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Estudante universitário imolou-se e despertou protestos contra a precariedade em França
Na passada sexta-feira, um estudante universitário imolou-se em frente ao Centro Regional de Obras Universitárias e Escolares, em Lyon. Anas Kournif anunciou a sua decisão nas redes sociais, apresentando-a como um protesto político contra a precariedade na vida dos estudantes universitários franceses. "Se estou a visar o edifício do CROUS não é por acaso. Pretendo um lugar político, o Ministério do Ensino Superior e da Pesquisa e, por extensão, o Governo", escreveu numa publicação no Facebook.
Anas Kournif estuda Ciência Política e preparava-se para repetir pela terceira vez o segundo ano do curso, uma situação que o levou a perder a bolsa de estudo de 450 euros. "Este ano, ao fazer um terceiro L2 [segundo ano da licenciatura], não tinha bolsas e, mesmo quando as tinha, 450 euros por mês, isso é suficiente para viver?", questionou, acusando diretamente o presidente Macron e os ex-presidentes Hollande e Sarkozy de serem os autores do clima de incerteza e precariedade que vivem os estudantes.
Hospitalizado com 90% do corpo queimado e ainda em estado crítico, Kournif é um ativista conhecido do sindicato estudantil Solidaire e a reitora da Faculdade Lyon 2, Nathalie Dompnier, descreveu-o como um estudante “muito empenhado nos organismos” da Universidade e admitiu que a direção da universidade “não conseguiu prever nem prevenir este ato de desespero”.
Esta quarta-feira, os estudantes ocuparam a faculdade onde estuda Anas e reclamaram diálogo por parte dos organismos universitários e do governo. Desde terça-feira, realizaram-se protestos em dezenas de cidades francesas. Em Paris, os manifestantes dirigiram-se ao Ministério da Educação e arrancaram as grades da entrada do edifício, exigindo a demissão da ministra Frédérique Vidal. Em Lille, os estudantes impediram a realização de uma conferência do ex-presidente François Hollande na universidade sobre a crise da democracia, tendo rasgado e queimado vários exemplares do seu livro “Responder à crise”.
Em resposta, a ministra condenou os distúrbios causados pelos manifestantes em várias cidades, afirmando que “o gesto trágico cometido por um jovem na passada sexta-feira suscita uma emoção legítima, mas a violência não pode ter lugar na universidade”.
À Paris #LaPrecariteTue
Images : @T_Bouhafs pic.twitter.com/Iys2JS06p9
— Solidaires Rhône (@SolidairesRhone) November 12, 2019
Mais de um quinto dos estudantes em grandes dificuldades financeiras
Segundo um inquérito publicado no início deste ano letivo pelo sindicato estudantil Unef, 22.7% dos estudantes universitários franceses atravessou grandes dificuldades financeiras no ano letivo anterior. As despesas com alojamento representam quase 70% do orçamento mensal dos estudantes. A subida no preço das refeições das cantinas, bem como das rendas e das taxas obrigatórias têm agravado a situação, que é particularmente difícil para os estudantes estrangeiros não europeus, que viram as taxas de inscrição em licenciaturas e mestrados aumentar quase 1.500% — de 170 e 230 euros para 2.770 e 3.770 euros, respetivamente.
O montante mensal médio das bolsas é de 349 euros, com a bolsa máxima fixada em 555 euros. O mesmo inquérito da Unef diz que a despesa mensal de um estudante, já após ter recebido todas as ajudas possíveis, é de 837 euros. O efeito psicológico sobre os estudantes também é evidente: segundo um inquérito à saúde realizado em 2018 pelo Observatório Nacional da Vida Estudantil (OVE), 37% dos inquiridos admitem que se sentiram “tristes, deprimidos ou sem esperança” pelo menos durante duas semanas consecutivas. Mais de 8% disseram ter pensado em suicidar-se ao longo do ano letivo.
Para o sociólogo Michel Fize, autor do livro “Jovens ao abandono”, o descontentamento dos universitários não se tem traduzido em manifestações coletivas de descontentamento, o que considera “lamentável”. Para ele, tais manifestações “não iriam de certeza mudar a situação, mas permitiria aos estudantes, e aos jovens em geral, mostrar e provocar reações à sua situação difícil. Eles participaram muito pouco nas manifestações dos coletes amarelos” e no debate nacional que se seguiu, acrescentou à Yahoo Actualités.
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