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Há um fosso grande entre intenções com que se criou ministério do Interior e realidade
No debate parlamentar desta quinta-feira sobre coesão territorial, Isabel Pires lembrou que “há um fosso grande entre intenções com que se criou ministério do Interior e realidade” e que a ministra “descarta muitas vezes a responsabilidade dizendo que não é competência do seu ministério” e, se é verdade que um ministério destes tem que funcionar em articulação com outros, é verdade também que “articulação não pode significar desresponsabilização”.
A deputada disse ainda na sua intervenção que não vale a pena fazer discursos sobre “levar pessoas para o interior”, porque “isso não se faz apenas com incentivos, não se faz apenas com o querermos muito que aconteça, isso faz-se com matérias, como as que o Bloco de Esquerda tem apresentado à muito tempo, como a reabertura de serviços encerrados, com as infraestruturas que fazem falta e continuam atrasadas, matérias como as tarifas reduzidas [nos transportes] que são mais elevadas no interior, isto só para dar alguns exemplos”.
No desenvolvimento da interpelação, a deputada questionou sobre o pagamento de portagens nas ex-SCUT, e como não está o governo a cumprir o que está inscrito no Orçamento de Estado. Relembramos que foi aprovada a redução de 50%, no entanto os descontos a serem aplicados neste momento são inferiores.
Sobre transportes públicos, nas questões defendeu uma opção estrutural pela ferrovia, garantindo tempos de viagens menores aos existentes entre cidades e com o exterior, alterações como a da linha do norte para garantir melhores ligações a distritos como o de Castelo Branco.
No que trata às ligações dentro e entre concelhos, a “coesão social é posta em causa” e o problema é “ainda maior” pois a “redução tarifária não tem o mesmo impacto” no interior porque não existe, muitas vezes, oferta de transporte que sirva as populações.
Notícia publicada no Interior do Avesso.
Comentários
Desigualdade geográfica começa no litoral
Desigualdade geográfica começa no litoral. Por outras palavras, em Portugal, o "interior" começa assim que se sai da cidade à beira da praia. A realidade que conheço melhor é em Soure, uma pacata vila a 30Km da Fig. da Foz e a 25Km de Coimbra, (des)governada por PS/PCP e PSD/CDS/PPM alternadamente desde as primeiras eleições autárquicas em democracia em 1976.
Cheguei a 2021 sem sequer ter saneamento básico (apesar do autarca o ter prometido em 2017 e o ter colocado numa espécie de orçamento para os 4 anos do mandato...), o Centro de Saúde fecha de noite, a GNR mal dá para se guardar a si própria, da antiga estação de comboios só resta o apeadeiro, ciclo-vias nem vê-as, em muitos sítios a estrada até é alcatroada em ano de eleições (ou colocam remendos em vésperas da festa popular de São Mateus) mas não tem condições: ora faltam marcações, ora faltam valetas, ora falta iluminação, ora não tem mais de 20 cm para estacionar na berma ou passar a pé.
O Estado com que eu tenho contacto é só este: pagamento de impostos, ora locais, ora nacionais. Aqui entra uma razão de queixa contra o BE também: quando aprovaram uma transferência do Orçamento de Estado do país para aliviar os cofres das autarquias mais ricas do país no financiamento dos passes sociais. Foi literalmente tirar aos pobres (gente como eu no interior abandonado que paga mais impostos nos combustíveis e tem taxa máxima de IMI para as autarquias mesmo assim mal terem como pagar as contas) para dar aos ricos (câmaras municipais de áreas de tão alta densidade populacional que até se dão ao luxo de ter a taxa mínima de IMI e mesmo assim ainda sobrar para construírem obeliscos e outras obras igualmente pornográficas).
Quanto ao meu rendimento, o pouco que chega não é de certeza com trabalho local. É online, onde sou "colaborador" à jorna, à espera que a app diga que tenho uma tarefa de minutos para concluir e onde se trabalhar tempo extra para a concluir, recebo zero a troco desse extra. Aqui está outra irritação que tenho para com o BE: o partido com os "direitos laborais" sempre na ponta da língua. Passaram tantos anos a aprovar orçamentos que a mim nada me diziam, mas aos privilegiados funcionários públicos tanto deram e/ou devolveram, que quase deixei de votar em vocês. O voto contra o último orçamento, com a exigência de revisão da lei laboral, foi o que vos salvou. Ainda sou vosso eleitor, mas foi por um triz.
Para finalizar, temos o problema da forma como funciona a lei eleitoral, revista pelo PS e PSD só para seu favorecimento. Quanto mais desertificado fica um distrito ou círculo eleitoral, menos deputados tem para eleger. Tem sido assim com Coimbra, e nem é dos piores. Mas é suficientemente mau para eu sentir que tenho para mim um regime autoritário enquanto os Lisbonenses e Portuenses ficam com a Democracia plena. É que se nos círculos com muitos deputados se pode votar no partido que se quiser, no resto do país não é assim. Em Coimbra um voto num partido com menos de 10% vai para o lixo. E noutros distritos ainda mais no interior (e com menos deputados eleitos) é ainda pior. Chega a haver o caso de um distrito onde o PS com pouco mais de 40% dos votos fica com 100% dos deputados. E para onde vão os outros votos graças a esta lei eleitoral e estes multiplicadores do Método d'Hondt? Vão para o lixo. Depois queixam-se dos valores da abstenção... Mas como se percebe são lágrimas de crocodilo. De crocodilos que só querem saber das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, Braga e Setúbal, e pouco mais. Se calhar está na hora do BE aceitar fazer cedências ao PS na revisão da lei eleitoral, fazendo contra-propostas que resolvam este problema, a começar numa óbvia solução: círculo nacional de compensação.
Não peço muito. E o pouco que peço é só para que não me obriguem a emigrar, que é como quem diz: fugir - daqui para fora. Para um país nórdico, com mais distribuição de riqueza graças a muito mais sindicalismo, mais e melhores serviços públicos e menos off-shores e vistos gold, mais democracia e, passe a redundância, sem moeda única. Talvez a Dinamarca ou a Suécia. Assim, em vez de esperar mais 30 e tal anos da minha vida pelas obras do saneamento básico, de um dia para o outro, e graças a um mero bilhete de avião, passo a ter tudo isso e mais alguma coisa. Serei menos um voto, menos um contribuinte, menos um cidadão em idade de ter filhos a viver neste país que, se pouco ou nada mudar como até aqui, se se mantiver no €uro e na austeridade Neoliberal permanente, é e será cada vez mais um Estado falhado. E o retrato do interior, que como mostrei começa logo à saída da Figueira da Foz, é só a amostra do que espera o país inteiro. Talvez se salvem as duas grandes áreas metropolitanas numa situação distópica de centro gentrificado e periferia em forma de favela, mas isso é tudo menos um país. E não é com obeliscos em Oeiras, ciclovias polémicas em Lisboa, ou passes sociais na metrópole pagos por quem nem saneamento básico tem no interior, que alguma coisa vai mudar. Bem pelo contrário...
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