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Esquerda francesa apresenta programa e desafia Macron

Na passada quinta-feira, a NUPES, coligação da esquerda francesa, divulgou o seu programa para as legislativas de junho. Jean-Luc Mélenchon anunciou medidas como congelamento de preços, aumento do salário mínimo e reforma aos 60 anos com 40 de descontos.
Apresentação do programa da NUPES, 19 de maio de 2022 - Foto França Insubmissa
Apresentação do programa da NUPES, 19 de maio de 2022 - Foto França Insubmissa

Na apresentação, Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa e candidato a primeiro-ministro, defende que é possível acabar com os “maus-tratos” das políticas liberais e fazer recuar a extrema-direita. E aponta que no seu programa “é dada a prioridade às ruturas ecológicas e sociais que a nossa época impõe, quando se instala a mudança climática e se propagam as desigualdades”.

Como exemplos de medidas essenciais propostas pela coligação, Mélenchon aponta o congelamento de preços, o aumento do salário mínimo, o combate às violências sobre as mulheres, a reforma aos 60 anos com 40 anos de descontos, a proibição do glifosato, a defesa da planificação ecológica, a 6ª República e o referendo de iniciativa cidadã.

A NUPES (Nova União Popular Ecológica e Social) junta França Insubmissa, Europa Ecologia (EELV), PCF, Gerações (movimento liderado por Benoît Hamon) e PS numa aliança que disputa uma maioria para formar governo, com Jean-Luc Mélenchon candidato a primeiro-ministro. Na apresentação do programa, o líder da França Insubmissa desafiou para um debate Élisabeth Borne, atual primeira-ministra indicada por Emmanuel Macron.

De acordo com a apresentação, caso obtenha a maioria, a NUPES na Assembleia Nacional será composta por “vários grupos políticos reunidos num intergrupo” e constituirá uma maioria que apoiará em conjunto a ação do governo, nomeadamente “votando os orçamentos e os projetos legislativos” do programa da coligação.

Programa com oito capítulos

O programa, que está disponível na internet aqui: https://nupes-2022.fr/le-programme/, tem oito capítulos:

- Progresso social, emprego e reformas;

- Ecologia, biodiversidade, clima, bens comuns e energia;

- Partilha das riquezas e justiça fiscal;

- Serviços públicos: saúde, educação, cultura, desporto;

- 6ª República e democracia;

- Segurança e Justiça;

- Igualdade e luta contra as discriminações:

- União Europeia e internacional.

No final de cada um dos capítulos são assinaladas as propostas que cada partido mantém em alternativa a esse programa comum.

Salário mínimo líquido de 1.500 euros

Em França, desde 1 de maio de 2022, o salário mínimo bruto mensal é de 1.645,58 euros, sendo o salário mínimo líquido de 1,304,64 euros.1 O programa da NUPES propõe a subida do salário mínimo líquido para 1.500 euros e propõe a reforma aos 60 anos, com 40 anos de descontos.

No primeiro capítulo, são propostas também uma conferência sobre a redução do tempo de trabalho, que debaterá o restabelecimento das 35 horas semanais e a redução para 32 horas nos trabalhos penosos e no trabalho noturno.

É também proposta a criação de um milhão de empregos através do lançamento de grandes projetos ecológicos criadores de emprego.

A NUPES, que defende o emprego estável e os contratos por tempo indeterminado, propõe a instauração de quotas máximas de contratos precários: 10% nas PME e 5% nas grandes empresas. Defende também o reconhecimento do burnout como doença profissional.

São ainda propostas novas medidas de defesa da cidadania nas empresas e novos direitos para os assalariados, nomeadamente o aumento da representação dos trabalhadores nas estruturas de decisão das grandes empresas. É ainda defendido que os comités de empresa tenham direito de veto suspensivo nos planos de despedimentos. O PS e a EELV não apoiam esta proposta.

100% de energias renováveis e saída do nuclear

A coligação de esquerda propõe-se planificar a passagem a 100% de energias renováveis e a saída do nuclear, com “sobriedade e eficácia”. Assim, propõe abandonar os projetos EPR2, planificar o desmantelamento, reabilitação e reconversão dos locais nucleares. O PCF não apoia nem a saída do nuclear, nem o abandono dos projetos EPR.

A coligação propõe também que seja incrita na Constituição a regra verde, que impõe não tirar da natureza mais do que ela pode reconstituir, nomeadamente reconhecendo um estatuto jurídico à natureza.

Propõe ainda o lançamento de um plano de 200 mil milhões de euros em cinco anos para investir no restabelecimento de polos públicos na energia, nos transportes e na saúde, para “reindustrializar o país” por planos de fileiras ao serviço da bifurcação ecológica e social. E, que se organize a planificação a partir de novos indicadores de progresso humano e aumentar as metas climáticas da França com o objetivo de uma redução de 65% nas emissões até 2030 (em vez dos 40% atualmente), publicando um relatório anual da evolução.

Criar um polo público dos transportes e da mobilidade, em torno da SNCF reunificada e 100% pública. Recusar a abertura à concorrência das linhas de caminho de ferro. Suprimir as linhas aéreas, quando a alternativa de comboio é inferior a três horas, são outras medidas que constam do programa.

Garantir o acesso a todos os serviços públicos essenciais e a equipamentos desportivos e culturais a entre 15 e 30 minutos (de automóvel ou transporte coletivo).

