A Federação Europeia de Trabalhadores dos Transportes emitiu esta quinta-feira uma nota de condolências ao povo português e aos trabalhadores devido ao acidente do elevador da Glória.
A tragédia, afirma-se, “lembra-nos, da maneira mais dolorosa, que a segurança nos transportes públicos nunca deve ser comprometida”.
A estrutura sindical demonstra apoio aos seus colegas portugueses “na exigência de uma investigação completa e transparente”, na procura de “responsabilização” e na necessidade de “mudanças estruturais para evitar tragédias semelhantes no futuro”.
Critica-se a “decisão de externalizar a manutenção, apesar dos repetidos avisos dos trabalhadores” que “reflete uma tendência mais ampla à qual a FETT se opõe há muito tempo”. A Federação sindical considera que a externalização “prejudica a capacidade do serviço público e, frequentemente, sacrifica a segurança, a responsabilização e os direitos dos trabalhadores”. E junta-se aos sindicatos locais na afirmação de que “a Carris sempre teve os meios para garantir uma manutenção segura e fiável” e que “esta capacidade foi desmantelada por escolhas políticas deliberadas”.
Desta forma, apela-se às autoridades públicas e aos operadores de transportes para que “reavaliem as consequências da externalização e restaurem sistemas de manutenção internos robustos que priorizem a segurança e a competência dos trabalhadores”.
Carris deve ter todos os meios técnicos e humanos para assegurar manutenção diz Fectrans
Neste mesmo dia, igualmente em comunicado, a Fectrans e seus sindicatos associados demonstraram igualmente “total solidariedade com os familiares e as vítimas do brutal acidente do elevador da Glória”.
A Federação dos Sindicatos de Transportes e Comunicações, estrutura afeta à CGTP, acrescenta que neste momento “a exigência que se coloca, para além do acompanhamento aos feridos e aos familiares das vítimas mortais, é da de proceder a um rigoroso inquérito para apurar as causas e responsabilidades”. Defende que esta investigação verifique “as causas imediatas, mas também os efeitos das medidas gestionárias que optaram pela externalização do serviço de manutenção, assim como verificar os relatos transmitidos pelos trabalhadores e o seguimento ou medidas adotadas na sequência dos mesmo”.
Para esta entidade, a CARRIS “presta um serviço público e deve estar dotada de todos os meios técnicos e humanos para prestar esse serviço com qualidade e segurança”.
Comissões de trabalhadores esperam correção urgente de falhas e querem fim de outsourcing
A Comissão Coordenadora das Comissões de Trabalhadores da Região de Lisboa vai no mesmo sentido, considerando ser “imprescindível que se realize um apuramento rigoroso e transparente de todas as responsabilidades”, incluindo “os aspetos técnicos relacionados com a manutenção, inspeção e operação do equipamento”.
Para além de esperar que “esta tragédia sirva de alerta para a correção urgente das falhas que vierem a ser identificadas”, a CIL também criticou o recurso ao outsourcing para serviços de manutenção da Carris. Estes devem ser executados por trabalhadores da empresa “e não por 'outsourcing', que só visam o lucro”.
Estas comissões de trabalhadores pretendem que seja feita uma análise às “decisões e políticas adotadas pela gestão da Carris e pela Câmara Municipal de Lisboa”, lembrando-se “a desafetação de quatro milhões de euros na rubrica da mobilidade (desinvestimento na Carris) na 24ª alteração do Orçamento para 2024 e a atribuição de um financiamento com o mesmo valor à Web Summit”.
Por isso, pensam que se deve esclarecer “se as opções estratégicas e orçamentais autárquicas garantem aos trabalhadores e aos utentes dos transportes públicos em Lisboa um serviço público seguro e digno”.
A história de um outsourcing
O jornal Público detalha esta sexta-feira alguns dos aspetos deste outsourcing. O trabalho de manutenção dos elevadores de Lisboa (Glória, Lavra, Bica e Santa Justa) era feito, até 2007, pela Carris, havendo uma equipa de 24 trabalhadores com dois operários em turnos de oito horas por dia a assegurar o trabalho 24 horas por dia.
Depois de uma externalização “atribuída por concurso público tendo como único critério o preço mais baixo”, destaca o jornal, o número de pessoas a fazer o mesmo trabalho passou a ser duas, tendo o acompanhamento em permanência sido reduzido para vistorias diárias que, “no caso da do dia do acidente, durou 33 minutos”.
De acordo com aquele diário, os trabalhadores da Carris tinham “a ideia de que este [sistema] não funcionava na perfeição”, notando “pequenos indícios, só percetíveis por quem conhece o material” que “indiciavam que havia problemas de sobrecarga”. Um dos quais seria “que as cabinas baloiçavam mais do que antigamente e havia como que um “chocalhar” no funcionamento do elevador”. Houve queixas de guardas-freios queixavam-se de folgas “no cabo, tendo havido até um incidente, há alguns meses, em que a carruagem que chegava ao topo chegou a bater nos degraus de acesso à rua da Misericórdia”.
O Público ouviu ainda Carlos Neves, presidente do Colégio de Mecânica da Ordem dos Engenheiros, sobre a sobrecarga de utilização. Este avançou que uma utilização intensiva recomendaria uma alteração dos parâmetros do caderno de encargos de manutenção. Para este, a externalização da manutenção não seria problema em si se houvesse uma transferência de competências para a empresa subcontratada.
Contudo outras “várias fontes” consultadas pelo diário alertaram “para a perda de conhecimento técnico” nestas situações de outsourcing em que o que era feito por especialistas pertencentes ao quadro da empresa e com trabalho permanente passa a ser feito por “empresas que prestam serviços em contratos de três ou quatro anos”.