A extrema-direita combate de ambos os lados na guerra da Ucrânia

16 de junho 2022 - 20:06

Um relatório do projeto Antifascist Europe, impulsionado pela Fundação Rosa Luxemburgo, mostra como a extrema-direita se introduziu nas forças militares ucranianas mas também nas russas. Texto de El Salto Diário.

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Bratislav Zivkovic, comandante do Batalhão sérvio de extrema-direita Jovan Sevic em 2014. Foto de EuromaidanPress.
Bratislav Zivkovic, comandante do Batalhão sérvio de extrema-direita Jovan Sevic em 2014. Foto de EuromaidanPress.

Voluntários de vários países que perfilham a ideologia de extrema-direita viajaram para se juntar à Legião Internacional criada por Zelensky quando a guerra na Ucrânia contava apenas com três dias, segundo mostra um relatório do projeto Antifascist Europe, impulsionado pela Fundação Rosa Luxemburgo, mas já desde 2016 membros de organizações de extrema-direita de vários países participavam no conflito.

O relatório, intitulado How Foreign Far-Right Volunteers Are Arriving to Fight in Ukraine (Como voluntários estrangeiros de extrema-direita estão a chegar para lutar na Ucrânia), identifica pelo menos nove batalhões de brigadistas internacionais que atualmente compõem a legião internacional ucraniana, dos quais três contam com brigadistas claramente relacionados com a extrema-direita. A eles se juntam unidades especificamente de extrema-direita.

O primeiro destes batalhões chama-se Legião Nacional Georgiana e foi criado em 2014 por pessoas de ascendência georgiana que foram lutar do lado da Ucrânia. Em 2016 foi integrado nas Forças Armadas ucranianas e atualmente conta com 700 soldados, dos quais 20% são maioritariamente norte-americanos com ascendência georgiana. Entre os seus militantes encontram-se Henry Hoeft e Mike Dunn, ambos membros dos Boogaloo Bois, um movimento de extrema-direita nascido no fórum 4chan.

O relatório explica como a 24 de março o comandante deste batalhão, Mamuka Mamulashvili, afirmou ao portal Politico que estavam a tentar evitar que nele se integrassem pessoas com ideologia de extrema-direita, “Não quero tipos sedentos de sangue que queiram vir e simplesmente dísparar contra alguém… Estamos a evitar os extremistas, não os queremos cá”, afirmou. Contudo, em abril, um vídeo que circulou nas redes sociais mostrou membros desta brigada assassinando soldados russos que tinham sido capturados e que estavam atados e caídos no asfalto, um vídeo que Mamulashvili afirma que é falso. O lado russo também afirma que esta brigada recebe financiamento do grupo georgiano neonazi Qartuli Dzala.

Outro dos batalhões nos quais se assinala que foram identificadas pessoas relacionadas com grupos neonazis ou de extrema-direita é o Batalhão Kastus Kalinovsky, que assume o nome de um dos líderes do levantamento polaco, lituano e bielorrusso contra a Rússia na segunda metade do século XIX. O relatório explica que este batalhão se formou em março deste ano através do que é conhecido como grupo tático “bielorrusso”, membros da organização bielorrussa neonazi White Legion, do movimento Young Front e outros cidadãos bielorrussos instalados na Ucrânia. No total, o batalhão seria composto por cerca de 200 pessoas e vários vídeos difundidos pelo próprio batalhão mostram os seus membros com tatuagens de símbolos neonazis. Algumas das pessoas que surgem nestes vídeos como membros do batalhão são neonazis já conhecidos como Rodion Batulin, que em 2019 participou num atentado contra o então presidente ucraniano Petro Poroshenko.

O terceiro batalhão com membros de extrema-direita identificados é o Destacamento Polaco do Batalhão Revanche, formado no princípio da invasão russa e relacionado com a organização de extrema-direita ucraniana Tradição e Ordem.

O relatório assinala que, para além destes batalhões, existem unidades de luta formadas por pessoas de ideologia de extrema-direita criadas à volta de líderes como Denis ‘White Rex’ Kapustin, cidadão russo que chegou à Ucrânia depois de ter fugido da justiça do seu país e que apelou a ativistas da extrema-direita de todo o mundo para que lutassem na Ucrânia, ou Sergei ‘Boatsman’ Korotkikh, também russo e fugido da justiça por assassinato e que na Ucrânia criou a unidade Boatsman Boys.

Cinco ex-funcionários dos serviços secretos norte-americanos indicam que os Estados Unidos têm organizado um programa de treino para forças anti-russas na Ucrânia desde 2015, ano no qual o Congresso eliminou a proibição de financiar e dar apoio a grupos neonazis no país que faz fronteira com a Rússia.

Mas se há uma unidade conhecida pela sua ideologia de extrema-direita na guerra da Ucrânia é o Batalhão Azov que, junto com o Setor de Direita e o Organização de Nacionalistas Ucranianos, é um dos principais destinos dos militantes de extrema-direita, segundo indica o relatório da Antifascist Europe que explica como desde 2015 este batalhão recrutou militantes por todo o mundo e, à data de 1 de março de 2022, já contava com 900 combatentes tanto ucranianos como estrangeiros, com norte-americanos entre os quais se encontram militantes da organização Atomwaffen, sediada no sul dos EUA, considerada terrorista pelo Reino Unido, Austrália e Canadá, e acusada de vários assassinatos e ataques terroristas planificados.

A extrema-direita no lado russo

A presença da extrema-direita na guerra não se limita ao lado ucraniano, segundo assinala o informe da Antifascist Europe e como já tinha mostrado um relatório dos serviços secretos alemães tornado público pelo Der Spiegel. O centro da extrema-direita no lado russo está no grupo Rusich, liderado pelo reconhecido neonazi Alexey ‘Serb’ Milchakov, conhecido por torturar soldados ucranianos capturados no Donbass. Junto a ele tem Jan Petrowski, cidadão norueguês expulso do seu país por “representar uma ameaça para a segurança nacional”. Outro neonazi conhecido do grupo Rusich é Yevgeny ‘Topaz’ Rasskazov, originário de Donetsk e que em 2014 se tinha juntado ao Grupo Wagner. Uma das ações mais conhecidas do grupo Rusich foi a destruição de uma coluna do Batalhão Aidar, paradoxalmente também de extrema-direita mas do lado contrário, em setembro de 2014.

Outros pontos de encontro da extrema-direita no lado russo são a Legião Imperial, ala militar do Movimento Imperial Russo —reconhecido como organização terrorista global pelos Estados Unido – , o Grupo Wagner —liderado por Yevgeny Prigozhin, aliado de Putin—, o Batalhão Jovan Ševic, o grupo de sabotagem e reconhecimento Terek Wolf Sotnia ou as unidades cossacas, ainda que, na maioria dos casos, não haja informação sobre se continuam a participar atualmente na guerra


Texto publicado originalmente no El Salto Diário. Traduzido para o Esquerda.net por Carlos Carujo.