Racismo

Hichem, o tunisino gentil assassinado por racismo em França

04 de junho 2025 - 22:21

O caso está a ser investigado como terrorismo. É a primeira vez que um assassinato racista é incluído nesta categoria. Apesar da extrema-direita racista, à qual o criminoso pertencia, ter perpetrado já 12 atentados terroristas desde 2017. O SOS Racisme culpa o “clima envenenado”com a “trivialização da retórica racista”.

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Hichem Miraoui
Hichem Miraoui.

Hichem Miraoui tinha 45 anos. Era cabeleireiro. Tinha nascido em Kairouan, na Tunísia, e vivia tranquilamente na vila francesa de Puget-sur-Argens, do departamento do Var, região da Provença-Alpes-Costa Azul. No jornal local Var Matin, os vizinhos e as colegas de trabalho descrevem unanimemente alguém “muito gentil, muito respeitoso”, “sempre pronto a ajudar, até desconhecidos”. E contam histórias de como ajudou alguém a montar os móveis numa mudança, a carregar compras pesadas ou como tirava o seu pássaro da gaiola para crianças o acariciarem enquanto lhes cuidava do cabelo. Foi assassinado este sábado com cinco tiros no corpo ao pé da sua casa por um racista.

O criminoso assumido, Christophe B., de 53 anos, também é suspeito de, no mesmo ataque, ter esfaqueado um cidadão turco numa mão. Foi detido pouco depois, no seu carro, onde tinha “várias armas, como uma pistola automática, uma espingarda e uma arma de mão”, de acordo com a polícia.

Antes e depois do ataque, este homem publicou vídeos nas suas contas nas redes sociais de teor racista não deixando dúvidas sobre quais as razões do crime. Num deles, afirma “esta noite dizemos pára, pára aos islâmicos”, apelando depois aos “franceses de merda” para “acordarem” e irem “vão apanhá-los onde estão”. Afirma ainda: “agora vou sair e já vou dar-lhes uma lição. Assim que sair de casa, todos os imigrantes ilegais, os bordéis, essas coisas, vou dar-lhes uma lição”. E conclui para que “votem bem da próxima vez”.

É sabido o que quer dizer este “votem bem”. Até porque a sua radicalização à extrema-direita já vinha desde há anos e porque os apelos ao voto na União Nacional, o aliado francês do Chega, eram vários nos seus vídeos e porque republicava com frequência tomadas de posição deste partido e de Marine Le Pen.

A isto se somavam as publicações com claros apelos a crimes de ódio racistas, com apelos para que os franceses atacassem os estrangeiros, especialmente os de origem magrebina. Em março de 2020, por exemplo, escrevia sobre a religião muçulmana que “o único desejo que isto dá é pegar em armas e disparar sobre a multidão”.

O caso está agora a ser investigado como terrorismo, considerando-se que foi “cometido devido à raça ou religião”, que ele queria “perturbar a ordem pública através do terror” e é investigada uma “associação de malfeitores terrorista”. É a primeira vez desde que a Procuradoria Nacional Antiterrorismo foi criada em 2019 que um assassinato com motivação racista é investigado como sendo terrorismo. Outros vinte processos de terrorismo de extrema-direita estão a ser investigados por esta instância, a maior parte projetos de atentados que foram abortados. Desde 2017, foram concretizados 12 atentados terroristas de extrema-direita em França, segundo a Direção-Geral de Segurança Interna.

Na memória coletiva francesa está ainda bem aceso outro assassinato de motivações racistas. Há apenas cinco semanas, Aboubakar Cissé, carpinteiro originário do Mali que foi esfaqueado até à morte em La Grand-Combe, sul de França, enquanto fazia voluntariado numa mesquita. Também nesse caso não havia dúvidas que o móbil do crime era o racismo e o anti-islamismo.

O SOS Racismo francês diz que o racismo voltou a matar no país e que se vive em França um “clima envenenado”com a “trivialização da retórica racista” que é “resultado de um trabalho minucioso levado a cabo pelo campo do racismo e que visa legitimar a expressão do racismo por palavras e atos”.

À France Info, Mourad Battikh, advogado da família de Miraoui, usou os mesmos termos de clima envenenado e trivialização e não tem dúvidas que o assassinato é “consequência direta de uma atmosfera alimentada pela estigmatização”. Salientou ainda que o crime não foi feito por “impulso” mas foi fruto de uma “ideologia” e de uma “premeditação”.

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