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Espírito crítico, uma qualidade para ser aguçada desde tenra idade

Para poder responder aos desafios da informação, o espírito crítico natural deve ser equipado com conhecimentos e critérios ad hoc que permitam a identificação das fontes mais fiáveis e possibilitem reconhecer os conteúdos mais plausíveis. Por Elena Pasquinell.
Jogo infantil. Foto de Paulete Matos.
Jogo infantil. Foto de Paulete Matos.

O apelo a um pensamento mais crítico esconde frequentemente uma visão muito pessimista das nossas capacidades mentais. Cairíamos vítimas dos nossos "enviesamentos", essas influências que escapam a qualquer controlo e que nos fazem agir de forma irracional. E estaríamos prontos a acreditar em tudo. Assim, o pensamento crítico seria um ideal muitas vezes bastante difícil de alcançar.

No entanto, muito frequentemente, quando a informação nos é apresentada, colocamo-nos espontaneamente perguntas. De quem nos chega esta mensagem? Trata-se de uma fonte fiável que tem boas intenções e não tem interesse em nos mentir? A pessoa é realmente competente no assunto de que está a falar? Ele ou ela tem conhecimentos que nós próprios não temos? O seu argumento parece plausível?

Quando nos é recomendado um restaurante ou um filme, assistimos a um debate ou ouvimos um julgamento sobre uma pessoa, toda uma grelha de critérios é agitada nas nossas cabeças, alimentando dúvidas e tomadas de posições. E este tipo de reação intelectual instantânea acontece desde muito cedo. Aos três anos de idade, as crianças estão a ativar estratégias para avaliar o que lhes é dito ou pedido para fazer.

Questões de confiança

Tomemos estes exemplos – experiências da vida real que iremos resumir esquematicamente. Uma criança em idade pré-escolar assiste a dois vídeos. No primeiro, um adulto nomeia um número de objetos. Todos menos um são conhecidos da criança. O adulto (A) chama-lhe "snegg".

No segundo vídeo, outro adulto (B) faz o mesmo exercício. No entanto, quando chega ao objeto que a criança não conhece, apresenta-o sob o nome "hoog". Pergunta-se então à criança como se chama o objeto. E a mesma experiência é repetida com várias crianças.

O adulto (A) é bem conhecido das crianças, uma vez que é a sua professora. Mas o adulto (B) ensina noutra escola. E é a resposta da primeira pessoa que os jovens participantes de 3 a 5 anos escolhem de imediato.

Conclusão: As crianças não aceitam todas as informações da mesma forma e não escolhem o seu informador ao acaso. Neste caso, utilizam um critério implícito: a familiaridade, que pode ser interpretada como uma indicação de que o adulto não tem qualquer interesse em enganar a criança.

Mas a familiaridade não é tudo. Numa outra experiência com crianças de três a quatro anos, que foi semelhante em todos os aspetos, um dos dois adultos cometeu vários erros ao nomear objetos. Por exemplo, ele chama "bola" a um copo.

As crianças têm agora de escolher a quem perguntar o nome de um objeto desconhecido. Os resultados da experiência mostram que as suas preferências vão para o adulto que não comete erros com objetos conhecidos, pelo que escolhem o adulto que está mais bem informado.

Uma terceira experiência compara os efeitos da familiaridade com os da exatidão e da precisão das respostas. Neste caso, o informador conhecido é também o menos exato. E podemos ver que os critérios utilizados mudam com a idade.

Para as crianças de 3 anos, a familiaridade prevalece sobre a competência; não são abaladas pelos erros das pessoas que conhecem. Pelo contrário, para as crianças de 5 anos, a correção das respostas torna-se decisiva.

Outros indícios utilizados pela criança para avaliar a fiabilidade do informador foram destacados: a criança presta atenção à aprovação que o interlocutor recebe de outros adultos e à sua competência.

Indícios enganadores

Após um começo tão bom, como explicar o menosprezo tão comum face aos protocolos da ciência, a resistência às explicações que são amplamente aceites pela comunidade científica, como a responsabilidade humana pelas alterações climáticas? Como podemos explicar que aderimos a explicações duvidosas e que as deixamos circular livremente? Em suma, como podemos explicar a nossa – pelo menos aparente – falta de pensamento crítico?

Um ponto importante a salientar nos exemplos acima descritos é que os critérios que nós, adultos e crianças, utilizamos para avaliar a qualidade da informação fornecida pelos outros podem ser mais ou menos sofisticados e cognitivamente exigentes.

