atenções nos debates sobre a conferência é o que a imprensa nacional denominou de “crise de hospedagem”.

O Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e presidente da COP 30, André Corrêa do Lago, afirmou que países têm pressionado o Brasil a transferir a conferência climática da ONU de Belém para outra cidade, em razão dos “valores exorbitantes” cobrados pelos hotéis da capital paraense. Alguns governos chegaram a cogitar não participar da conferência ou reduzir as suas delegações.

Como chegámos a isto? Uma baixíssima quantidade de leitos, a ação extremamente gananciosa da rede hoteleira e um preconceito histórico levaram à tempestade perfeita da atual crise.

Um problema histórico

No final do século XVII, Belém tinha três vezes mais habitantes que São Paulo. A capital paraense foi, ainda, uma das primeiras cidades do país a ter energia pública, alimentada a gás. Isso, porque, naquele momento, a cidade vivia o primeiro ciclo da extração da borracha, uma atividade económica que atraía muitos recursos e pessoas para a região. Vivíamos o que chamamos de Belle Époque.

Mas, com o declínio da borracha, Belém e outras cidades da Amazónia perderam protagonismo e hoje a capital do Pará é uma cidade do sul global – como outras cidades do mundo (e aqui podemos citar, inclusive, Baku, no Azerbaijão, que sediou a COP 29) –, que também enfrenta uma série de problemas de infraestrutura.

Além da evidente deficiência de infraestrutura urbana, que gera e aprofunda a injustiça socioespacial, outros problemas podem ser percebidos, como o tamanho da rede hoteleira, que é muito pequena para comportar uma procura de mais de 50 mil camas, que é o que se espera para a COP. E é aqui que começa a operar, de forma irrealista, a famosa lei da oferta e da procura.

Lei de mercado

O problema foi crescendo em cascata, mas tudo começou com a rede hoteleira. Desde o início do ano, os hotéis começaram a aumentar os preços dos alojamentos e a projetar valores ainda maiores para o período do evento.

E o que aconteceu? As pessoas interessadas em participar na COP acabaram por buscar outras alternativas, como as plataformas como Booking e Airbnb. Quando a população viu que havia uma grande procura, os alojamentos individuais também acabaram por sofrer uma escalada vertiginosa de preços, muitas vezes por causa de escritórios jurídicos e corretores imobiliários que prometiam conseguir valores astronómicos pela estadia.

É natural que, com uma maior procura, os preços subam, mas não de forma exorbitante. O que se observa agora é esse exagero da lei de mercado.

O problema torna-se ainda mais complexo quando se percebe que até hotéis que beneficiaram de recursos públicos se recusam a praticar preços razoáveis. É o caso, por exemplo, do hotel que está a ser construído pela Rede Tivoli, num prédio que pertencia à Receita Federal do Brasil e estava fechado desde 2012 por causa de um incêndio.

O prédio foi cedido pelo governo do Pará à iniciativa privada por um período de 30 anos e deve contar com mais de 250 apartamentos para a COP. A rede de hotéis ainda recebeu financiamento estatal para renovação do prédio. Apesar da cessão do imóvel e do financiamento com recursos públicos, o valor médio da diária cobrada pelo novo hotel é de R$ 15 mil durante o evento. A suíte presidencial custará R$ 206 mil. Um absurdo!

Não há dúvidas de que o problema dos preços do alojamento para a COP é real, assim como os problemas de infraestrutura da cidade que têm vindo a ser relatados na imprensa.

Mas o que nos incomoda – e aqui falo como amazônida – é o discurso de setores da imprensa e da parte da sociedade brasileira, que acaba por desmerecer a cidade e toda a região amazónica, revelando um colonialismo interno que sempre existiu no país. Por trás das críticas aos preços dos hotéis, muitas vezes se esconde um forte e histórico preconceito que assume que uma cidade amazónica nunca poderia receber um evento desse porte e importância.

No entanto, é muito importante e simbólico que seja no ambiente amazónico que esteja instalado o palco no qual serão travados os debates sobre os temas inseridos no Acordo de Paris, como as mudanças climáticas, NDCs, metas de longo prazo e, sobretudo, a questão do financiamento climático para contribuir com a mitigação e adaptação climática.

