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Espanha, eleições 20D e Podemos: Regresso à subida em comum

O Podemos, que entrou em pré-campanha debilitado e para baixo, conseguiu reverter a tendência e em cada dia de campanha avança posições, mostrando um dinamismo que os demais atores centrais em disputa não têm. Por Josep Maria Antentas
Pablo Iglesias, líder do Podemos, e Ada Colau, presidente da Câmara de Barcelona - Foto de Toni Albir/Epa/Lusa

A escassos dias do 20D, a fluidez da situação política é a nota dominante e a incerteza marca os prognósticos sobre o resultado. E mais ainda quando as sondagens se converteram numa arma estratégica mais destinada a criar opinião do que a refleti-la. No entanto, uma coisa parece clara: O Podemos, que entrou em pré-campanha debilitado e para baixo, conseguiu reverter a tendência e em cada dia de campanha avança posições, mostrando um dinamismo que os demais atores centrais em disputa não têm. Cresce numa campanha que parece tornar-se longa para os restantes.

O PP resiste, ainda que em mínimos históricos. O PSOE joga o tudo por tudo, aferrando-se ainda à ideia de se apresentar como a única alternativa de governo. Mas os seus problemas de credibilidade são notórios e não consegue nem aproximar-se suficientemente do PP, nem deixar para trás de forma clara os outros dois aspirantes. Os outrora pilares do sistema político, o partido de Rajoy e o de Sánchez, estão em conjunto abaixo dos 50%. Por sua vez, o Cidadãos, mantendo ainda uma intenção de voto impensável há pouco tempo, tem dificuldades em manter a linha ascendente do seu baralho regenerador e apresenta uma campanha construída sobre o nada e o vazio.

O Podemos, que entrou em pré-campanha debilitado, conseguiu reverter a tendência e em cada dia de campanha avança posições, mostrando um dinamismo que os demais atores centrais em disputa não têm

O Podemos foi perdendo força desde a passada primavera até tocar no fundo nas eleições de 27S na Catalunha, onde ficou aprisionado por uma polarização plebiscitária que impulsionou o Cidadãos para níveis estratosféricos, precisamente nas vésperas do 20D. Umas eleições que chegavam depois de um período angustiante em que dominava uma estabilização relativa de PP e PSOE, ainda que ambos estivessem não muito acima da linha de água, e em que a desestabilização do bipartidarismo vinha mais do empurrão de Cidadãos do que de um Podemos que parecia ultrapassado pela própria instabilidade eleitoral que ele tinha gerado.

Em várias ocasiões foi assinalada a necessidade de uma viragem, de não ficar em piloto automático trancado e levantar voo outra vez. E, quando já quase abundava o desalento, a viragem chegou. E com ela, o regresso à subida. No momento preciso. Quase no tempo de desconto. É sabido que o tempo político é tudo menos linear, que as carreiras políticas estão cheias de mudanças de ritmo. E manejá-las corretamente é fundamental para chegar à meta em boa posição.

A viragem teve três traços marcantes

Chega a partir das periferias catalãs e galegas

Primeiro, chega a partir das periferias catalãs e galegas. Periferias mais centrais que nunca. Talvez no fundo a tão ansiada centralidade consistisse em articular (e articular-se com) as periferias. Variável decisiva sem dúvida alguma, autêntica matéria pendente nos momentos decisivos na história política do Estado espanhol, e questão falhada demasiadas vezes na trajetória da presente segunda restauração borbónica.

A viragem é marcada pelo selo das confluências, das aspirações unitárias, da pluralidade como distintivo e, com ela, da plurinacionalidade

Segundo, a viragem é marcada pelo selo das confluências, das aspirações unitárias, da pluralidade como distintivo e, com ela, da plurinacionalidade. Não só os projetos periféricos como En Comú Podem e En Marea são mestiços e confluentes. O resultado final de conjunto também o é, pois a geminação recíproca entre ambos e Podemos transmite também esse sinal, que responde ao sentir popular de que há que juntar forças e almas diversas. Não de modo mecânico rígido, mas de síntese criativa superadora, que articule um povo que é tudo menos homogéneo, que cristalize uma indignação que é tudo menos monolítica, que se vá construindo um bloco heterogéneo onde previamente havia só fragmentos, magmas viscosos e átomos soltos.

A viragem vem na esteira do espírito do 15M, invocado de forma evidente por Pablo Iglesias na sua campanha e personificado pela entrada em cena, determinante e fundamental, de Ada Colau

Terceiro, a viragem vem na esteira do espírito do 15M, invocado de forma evidente por Pablo Iglesias na sua campanha e personificado pela entrada em cena, determinante e fundamental, de Ada Colau, que por sua vez traz consigo a mensagem das Câmaras da mudança. O significado disso é claro: quando Podemos entronca discursivamente com o que representou o 15M, com a alma das Mareas e a PAH, é quando dispara. Aí está expresso o sentir das pessoas. Aí está o quadro ganhador.

Este triplo cocktail, unido às boas prestações mediáticas e comunicativas de Pablo Iglesias, impulsionou este regresso à subida em contra-relógio. Para culminá-la, nestes últimos compassos da campanha, fica só uma questão pendente: a desmontagem de “a laranja mecânica” de Cidadãos, de que não há que ter medo de entrar no corpo a corpo para mostrar as suas falácias. O partido de Rivera vende uma “mudança sensata” de conteúdo oco, que cavalga sobre um fundo de despolitização social. Ao mesmo tempo, projeto com traço neoliberal e proempresarial e de tonalidade conservadora, a sua bandeira regeneracionista e anti-corrupção carece de qualquer credibilidade. Não haverá regeneração da política sem tocar nos estreitos laços entre esta e o poder económico.

Restam dias decisivos de campanha em que se condensam as contradições da crise política. Neles o que está em jogo é que o atual e impressionante regresso à subida possa acabar por converter-se num resultado definitivo que faça justiça ao clamor de mudança política e social que se expressou na rua do 15M em diante.

Artigo de Josep Maria Antentas, professor de sociologia da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), publicado em publico.es a 17 de dezembro de 2015. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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