De facto, se quiséssemos ser muito seletivos, teríamos de estabelecer critérios mais dispendiosos, que avaliem a confiança através da adaptação às circunstâncias; por exemplo, reconhecendo que a mesma pessoa pode ser competente ou ignorante, dependendo da área em questão.

Mas nós nem sempre somos capazes ou estamos dispostos a fazê-lo. Confiamos em pistas gerais – tais como a familiaridade, a filiação em grupo, o prestígio – que, por outro lado, nos garantem outras vantagens (a de se instalar plenamente num grupo social, de seguir uma fonte reconhecida). No entanto, estes indícios podem ser enganadores ou inadequados às circunstâncias, demasiado simplistas para distinções finas.

Ferramentas a adquirir

Em qualquer caso, os mecanismos naturais do nosso espírito crítico não são infalíveis. Pior, estes indícios podem levar-nos a cometer erros ou serem usadas contra nós. Por exemplo, o prestígio de uma fonte pode ser ativa e deliberadamente manipulado na Internet, acrescentando-lhe "gostos" fictícios, criando assim uma impressão de fiabilidade.

O espírito crítico natural requer, portanto, a aquisição de ferramentas: ser dotado de critérios apropriados, de conhecimentos. Por exemplo, para saber se uma página da Wikipédia merece a nossa confiança, precisamos de saber como funciona a enciclopédia mais consultada do mundo: quem escreve nela, como uma página é aceite e modificada, o que significa quando nos é dito que faltam referências, etc.

Estes conhecimentos vão permitir confiar de uma forma mais fundamentada e, portanto, mais razoável, através do desenvolvimento de ferramentas apropriadas para avaliar a fiabilidade e a boa-fé das fontes de informação. Se estas fontes gozarem de boa reputação, poderemos julgar de onde provém e se é merecida com base em conhecimentos reais.

No entanto, a questão do espírito crítico – uma forma razoável e fundamentada de confiança, portanto – não se trata apenas de acumular e atualizar conhecimentos. Trata-se também de compreender o que torna uma informação mais fiável do que outra e o que está por detrás da palavra "especialista".

Tomemos o caso de um conhecimento científico, por exemplo: a Terra foi formada há cerca de 4,5 mil milhões de anos. Como é que sabemos se merece o nosso apoio?

Para isso, é necessário saber que este conhecimento é o resultado de múltiplos métodos de datação padronizados, reconhecidos pela comunidade científica como os melhores disponíveis.

Os geólogos e astrónomos que nos forneceram uma estimativa da idade da Terra têm o estatuto de peritos confirmado pela comunidade dos seus pares (como evidenciado pelas suas publicações, estatuto académico e outras indíces semelhantes).

Os seus conhecimentos são coerentes com outros corpos de conhecimentos produzidos por outras comunidades de especialistas, tais como as dos biólogos que trabalham na datação do aparecimento da vida na Terra.

Método científico

Tendo em conta o método, a sua compreensão, o reconhecimento pela comunidade científica ligada ao respeito por certas regras, a plausibilidade da afirmação com base noutros conhecimentos provenientes da investigação, sentimo-nos confiantes ao afirmar que a Terra tem cerca de 4,5 mil milhões de anos.

Não procuramos verificar este conhecimento pelos nossos meios (a propósito, quais?), mas apenas aprofundá-lo para o compreender melhor. Somos ingénuos por isso? Pelo contrário, acabámos de mostrar uma mente crítica avançada, uma vez que compreendemos o que faz da ciência uma fonte fiável.

Resumamos. Para poder responder aos desafios da informação a que somos chamados a responder, o espírito crítico natural deve estar equipado com conhecimentos e critérios ad hoc, permitindo a fácil identificação das fontes mais fiáveis, tornando possível reconhecer os conteúdos mais plausíveis, à luz dos métodos da ciência.

A abordagem científica pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico. É isto que a Fundação "A Mão na Massa", La Main à la Pâte, está a fazer, em conjunto com as escolas, para sensibilizar as crianças para a investigação desde uma idade muito precoce.

O desafio é ensiná-las a distinguir entre opinião e saber, a julgar o conhecimento com base nos métodos que levaram à sua produção e a utilizar estas competências na sua vida quotidiana para melhor avaliar a informação. Um projeto que continua na internet através de uma seleção de atividades no quadro da continuidade pedagógica.


Elena Pasquinelli é investigadora associada do Instituto Jean Nicod em Ciências Cognitivas. Trabalha na Fundação La Main à la Pâte.

Texto publicado em The Conversation. Traduzido por António José André para Esquerda.net.

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