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Faleceu António Manuel Hespanha, o historiador que desfez mitos

Homem de esquerda e especialista em História e Teoria do Direito e em História Política, António Manuel Hespanha era o historiador português mais citado internacionalmente, sendo autor de cerca de 150 artigos e 30 livros. Faleceu esta segunda-feira aos 74 anos.
António Manuel Hespanha. Foto Facebook.

António Manuel Hespanha nasceu 1945 em Coimbra. Começou a sua formação académica pelo Direito em 1967. Seguiu-se o campo da História no qual utilizou os seus conhecimentos na área do Direito para estudar o Antigo Regime.

Com isso, mudou a forma como se via o poder real em Portugal nesta época: da concentração de poder no monarca passou a olhar-se mais para a pluralidade política e jurídica. Um dos seus livros mais conhecidos, “As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político” que é a sua tese de doutoramento sobre o período antecedente ao surgimento do Estado moderno em Portugal, é o grande exemplo de como sublinha os sistemas de poder para além dos mecanismos do centralismo.

Em 1996 publicou o texto de referência na área da história do direito, “Cultura jurídica europeia. Síntese de um milénio”. Depois, sobre o século XIX, publicou em 2004 “Guiando a mão invisível. Direitos, lei e Estado no liberalismo monárquico português”.

Recentemente, sobre teoria do direito publicou “O caleidoscópio do direito. O direito e a justiça nos dias e no mundo de hoje”.

O seu último livro é deste ano. “Filhos da Terra, Identidades Mestiças nos Confins da Expansão”, livro no qual critica as teses do luso-tropicalismo, a imagem da abertura do português ao outro e a ausência de racismo. E, sempre que analisa o colonialismo português, Hespanha também não se esquecerá do paradigma da complexidade das instâncias de poder e das limitações dos poderes régios e coloniais.

Nas "identidades mestiças", dedica-se ainda à análise do “império sombra dos portugueses”, as comunidades mestiças que, apesar de ficarem fora das fronteiras formais do império, se identificavam como portuguesas.

Atualmente era professor catedrático jubilado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e investigador honorário do instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Antes tinha lecionado e investigado em várias outras instituições. Foi assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa até 1984 e professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa a seguir. A partir de 1988 foi investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E a partir de 1999 até 2011, ano que se jubilou, foi catedrático na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, onde lecionava matérias de História e de Teoria do Direito.

O sucesso académico levou-o a ensinar também fora do país: foi professor convidado da Universidade de Yale, da Universidade Autónoma de Madrid, da Facoltà di Scienze Politiche da Universidade de Messina, da Universidade de Macau e Directeur d’Études invité da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris.

Foi ainda Presidente do Conselho Científico da Fundação para a Ciência e Tecnologia na área de Ciências Sociais e Humanidades, director do Centro de Estudos sobre Direito em Sociedade, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e do Conseil National pour la Recherche Scientifique.

Detinha ainda os graus honoríficos de Doutor honoris causa pelas Faculdades de Direito da Universidade de Lucerna (Suíça) e da Universidade Federal do Paraná (Brasil)

Além da carreira académica, teve outras funções. Em 1974-75 foi diretor-geral do Ensino superior. Depois disso, foi inspetor-superior do Ministério da Educação até 1978, tendo-se a seguir centrado na carreira. Entre 1995 e 1998 distinguiu-se enquanto o comissário geral da Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses que não queria celebrar de forma acrítica este acontecimento histórico.

O professor que convidava a pensar e a desmontar mitos

Ao Público, uma das suas alunas, Ângela Barreto Xavier, investigadora do ICS, diz que António Hespanha “toda a vida nos convidou a pensar e a desmontar mitos, esbatendo as hierarquias professor-aluno”. Sublinha a postura aberta de um professor que “foi dos primeiros nas Ciências Sociais em Portugal a criar grupos de investigação com os seus alunos” porque “queria ouvir o que tínhamos para dizer”.

Para além de professor, António Hespanha foi um homem de esquerda que militou nos movimentos católicos progressistas e depois no Partido Comunista Português até 1988. Depois disso, não teve militância política mas apoiou a candidatura de Sampaio à Presidência da Repúblico e, em algumas ocasiões, o Bloco de Esquerda.

Hespanha foi mandatário da candidatura do Bloco por Lisboa nas primeiras legislativas a que o partido concorreu, em 1999, e apoiou a candidatura de João Semedo à Câmara Municipal de Lisboa. Foi ainda subscritor da Carta dos Direitos dos Cidadãos e dos Povos, documento promovido no âmbito da candidatura ao Parlamento Europeu encabeçada por Miguel Portas.

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