Desde o fim de 2014, assistimos a uma queda continuada no preço do petróleo, queda que se acentuou nas primeiras semanas do corrente ano e que levou a sua cotação a menos de 28 dólares por barril. O assunto é de grande relevância, dada a enorme importância que o petróleo assume nas economias dos países que, como o nosso, não dispõem de recursos energéticos próprios (salvo a água, vento e sol, mas esse é outro debate que fica fora do objetivo deste artigo).
O transporte depende quase exclusivamente do petróleo já que cerca de 90% das necessidades de combustível de automóveis, aviões, comboios, navios, etc., são abastecidas com gasolinas, gasóleo e gasóleos e querosenes. Para além disso, o petróleo (e o seu principal derivado, o gás) é usado para produzir energia elétrica, lubrificantes, fertilizantes, pesticidas, plásticos e uma grande diversidade de produtos químicos; por isso é que as variações no preço desta matéria prima, tanto na subida como na queda, são sempre notícia de primeira página.
Neste artigo, irei fazer um percurso histórico pelo preço do petróleo, desde a segunda metade do século XIX, altura em que teve início o seu uso massivo pela incipiente indústria automóvel, até aos nossos dias. Dividirei esta análise em dois períodos: até 1970, e desde esse ano até ao presente.
1. De 1860 a 1970
A imagem mostra a evolução do preço do barril de petróleo para este período:
[caption]Preço do barril de petróleo (1 barril = 159 litros) para o período 1860-1970. Linha verde: preços nominais; Linha laranja: preços ajustados à inflação até 2013. Fonte: Historical crude oil price.[/caption]
A primeira jazida de petróleo propriamente dita foi descoberta em 1859, na Pensilvânia (EUA), descoberta que rapidamente alastrou e deu origem à moderna indústria norteamericana de petróleo. A produção dos primeiros campos de petróleo da Pensilvânia foi rapidamente superada pela procura, o que deu origem a um crescimento espetacular da produção noutros estados, como o Ohio, Texas, Oklahoma e Califórnia. Isso marcou um período fortemente especulativo, durante o qual o preço do petróleo sofreu um verdadeiro carrossel nos anos compreendidos entre 1860 e 1870, tal como aparece na imagem. A febre do petróleo daqueles anos levou à fundação, em 1870, da Standard Oil, empresa de renome, cujo principal acinoista foi John D. Rockfeller. A sua posição dominante no mercado levou o governo dos Estados Unidos a tomar medidas antimonopolistas que culminaram em 1911, com a obrigação de dividir a Standard Oil em 34 empresas.
No período 1870-1880 foram redescobertas as ricas jazidas de Baku, no Cáucaso. Em 1880, o banco Rotschild concedeu um empréstimo ao governo da Rússia para construir uma linha férrea de Baku até ao Mar Negro para facilitar a exportação à Europa. A produção russa chegou a equivaler a um terço da produção dos EUA, o que inundou o mercado com petróleo barato, levando o preço do barril a cair ao nível nominal de 0.8 dólares por barril (20 aos preços atuais) entre 1880 e 1890.
A indústria petrolífera cresceu no século XIX, impulsionada pela procura de querosene para as lâmpadas de iluminação, mas o verdadeiro impulsionador, no início do século XX, foi a indústria do automóvel. Em 1908 chegou ao mercado o célebre Ford T, que propiciou o uso massivo do mesmo (fabricaram-se mais de 15 milhões de unidades deste modelo). Nas vésperas da I Guerra Mundial, havia no mundo mais de um milhão de automóveis; em 1922 já havia 18 milhões e em 1929 esse número ascendia a 32 milhões.
Ao terminar a I Guerra Mundial deu-se uma retoma do preço do barril, motivada pela generalização do automóvel entre as classes médias, o que implicou um forte aumento do consumo de combustível e por conseguinte do seu preço, mas esse aumento durou pouco. Nem mesmo a Grande Depressão dos anos 1930 teve grande incidência no seu preço, ainda que em 1931 ele tenha registado o seu mínimo histórico (0.65 dólares nominais, 9.94 a preços atuais).
Durante os anos 1920 e 1930 sucederam-se as descobertas de grandes jazidas no Iraque, Golfo Pérsico e Arábia Saudita, que asseguravam o abastecimento da crescente procura; essa é uma das razões para que o preço não tenha sofrido alterações relevantes durante estes anos. De facto, no período de tempo vai de 1930 a 1970, o preço de barril oscilou na margem de 1-2 dólares por barril (10-20 a preços atuais), e essa tendência manteve-se, incluindo durante a II Guerra Mundial e nas sucessivas crises do pós-guerra.
