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Há 180 anos, os trabalhadores britânicos faziam a primeira greve geral

Ao longo das primeiras duas semanas de agosto de 1842, a onda grevista envolveu cerca de meio milhão de trabalhadores. As mulheres estiveram no coração da luta e muitos relatos de então descreveram a sua tenacidade e coragem. A repressão que se seguiu não teve precedentes no século XIX. Por Judy Cox.
Estátua comemorativa do movimento de 1842 em Preston. Foto de Andrew Gritt/Wikimedia Commons.
Estátua comemorativa do movimento de 1842 em Preston. Foto de Andrew Gritt/Wikimedia Commons.

Imaginem um movimento grevista massivo, baseado nas comunidades de trabalhadores que confrontaram a elite política durante uma enorme crise do custo de vida e com uma repressão violenta do direito ao protesto. Na primavera e no verão de 1842, um movimento assim começou.

Ao longo de 1841 e 1842, os preços da alimentação e dos bens essenciais escalaram ao mesmo tempo que os empregadores puxavam os salários para baixo. Os trabalhadores revoltavam-se contra os salários de miséria mas também exigiam uma mudança política radical.

Instigaram a primeira greve geral na Grã-Bretanha, espalhada e mantida por trabalhadores nas fábricas, oficinas e minas. Os trabalhadores grevistas pediam solidariedade e enfrentavam a polícia e milícias que já tinham demonstrado o seu historial de assassinato do trabalhadores durante do massacre de Peterloo 23 anos antes.

Todas as tentativas de organizar sindicatos nos anos 1830 eram reprimidas. Mas os trabalhadores repetidamente reconstruiam as organizações que eram a sua única proteção contra um sistema voraz.

Em fevereiro de 1834, o socialista utópico Robert Owen organizou uma conferência em Londres que fundou o Grand National Consolidated Trades Union. Seis operários de Tolpuddle, Dorset, tentaram filiar-se mas foram acusados de fazer juramentos ilegais e condenados a sete anos de deportação. Desenvolveu-se uma enorme campanha de solidariedade e os mártires de Tolpuddle foram perdoados em março de 1836. esta lição do poder da solidariedade não foi esquecida e oito anos mais tarde os trabalhadores ergueram-se de novo.

O movimento começou com a segunda petição Cartista ao parlamento. Acabou com uma greve geral que foi das Midlands Ocidentais ao Lancashire, chegando tão longe quanto Dundee na Escócia e a Cornualha no sudeste.

A grande petição Cartista de 1842 avançava com um conjunto de reivindicações incrivelmente radicais e que conseguiram obter um espantoso nível de apoio. A petição foi assinada por cerca de um terço da população adulta, estendia-se por dez quilómetros e pesava 305 quilos.

Exigia a resolução de uma vasta gama de queixas e tinha uma forte ressonância com os nossos movimentos de hoje. Por exemplo, condenava “as guerras cruéis e caras travadas para a supressão de toda a liberdade”. E criticava a quantidade de dinheiro esbanjado para manter a monarquia no luxo.

Nessa época, os parlamentares eram eleitos por uma minoria dos cidadãos abastados e o suborno e a corrupção eram uma parte natural do processo eleitoral. A exigência central da petição era o sufrágio universal masculino, urnas secretas e eleições anuais.

Quem poderia discordar dos peticionários de que “os membros eleitos para servir no Parlamento deveriam ser servos do povo e deveriam, em intervalos pequenos e estabelecidos, regressar aos seus círculos eleitorais?”

A petição de 1842 não se limitava a temas políticos. Também abordava a crise do custo de vida, assinalando a “grande disparidade existente entre os salários dos milhões produtores e os salários daqueles cuja utilidade comparativa deve ser questionada, onde a riqueza e o luxo prevalecem entre os governantes e a pobreza e fome entre os governados”.

O movimento encarava a interpenetração das reivindicações políticas e económicas. Não havia separação entre as duas lutas durante os primeiros exemplos da resistência da classe trabalhadora.

Os Cartistas defendiam que o Parlamento deveria atuar para prevenir a fome generalizada – “que, apesar da condição miserável e sem paralelo do povo, a vossa honrosa casa não manifestou nenhuma disposição para reduzir as despesas do Estado, diminuir os impostos ou promover a prosperidade geral”. Tal acusação poderia muito bem ser feita ao governo conservador hoje.

A petição Cartista defendia o direito a protestar. Queixavam-se de que direito a reunir e protestar estava a ser esmagado.

A petição identificava uma força policial inconstitucional como o meio através do qual os “irresponsáveis poucos oprimem e matam à fome os muitos”. Esta foi desconsiderada pelo Parlamento e os trabalhadores responderam com uma onda de motins e greves que cresceram até se tornarem na primeira greve geral britânica.

