Esta quinta-feira, o regulador europeu dos medicamentos deu luz verde à aplicação de duas vacinas de reforço contra a Covid-19, especialmente adaptadas para lidar com a variante Ómicron. Fica a faltar a autorização final da Comissão Europeia. Outras duas vacinas, adaptadas para a linhagens dominantes neste momento, a BA.4 e a BA.5, devem ter o mesmo destino brevemente. Os pedidos de autorização foram apresentados pelos dois maiores grupos concorrentes neste “mercado”, a Moderna e Pfizer/BioNTech, envolvidos agora numa guerra jurídica à volta das patentes.
A Moderna anunciou no passado dia 26 de agosto que ia levar as suas concorrentes Pfizer e BioNTech a tribunal, nos EUA e na Alemanha, alegando violação da sua patente da tecnologia do ARN mensageiro. Um caso complexo que deverá arrastar-se durante os próximos anos.
A tecnologia teve um forte investimento público e há centenas de patentes de vacinas com ARN mensageiro mas isso não impede a Moderna de visar especificamente as suas principais concorrentes. Juntas, diz a People’s Vaccine Alliance, lucram mil dólares por segundo desde que as vacinas contra a pandemia começaram a ser vendidas. Assim, se o caso fosse decidido favoravelmente para a empresa queixosa, os valores de uma indemnização poderão ascender a dezenas de milhões de euros.
Não é o primeiro processo que a Pfizer e BioNTech enfrentam porque o laboratório CureVac já o tinha feito. O par respondeu acusando de volta a empresa holandesa-alemã.
O Mediapart traça esta quarta-feira um quadro do imbróglio que é o jogo das patentes. A parte mais fraca da equação são as universidades públicas que fazem a investigação fundamental que está na base das outras descobertas. Por falta de fundos, recorrem muitas vezes ao financiamento das grandes farmacêuticas que, em troca, ficam com as valiosas patentes e direitos associados. Outra camada deste processo são as várias start-up que estão a tomar conta da fase de desenvolvimento do produto em que a descoberta é transformada em produto de saúde. Escreve aquele órgão de comunicação social que “as Big Pharma chegam no final do processo para implementar os últimos ensaios clínicos e, sobretudo, a última e lucrativa fase de comercialização: seja comprando as start-ups seja pagando-lhes direitos”. A cada momento, uma patente é criada que pode permitir lucrar com o processo.
Daí que a própria Moderna também esteja a ser processada por violação de patentes por duas start-up. E que uma das licenças reclamadas seja de um elemento descoberto nos anos 2000 por dois cientistas da Universidade da Pensilvânia, uma delas, Katalin Karikó, passou a trabalhar depois na BioNTech.
Outro dos elementos fundamentais para a descoberta das vacinas de ARN mensageiro e que é reclamado pela Moderna nasceu, contudo, de uma parceria com o National Institutes of Health, uma instituição pública norte-americana. A empresa ultrapassou o seu parceiro e começou a pedir patentes das descobertas conjuntas, levando a uma disputa com o instituto e com o governo dos EUA. Para se defender, a Moderna alega no comunicado que o processo contra as suas rivais seria sobre descobertas anteriores a esta parceria.
Os Médicos do Mundo também decidiram entrar neste jogo jurídico. A organização apresentou uma queixa contra a BioNTech decidida a seu favor no início de abril. A sua tentativa era limitar o escopo do patenteado, permitindo que a tecnologia pudesse vir a ser utilizada para combater outras doenças.
Em comunicado explicaram que tentaram “evitar uma privatização abusiva de conhecimentos essenciais sobre a produção de vacinas que impediria outras empresas de as produzir”. Acusaram as grandes farmacêuticas de apresentar patentes de âmbito demasiado alargado e conseguiram provar que “uma maioria dos elementos incluídos nos pedidos de patente da BioNTech era proveniente de conhecimentos já existentes graças a projetos de investigação públicos sobre vacinas de ARN mensageiro e contra os coronavírus”.
Derrotada esta tentativa, Juliana Veras, dos Médicos do Mundo, diz que agora é a Moderna que tenta ficar com grande parte do bolo, “afirmando que controla a tecnologia do ARN mensageiro, especialmente no caso da Covid-19 e exigindo reparação financeira se esta for utilizada”. Assim, “envia um sinal mais global ao resto do mundo ao reclamar deter uma peça-chave do puzzle gigante do ARN mensageiro nas suas possíveis utilizações prometedoras para lutar contra outras doenças”.