Nos anos 1950 e 1960, a indústria petrolífera cresceu continuadamente e esteve dominada por sete grandes companhias ocidentais, conhecidas como “As Sete Irmãs”, que mantiveram o controlo do mercado até aos anos 1980:
[caption]As Sete Irmãs: British Petroleum, Chevron, Esso, Gulf, Mobil, Shell e Texaco. As grandes companhias anglosaxónicas que dominaram o mercado do petróleo no mundo até aos anos 1980.[/caption]
No início de 1960, realizou-se no Cairo o Primeiro Congresso Árabe do Petróleo, em reação às reiteradas reduções unilaterais do preço do petróleo provocadas pelas “Sete Irmãs”. Imediatamente depois, entre 10 e 14 de setembro desse mesmo ano, os representantes dos governos do Iraque, Irão, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela celebraram uma conferência conhecida como Conferência de Bagdade, que deu lugar à criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). A influência deste poderoso cartel seria muito notada nos anos seguintes, como veremos em seguida.
2. De 1970 até hoje: evolução nos últimos 50 anos
A imagem mostra a evolução do preço do barril do petróleo para o período que vai de 1970 até aos nossos dias:
[caption]Evolução do preço do barril de petróleo desde 1970. Preços ajustados à inflação até 2015, com indicação dos acontecimentos que influenciaram essas variações. A imagem abarca o início da queda no final de 2014. Está indicado o preço do barril em janeiro de 2016. Fonte: Crude oil price history 1970-2014.[/caption]
A primeira grande turbulência no preço do petróleo aconteceu no outono de 1973, causada pela guerra de Yom Kipur (o conflito entre Israel com o Egito e a Síria), com a OPEP a decretar o embargo das vendas de petróleo aos estados que apoiaram Israel, principalmente aos EUA. Este embargo prolongou-se por seis meses e ao terminar, em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 a 58). Mas o pior estava para chegar, no início de 1979, com a revolução do Irão primeiro e o início da guerra Irão-Iraque a seguirm provocaram subidas indiscriminadas nos preços, aumentando de 13 para 34 dólares o barril entre 1979 e 1981 (de 50 para 120 dólares a preços atuais).
No início da década de 1980, os países importadores começaram a diversificar as suas compras a produtores que não pertenciam à OPEP, pelo que em 1984 o preço já tinha baixado a valores nominais de 15 a 25 dólares por barril (25-40 atuais). Em 1990, o Iraque invadiu o Kuwait, provocando o embargo da ONU ao Iraque e em 11 de outubro de 1990 o preço marcava um valor nominal de 42 dólares por barril (60 a preços atuais), mas logo em seguida tempo recuperou os preços anteriores.
No início do século XXI, vários acontecimentos fizeram subir lenta mas inexoravelmente o preço do barril: os atentados de 11 de setembro de 2001, a segunda Guerra do Golfo (2003), a eterna crise do Médio Oriente e a enorme bolha financeira que foi inchando desde os últimos anos do século XX. O preço do barril alcançou o valor máximo na primavera de 2008, quando chegou a rondar os 140 dólares por barril. Logo em seguida teve início a Grande Recessão e a queda livre do seu preço até ao nível dos 40 dólares por barril, na primavera de 2009. Após um período de turbulências no mundo árabe (primavera árabe e o seu impacto na Líbia, um dos grandes produtores; sanções ao Irão), o preço estabilizou na margem dos 80-100 dólares por barril, onde se manteve com ligeiras flutuações desde meados de 2012 até finais de 2014.
A partir do outono de 2014, assistimos a uma queda continuada no preço e no início deste ano o preço situou-se na franja 28-32 dólares por barril. Ainda é cedo para sabermos a que se deve uma queda tão brusca; as primeiras análises apontam para três fatores: grande produção da Arábia Saudita para obrigar à queda de preços e assim afetar severamente os produtores dos EUA que usam a técnica do fracking; o levantamento do embargo ao Irão após os acordos do verão de 2015 sobre o seu programa nuclear; e a redução da procura por parte da China. O tempo dirá se há outras causas a acrescentar.
3. Conclusões
Ainda que pareça que vivemos nos últimos meses uma época de baixos preços do petróleo, a sua evolução durante os últimos 50 anos não deve incutir otimismo. A grande volatilidade do preço do petróleo durante o último meio século demonstra que este se move numa autêntica montanha russa, dado o seu carácter estratégico, o que faz que a sua cotação seja extraordinariamente sensível a um grande número de condicionantes que a levam à subida ou à queda em períodos de tempo muito curtos. De facto, estamos perante o paradoxo de uns preços muito baixos num tempo em que o fim do petróleo se aproxima a passos de gigante. E esse fim, como temem muitos especialistas, pode ser muito doloroso.
Reduzir a forte dependência que a nossa economia tem dessa matéria prima (70% a 75% da energia primária que consumimos) deveria ser a prioridade absoluta prioridade para qualquer governo, seja qual for a sua cor política.
Ignacio Mártil é professor catedrático de Eletrónica na Universidad Complutense de Madrid. Publicado no blogue econoNuestra e traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.