A meio da semana passada, com um governo demissionário que o presidente Macron recusa que saia mantendo oficialmente todos os poderes apesar de ter perdido a legitimidade das urnas nas últimas eleições, era publicado no Jornal Oficial, o correspondente francês ao Diário da República, um decreto de alteração das regras sobre o repouso semanal dos trabalhadores do setor agrícola.
O documento “flexibiliza” o direito laboral em vigor no sentido de abrir a possibilidade de “suspensão do descanso semanal” para os trabalhadores de “colheitas realizadas manualmente” em zonas de origem controlada ou de indicação geográfica protegida já que seriam “trabalhos cuja execução não pode ser diferida”. De acordo com o direito do trabalho francês, só em “circunstâncias excecionais” é que o direito a este repouso pode ser cortado. Em causa estão sobretudo as vindimas do setor vitivinícola, para as quais já está prevista uma outra exceção: os patrões podem impor horários de trabalho de 60 horas semanais, ou até de 72, muito longe do máximo legal de 48.
Acontece que as “circunstâncias excecionais” já eram muitas vezes invocadas para fazer as vindimas, apesar do seu carácter sazonal e constante, e que isto chocava com o entendimento das autoridades com a direção regional da Economia, Emprego, Trabalho e Solidariedades do Grande Este a ter aplicados várias multas no valor de alguns milhares de euros.
Por isso, os patrões do setor saúdam a decisão e alegam que este é um trabalho concentrado por natureza em cerca de duas semanas. O mesmo dizem alguns deputados do campo macronista e da direita. Deles destoa Anthony Smith, ex-inspetor de trabalho e agora deputado europeu da França Insubmissa que diz ao Libération tratar-se de um “decreto plenamente político ao serviço dos lóbistas” que não deveria ter sido aplicado por um governo que se deveria limitar a “gerir os assuntos correntes” e que fazer com que a mão de obra possa “ser forçada a trabalhar à vontade” do patronato que já contornar regras de alojamento, do horário de trabalho e agora do direito ao descanso. As mortes do ano passado não pesam muito em comparação com os cachos de uvas. E isso é insuportável,” lamenta.
O insubmisso refere o que se passou na campanha de 2023 quando pelo menos seis trabalhadores morreram nas vindimas em Champagne no meio de temperaturas altamente elevadas.
Ao France Info adianta que “o repouso semanal é fundamental para que os trabalhadores agrícolas recuperem, sobretudo durante as vindimas que são trabalhos extremamente penosos que se fazem curvados a cortar as uvas à mão, ao calor ou à chuva…” com “cargas de trabalho de 120 horas durante 14 dias”.
🔴Le Décret suspendant le repos hebdomadaire des travailleurs pendant les #Vendanges est le fait d’un gouvernement illégitime
Le repos des travailleurs doit être protégé alors que 6 vendangeurs sont morts au travail l’an passé
Notre CP commun avec mon camarade @Portes_Thomas 👇 pic.twitter.com/8rH6f30hgm— Anthony Smith ✊ (@smith51_a) July 10, 2024
Os sindicatos reforçam a mensagem de “um cacho não vale uma vida” e pedem medidas de adaptação às alterações climáticas que permitam o trabalho em condições de segurança. Philippe Cothenet, secretário-geral adjunto da CGT Champagne, em entrevista ao Politis, lembra também os quatro mortos do ano passado, as longas horas de trabalho e o facto dos prestadores de serviços ganharem “muito dinheiro com a miséria humana”. Algumas, “são criadas apenas para o período das vindimas”.
Todos os anos, apenas nesta região vinhateira, mais de 100.000 trabalhadores, a maior parte estrangeiros, vindos da Europa do Leste e da África Ocidental, são contratados especificamente para as vindimas por estas empresas de prestação de serviços. O dirigente sindical elucida que “são pagos à tarefa, com base no número de quilos colhidos, algumas dezenas de euros por dia. E isto, inevitavelmente, degrada as suas condições de trabalho”.
Isto contrasta com a uva “mais cara do mundo” que recolhem. O setor faturou 6,3 mil milhões de euros no ano passado e “dois terços dos quais foram gerados pelas vinhas de Champagne”.