Soluções possíveis

A legislação urbanística possui instrumentos para controlar a especulação imobiliária, como o IPTU progressivo, o parcelamento e a edificação compulsória ou desapropriação-sanção dos imóveis que não cumprem com a função social. Infelizmente, Belém é um “case” de sucesso quando se fala de inaplicabilidade de instrumentos de planeamento urbano.

Pode-se argumentar que há uma inércia histórica, ou até mesmo uma omissão, do Poder Executivo, sobretudo do governo municipal e do Legislativo, mas também do Ministério Público, por não terem atuado e cobrado devidamente que esses instrumentos fossem aplicados. Agora, eles não são mais viáveis, porque os seus efeitos se dão a médio e a longo prazo.

A curto prazo, seria necessária uma regulação dos preços, que o Estado brasileiro não pode fazer por falta de autorização legal para isso. A Secretaria do Consumidor, ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, chegou a solicitar que os hotéis prestassem informações sobre os valores das diárias, mas eles simplesmente ignoraram o requerimento, com a alegação, endossada pela Associação Brasileira de Hotéis, de que se trata de uma questão de mercado.

O que pode – e deve – ser feito são ações pontuais. Acredito que a mais importante delas seja uma campanha de comunicação potente que tente convencer as famílias e os proprietários de hotéis, motéis, pousadas e dos albergues a praticarem preços razoáveis. Não é uma tarefa fácil, mas acredito que essa estratégia de comunicação possa ser eficaz.

O governo federal tem se esforçado, e trará para a cidade dois transatlânticos que oferecerão à volta de 6 mil camas. O governo também criou uma plataforma de hospedagem, que é uma alternativa com 2.500 quartos disponibilizados.

Outras ações também são possíveis. A ONU poderia, por exemplo, oferecer um subsídio maior aos países e delegações do sul global, países em desenvolvimento, visando garantir um maior número de participantes.

A hospedagem em cidades vizinhas é outra alternativa. Temos cidades da região metropolitana que também oferecerão alojamento, e também cidades turísticas na beira do oceano, como Salinópolis, onde há vários resorts e condomínios confortáveis.

Decisões inadiáveis

Não há tempo hábil para a mudança de sede da COP, ela será em Belém. O que há o risco de que o evento seja esvaziado. E a presença do maior número de países e delegações na conferência das partes é fundamental para legitimar as decisões que venham a ser tomadas.

Essas decisões precisam, de facto, enfrentar o problema da emergência climática planetária que vivemos. Não podemos ter mais uma COP onde as decisões sejam inócuas. Precisamos de conferências cujas decisões sejam fortes, vigorosas e aplicadas, garantindo a transferência de recursos dos países desenvolvidos para os países do Sul global, numa compensação ambiental pela maior poluição causada pelos países do Norte e pelo serviço ambiental prestado pelos países amazónicos (como a conservação da floresta, por exemplo).

Contudo, não será fácil que a COP 30 chegue a essas decisões. Afinal, assistimos a um crescimento de uma extrema-direita mundial, liderada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que nega o aquecimento global. E neste ambiente de negação àquilo que a ciência já mostrou que é real, é muito provavelmente que os países signatários do Acordo de Paris enfrentem obstáculos à adoção conjunta de medidas que impliquem, de facto, ações concretas que enfrentem a crise climática planetária.

Mas, para que haja pelo menos a possibilidade de discussão dessas questões, é preciso que as delegações venham ao Pará para o evento. E sou otimista quanto a isso. Acredito que – ainda que aos 45 minutos da segunda parte – teremos os alojamentos com um preço menor.

O paraense é hospitaleiro e gosta de receber visitantes, temos uma cultura rica e uma culinária singular. Não é momento para ganância, mas sim para receber as pessoas e mostrar-lhes a nossa cidade, o nosso modo de vida, e o que a Amazónia precisa. Afinal, quem melhor entende de Amazónia somos nós, os amazônidas.


Bruno Soeiro Vieira é professor Adjunto na Universidade Federal do Pará.

Artigo publicado originalmente no The Conversation. Editado pelo Esquerda.net para português de Portugal.

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