Evo Morales, o indígena que era presidente da Bolívia, demitiu-se e fala em golpe

11 de novembro 2019 - 0:41

Depois de 13 anos de presidência que mudaram o país, Evo Morales demite-se do cargo. Exército e polícia pressionaram nesse sentido mesmo depois de Evo ter anunciado que se iriam repetir as eleições presidenciais. Morales diz que houve um golpe.

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“Que o mundo inteiro saiba que grupos oligárquicos conspiram contra a democracia”, com este aviso, Evo Morales demitiu-se da presidência do seu país que já se encontrava em ambiente de golpe de estado com rádios e televisões ocupadas e com o exército e a polícia a pressionar para que abandonasse o cargo.

O presidente disse demitir-se “para que os meus irmãos e irmãs, autoridades do MAS, não sejam fustigados, perseguidos, ameaçados” e “para que Mesa e Camacho deixem de perseguir os meus irmãos, os dirigentes sindicais... Para que não continuem a queimar casas. Para que não continuem a sequestrar dirigentes sindicais e a prejudicar as pessoas mais humildes”. Carlos Mesa foi presidente da Bolívia e Luis Fernando Camacho é um dos dirigentes da oposição, presidente do Comité Cívico de Santa Cruz.

“Lamento muito este golpe civil. Quero dizer-lhes que a luta não termina aqui. Vamos continuar com esta luta pela igualdade e pela paz”, acrescentou. “Os humildes, os pobres, os setores sociais, vamos continuar. A minha obrigação como presidente indígena e de todos os bolivianos é encontrar a pacificação do país”.

Também o vice-presidente, Álvaro García Linera, que acompanhou o presidente na sua comunicação, se demitiu: “fui o vice-presidente de um indígena, de um camponês e ser-lhe-ei sempre leal”, garantiu. Há relatos que ambos saíram do país em direção à Argentina.

Ainda neste domingo uma auditoria da Organização de Estados Americanos tinha concluído que existiriam irregularidades no processo eleitoral de 20 de outubro que culminou com a sua vitória na primeira volta. Evo Morales tinha em seguida anunciado que as eleições se iriam repetir e que a Junta Eleitoral seria demitida e haveria uma investigação ao caso. Antes da sua demissão, a presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Maria Eugenia Choque Quispe (que mais tarde seria presa), vários ministros e o presidente da Assembleia Nacional, Victor Borda, tinham já renunciado aos cargos.

Ainda assim, os militares e polícias não ficaram satisfeitos e exigiram a saída do presidente agora deposto. Williams Kaliman, chefe militar, e Yuri Calderón, comandante da polícia, fizeram comunicações separadas mas de sentido igual: pressionar a renúncia do presidente da República.

Com as demissões em cadeia, cria-se um vazio constitucional na linha de sucessão do chefe de Estado. Sobra a segunda-vice-presidente da câmara de Senadores, Jeanine Añez, que se afirmou disponível a assegurar o cargo mas cuja tomada possibilidade de tomada posse não está prevista na constituição do país.

13 anos de Evo

Aos 60 anos, Evo era o presidente há mais tempo em funções na América do Sul. Chegou ao poder numa onda de governos mais à esquerda do que a região estava habituada e lá permaneceu. Mesmo os seus críticos não dizem que não terá feito a diferença.

A começar pela tomada de posse a 20 de janeiro de 2006. Com uma cerimónia tradicional, o primeiro presidente indígena do país queria simbolizar uma alteração profunda. Nascido em Isallavi, Oruro, nos Andes, Evo Morales trazia consigo um percurso em tudo diferente da habitual elite política do país. Fora criador de lamas, vendedor de gelados, fabricante de ladrilhos, trompetista e só mais tarde se tinha dedicado ao cultivo da coca. É no papel de dirigente sindical dos agricultores pobres do país que agora dirigente do Movimiento al Socialismo começa a destacar-se politicamente.

Depois, é um caminho rápido mas não fácil: em 1995 é eleito deputado, em 2002 lança-se numa candidatura presidencial em que chega ao segundo lugar. A guerra da água em Cochabamba primeiro e a guerra do gás depois, movimentos sociais amplos de protesto contra a privatização dos recursos naturais do país, são sinais de que o país esta a mudar. O vencedor das eleições Gonzalo Sánchez de Lozada demite-se. E nas eleições presidenciais de 2005 vence Evo Morales.

O primeiro impacto do novo governo acontece com a nacionalização do gás em guerra com as multinacionais. Para além disso, aumenta os impostos sobre as indústria de hidrocarbonetos, redistribuindo assim a riqueza do país.

Aliás, o foco na mudança de condições de vida para as comunidades mais pobres, nomeadamente para os indígenas, aos quais a constituição passou a reconhecer o estatuto de povos originários, será o ponto pelo qual é mais reconhecido. A constituição do país passou ainda a incluir o princípio indígena do “bom viver”, buscando-se harmonia, fim da discriminação, redistribuição, e valorizando-se os valores comunitários.