Houve 465 processos disciplinares por violência doméstica na PSP e GNR em cinco anos. Cerca de cem casos deste tipo ainda correm e só em 1% dos concluídos é que os agentes deixaram de usar a farda.
Os dados são de uma investigação publicada esta segunda-feira no Público. O diário foi à procura das estatísticas sobre a prevalência deste crime nas forças policiais e recebeu como resposta inicial destas duas instituições policiais e da Procuradoria-Geral da República que não existiam dados por profissão, apenas por idade, género e grau de parentesco.
Por seu turno, a Direção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais também apenas contava com informações limitadas, nomeadamente que no final de 2024 havia quatro polícias presos por violência doméstica.
Salienta-se ainda que o Ministério Público tem o dever de comunicar à Inspeção-Geral da Administração Interna quando seja instaurado um processo com arguidos da PSP ou GNR “todavia, nem sempre o procurador titular do inquérito o faz”. O mesmo deverá ser feito à Direção Nacional da PSP e ao Comando-Geral da Guarda “mas também nem sempre o faz – às vezes são os próprios visados a fazê-lo”.
Conclui-se assim que “embora não haja total correspondência com as denúncias de violência doméstica, o número de processos instaurados é um indicador”.
Foi a pedido do Público que PSP e GNR acabaram por contabilizar estes processos disciplinares, tendo sido reportado que houve 223 na primeira e 272 na segunda, o que corresponde a quase dois por semana. 94 deles continuam pendentes.
A maior parte dos processos acabam arquivados. Nos 401 que chegaram ao fim, registam-se 59 condenações. Delas resultaram três repreensões escritas, cinco demissões ou passagens à aposentação forçada e 45 suspensões.
A “normalização da violência” e a dificuldade de apresentar queixa
Apesar dos responsáveis das polícias ouvidos pela reportagem falarem de um problema “transversal” à sociedade, aquele órgão de comunicação refere estudos de outros países que indicam que há mais violência doméstica nas famílias de polícias. A especialista Tatiana Moura, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, indica como fatores justificativos o perfil dos candidatos, o treino militarizado, a violência que muitos enfrentam no trabalho quotidiano, o stress que tal provoca, a falta de acompanhamento psicossocial consistente. Assim, “há uma normalização da violência que pode trespassar a vida, que pode passar da esfera profissional para a esfera privada.”
Por outro lado, acrescenta Carla Melo, do Serviço para a Promoção da Igualdade de Género e de Oportunidades do Município da Póvoa de Lanhoso, neste contexto, as vítimas têm maior dificuldade de pedir ajuda e apresentar queixa. Para isso contribuem fatores como estatuto, autoridade, conhecimento do sistema e posse de armas de fogo. A isso se soma o medo de repercussões: “Sendo o agressor da PSP ou da GNR, sabe que isso pode trazer-lhe processos disciplinares, o que pode ter consequências até para os filhos. Podem perder algum sustento.”
Tatiana Moura defende que “falta trabalhar a violência doméstica por grupo laboral para perceber que empregos geram mais stress, que é levado para casa e se traduz em violência”. Mas antecipa, desde já, que seria fundamental disponibilizar apoio psicossocial aos polícias.