A NUPES propõe ainda socializar os bens comuns fundamentais, garantindo a sua gestão pública e “impedindo o direito de propriedade privada de prevalecer sobre a proteção da água, do ar, da alimentação, da vida, da saúde e da energia”.

Fazer da água um desafio central da humanidade, criando um alto comissariado da água e inscrever como direito fundamental o acesso à água, ao saneamento e o direito à higiene e reprimir os cortes de água ilegais, é outra proposta do documento.

Revolução fiscal

O programa propõe-se tornar o IRS e a contribuição social generalizada (CSG) verdadeiramente progressivos e restabelecer e reforçar o imposto de solidariedade sobre a fortuna (ISF). Defende ainda que o IRC seja refundado, para defender as pequenas empresas; reduzir o IVA sobre os produtos de primeira necessidade; fazer do combate à fraude e à evasão fiscais uma prioridade.

Recusar a chantagem da dívida pública é outro compromisso do programa, defendendo que o BCE transforme a parte da dívida dos Estados que o banco central possui em dívidas perpétuas de taxa nula e fazer o BCE comprar a dívida pública que circula nos mercados financeiros e realizar uma auditoria cidadã à dívida pública.

A NUPES defende a criação de um polo público bancário, voltar atrás nas privatizações e renacionalizar os aeroportos estratégicos, as autoestradas e a empresa de jogo (Française des Jeux). Propõe o controle da finança e a desfinanciarização, instaurar uma taxa significativa sobre as transações financeiras, separar a banca de investimento da banca comercial. Nas medidas para erradicar a pobreza, quer instaurar uma garantia de dignidade, garantindo que nenhuma pessoa receba abaixo do limiar de pobreza (1063 euros por mês para uma pessoa só). E também garantir o direito à habitação, proibindo os despejos que não tenham oferta pública de realojamento, ou garantir o direito a um acesso mínimo gratuito de internet e a cobertura de rede em todo o país a um custo acessível até 2025.

Desenvolver um serviço público da arte e da cultura

A NUPES propõe um orçamento de 1% do PIB para a arte, a cultura e a criação, assim como o financiamento da investigação pública em 1,5% do PIB, a garantir até 2027. Propõe também erradicar o analfabetismo até 2027 e desenvolver a alfabetização para as pessoas não francófonas.

A coligação propõe também a criação de um serviço público da pequena infância e abrir 500.000 lugares em creches e jardins de infância. E “reconstruir uma escola global para a igualdade e a emancipação”, assegurando a gratuitidade real da educação pública, incluindo transporte, manuais grauitos, assim como alimentação, reduzir o número de alunos por turma, fazendo melhor que a média europeia, que é de 19 alunos por turma. Além disso, quer alargar a escolaridade obrigatória para os 18 anos, propondo se necessário uma garantia de autonomia a partir dos 16 anos.

A NUPES defende a refundação do ensino superior e a instauração da sua gratuitidade da licenciatura ao doutoramento, acabando com a precaridade de quem trabalha no ensino superior.

Passar à 6ª República e acabar com a monarquia presidencial

O programa defende a democratização do sufrágio, alargando o direito de voto para os 16 anos, reconhecendo o voto branco e garantindo o direito de voto aos residentes estrangeiros nas eleições locais. Defende o recurso obrigatório ao referendo, em caso de modificação da Constituição. Propõe também uma amnistia para sindicalistas, militantes ecologistas, ativistas e "coletes amarelos" que foram penalizados por defenderem o direito de manifestação. A imposição da paridade no Governo e no parlamento é outra exigência da coligação, bem como a eleição da Assembleia Nacional por escrutínio proporcional e a revisão do calendário eleitoral para dissociar as eleições legislativas das presidenciais.

União Europeia: novo projeto ao serviço da bifurcação ecológica e social

A NUPES defende como objetivo comum pôr fim ao “curso liberal e produtivista da União Europeia” e propõe a construção de um “novo projeto ao serviço da bifurcação ecológica, democrática e solidária”. Para isso, propõem tranformar a Política Agrícola Comum ao serviço da agroecologia e da agricultura camponesa; alargar os direitos sociais; encorajar e ajudar os Estados a garantir acesso universal aos serviços de saúde; economia ao serviço do clima e da cidadania, acabando com o Programa de Estabilidade e Crescimento e revogando as regras orçamentais dos 3% de défice e 60% de dívida; erradicar a evasão fiscal; instaurar proteções sociais e ecológicas; acolher dignamente os exilados; conquistar a igualdade, para harmonizar por cima os direitos das mulheres; reforçar a democracia, suspendendo os financiamentos europeua aos Estados membros que não respeitam o Estado de direito.

A NUPES salienta que algumas batalhas exigem renegociação dos tratados e regras europeias atuais, sublinhando que há pontos que estão em contradição com os imperativos de urgência ecológica e social e constituem sérios bloqueios à aplicação do seu programa. E alerta que será preciso “estarmos prontos a não respeitar certas regras” e defende um conjunto de posições a assumir.

A coligação propõe também convocar uma “Convenção europeia para a revisão e reescrita dos tratados europeus”, construída pelos parlamentos nacionais e o parlamento europeu, “associando as forças vivas e movimentos populares do continente”.

Notas:

2 European Pressurized Reactor, reator nuclear de terceira geração https://pt.wikipedia.org/wiki/EPR_(reator_nuclear)

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