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“Este é o momento de utilizarmos todos os recursos disponíveis para acudirmos às pessoas”

Nesta entrevista, José Soeiro defende que as medidas de emergência devem ser financiadas pelo Orçamento do Estado e não com o dinheiro dos descontos dos trabalhadores. E isso implica o abandono da “obsessão pelo superávite”, defende o deputado bloquista.

Em entrevista ao esquerda.net, o deputado José Soeiro fala das medidas anunciadas pelo governo e da insistência do Bloco para a proteção dos trabalhadores independentes. Para responder aos “impactos profundos” desta pandemia na economia e no emprego, José Soeiro defende que todas medidas devem ser financiadas “com uma transferência extraordinária do Orçamento do Estado”, com o governo e o país a assumirem que se trata de uma situação de emergência, evitando assim “delapidar a Segurança Social”.
 

Que medidas foram anunciadas pelo governo?

O governo já tinha anunciado duas medidas. Uma era a suspensão de contratos, o chamado lay-off, e a outra era a baixa por doença no caso de isolamento profilático. Ou seja, quando as pessoas fossem isoladas por decisão da autoridade de saúde passariam a ter uma baixa por doença paga a 100% e isso aplicava-se a trabalhadores por conta de outrem e a trabalhadores independentes. Agora, o governo anunciou além disso que ao encerramento das escolas está associado um apoio no valor de 66% do salário das pessoas para os pais e as mães que tenham de ficar em casa a tomar conta das crianças. Só um dos progenitores tem direito a esse apoio, mas podem utilizá-lo alternadamente.

Uma segunda medida agora anunciada é que o subsídio de doença - que no caso dos trabalhadores independentes ainda por cima só contava a partir do décimo primeiro dia - passa a contar a partir do primeiro dia em que as pessoas precisem, quando seja esse o enquadramento. Finalmente, o governo anunciou também que os trabalhadores independentes seriam abrangidos por medidas de compensação do seu rendimento e também, no caso de terem que tomar conta dos filhos em casa, receberiam um terço da média mensal do rendimento nos últimos três meses. E naturalmente este apoio tem de ter um teto mínimo, pois ninguém deve poder ficar com menos do que um Indexante dos Apoios Sociais ou um salário mínimo. Isso seria condenar as pessoas a uma situação de pobreza completa.

Qual a importância do Bloco ter exigido medidas de proteção dos precários?

Nós desde a primeira hora dissemos que há centenas de milhares de trabalhadores que não estavam abrangidos pelas medidas que estavam a ser pensadas para proteger os trabalhadores, porque não têm um contrato de trabalho. São trabalhadores a recibo verde, mas há também os trabalhadores das plataformas digitais ou os trabalhadores do setor informal, por exemplo as trabalhadoras domésticas.

Nós precisamos neste momento de não deixar ninguém para trás e insistimos que era muito importante que houvesse medidas que garantissem o rendimento, uma compensação para a perda de rendimento dos trabalhadores independentes. Como? Integrando-os nas mesmas condições que os trabalhadores com contrato no caso de subsídio de doença do isolamento profilático e no caso de estarem doentes. Isso felizmente foi agora garantido pelo governo e foi muito importante a nossa insistência também.

Em segundo lugar, entendemos que era preciso haver um apoio quando as pessoas ficam sem rendimento. Sugerimos que ele pudesse ser um apoio partilhado pelas entidades que cancelam os eventos, pelas entidades contratantes e pela segurança social. E que os trabalhadores independentes pudessem ter também alguma resposta no que diz respeito às contribuições. Aquilo que ficou decidido pelo governo foi o diferimento das contribuições quando as pessoas ficam sem rendimento.

Temos insistido que as entidades públicas devem dar o exemplo: entidades que contrataram serviços, espetáculos, eventos, formações a trabalhadores a recibo verde. Quando os cancelam, devem responsabilizar-se pela manutenção do rendimento destes trabalhadores. Hoje mesmo, o Teatro Nacional Dona Maria II decidiu que ia fechar as portas, mas que manteria todos os compromissos financeiros não apenas com os grupos, com as companhias, mas com os trabalhadores independentes. Isso é um exemplo muito importante e que do nosso ponto de vista devia ser aplicado em todo o país.

Que apoios podem vir a ser necessários com o evoluir da situação?

Os apoios que foram definidos para já, no caso do isolamento profilático é um apoio de 100%, noutros casos quando as pessoas ficam a tomar conta das crianças que não vão a escola é de 66% e noutros casos até pode ser menos, no caso de subsídio de doença. Dependendo do prolongamento da situação, há casos em que os valores que estão definidos vão ser claramente insuficientes.

Um trabalhador independente dificilmente sobrevive com 438 euros por mês. E portanto vai ser preciso provavelmente reforçar estes apoios, uniformizá-los e avançar com medidas que garantam que a crise de saúde pública não se transforma numa crise social. Por exemplo, impedindo que haja despejos, cortes de água, de luz, e que no fundo as pessoas fiquem privadas do acesso aos bens essenciais de que precisam para viver o seu dia-a-dia.

De onde que deve vir o financiamento destas medidas?

A crise de saúde pública que é suscitada pela pandemia do coronavírus vai ter impactos profundos do ponto de vista económico e do ponto de vista do emprego. Nós achamos que todas estas medidas devem ser financiadas com uma transferência extraordinária do Orçamento do Estado e não devem ser financiadas com as contribuições dos trabalhadores para a Segurança Social, porque o Orçamento do Estado é financiado com os impostos de todas as pessoas e de todas as formas de riqueza, não só do trabalho mas também dos rendimentos do capital. E por isso é que medidas como a suspensão de contratos em que esta é paga pelos próprios trabalhadores por via das suas contribuições são medidas injustas socialmente e que correm o risco de delapidar a Segurança Social.

É preciso preservar a Segurança Social, preservar os descontos dos trabalhadores e assumir que esta é uma situação de emergência e que numa situação de emergência deve haver uma transferência extraordinária do Orçamento do Estado para a Segurança Social, para fazer face a estas despesas. E sobretudo devemos deixar de lado as ideias ortodoxas de uma economia ortodoxa ou da obsessão pelo superávite. Este é o momento de utilizarmos todos os recursos disponíveis para acudirmos às pessoas. 

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