Em junho, os carvoeiros do norte de Staffordshire entraram em greve em protesto contra um corte salarial e as greves começaram imediatamente a espalhar-se. Os mineiros grevistas começaram a desligar os motores a vapor e pararam a produção de carvão em mina após mina.

Os mineiros marchavam de cidade em cidade, desligando as máquinas e exigindo alimentação para os trabalhadores. A sua confiança crescia à medida que a onda de greves aumentava.

No dia 7 de agosto, os mineiros de Stalybridge, na Grande Manchester fecharam todas as oficinas que ainda estavam a trabalhar em Ashton. Perto de 13.000 grevistas marcharam em seguida para Hyde e Oldham.

Reuniões de grevistas nessa noite concordaram continuar com a greve até a Carta se tornar lei. Acontecimentos semelhantes ocorreram em Lancashire e no oeste de Yorkshire com grevistas a ocupar as cidades e bloquear transportes exigindo alimentação.

A reivindicação “a Carta ou não regressamos ao trabalho” era ouvida em toda a parte. Em Preston, a 12 de agosto, dois grevistas foram abatidos a tiro.

O espírito da revolução estava no ar. Num grandioso comício em Bradford jurou-se “não voltar a trabalhar outra vez até a Carta ser implementada”.

Duas colunas de manifestantes dirigiram-se a Halifax, onde milhares de mulheres – muitas mal vestidas e a marchar descalças – se recusaram dispersar até que a cavalaria foi chamada. Seis pessoas morreram durante o motim que se seguiu nessa noite.

A 6 de agosto, o aniversário do massacre de Peterloo, multidões de homens e mulheres encheram os seus aventais de pedras e emboscaram a cavalaria, libertando aqueles que tinham sido presos na noite anterior.

Ao longo das primeiras duas semanas de agosto, a onda grevista envolveu cerca de meio milhão de trabalhadores. As mulheres estiveram no coração da luta e muitos relatos de então descreveram a sua tenacidade e coragem.

Na quarta-feira 10 de agosto, por exemplo, as mulheres de Manchester juntaram às 5.30 da manhã- Marcharam para desligar as máquinas nas fábricas. Quando a fábrica Kennedy recusou fechar, atiraram pedras às janelas e estavam quase a conseguir entrar quando a polícia chegou.

Nos dias seguintes, grevistas de Rochdale na Grande Manchester marcharam até Todmorden e voltaram, uma viagem de mais de 34 quilómetros, na qual iam fechando fábricas.

“Raparigas com 12 ou 14 anos, calçando pesados tamancos” dirigiam os grevistas. Alguns Cartistas e líderes sindicais tentaram espalhar o movimento mas outros pregavam moderação e temiam confrontos com o Estado.

Em algumas zonas, a greve permaneceu fraca. Enfrentando a fome e a falta de direção, os trabalhadores começaram a voltar ao trabalho.

A repressão que se seguiu não teve precedentes no século XIX. Só no noroeste cerca de 1.500 grevistas foram levados a julgamento.

O foco político e o espírito militante das greves sugeria a muitos contemporâneos uma revolução iminente. Este movimento insurgente voltou a erguer-se em 1848, o ano da revolução europeia. Mas uma vez mais faltava liderança e a vontade dissipou-se.

Os historiadores tradicionais enfatizam frequentemente a inevitabilidade do progresso da Grã-Bretanha para um sistema democrático. Mas os acontecimentos de 1842 demonstram o quão hostil era o sistema político face à democracia.

Dois anos depois da greve, Engels prestava tributo aos grevistas dizendo que os trabalhadores ingleses não têm igual na sua coragem.” Louvava “esta coragem obstinada, inconquistável dos homens que só se rendem à força quando a resistência já não tem objetivo nem sentido”.

Os militantes da classe trabalhadora de 1842 não eram apenas valentes. Mostraram que a classe trabalhadora tinha entrado no palco da história.

Motins e barricadas de rua já não eram suficientes para desafiar o emergente sistema capitalista. O poder de resistir aos patrões residia nos lugares de trabalho.

Esta mudança foi ilustrada pela história do famoso Sir Hugh Hornby Birley. No massacre de Peterloo, o capitão Birley dirigiu as forças da cavalaria e usou o seu próprio sabre contra manifestantes pacíficos. Era odiado por todos os reformistas.

Em 1842, os trabalhadores das fábricas de algodão chegaram à fábrica de Birley em Chorlton. Esta foi defendida vigorosamente com mangueiradas e tijolos lançados do telhado, causando a morte de uma rapariga. Quão doce terá, ainda assim, sido quando os trabalhadores conseguiram fechar a fábrica. A organização dos trabalhadores humilhava finalmente o odiado carniceiro de Peterloo.


Publicado originalmente no Socialist Worker.

Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

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