Com os votos da maioria parlamentar e do Ciudadanos e a oposição do PP e Vox, o Parlamento espanhol aprovou na quinta-feira a lei de direitos sexuais e reprodutivos e de interrupção voluntária da gravidez (IVG). Além de repor a possibilidade retirada em 2015 pelo PP de jovens com 16 e 17 anos poderem recorrer à IVG sem necessidade de autorização expressa da tutela parental, a lei alarga o acesso aos meios contracetivos e reconhece o direito a executar a IVG num estabelecimento público mais perto do seu domicílio. Hoje em dia, dada a objeção de consciência dos profissionais de saúde nos hospitais públicos e a resistência da máquina burocrática do sistema de saúde, o acesso à IVG é quase exclusivamente feito em clínicas privadas. A nova lei também elimina alguns trâmites vistos como uma forma de infantilizar as mulheres, como a obrigação de receberem folhetos com informação antes de abortarem ou terem de esperar mais três dias após esse momento para fazerem a IVG.
A ministra da Igualdade, Irene Montero, lembrou no seu discurso que a entrada em vigor da lei não termina no momento da sua publicação. "Vão haver resistências na aplicação da lei, tal como aconteceu a todas as leis feministas", alertou a ministra, acrescentando que há muito trabalho a feazer junto das comunidades autónomas e das administrações hospitalares "para garantir que em todos os hospitais públicos haja pessoal suficiente para realizar abortos, respeitando o direito à objeção de consciência". A nova lei introduz também pela primeira vez na Europa o reconhecimento do direito à baixa menstrual paga, para os casos de menstruações dolorosas, e também o direito à baixa na 39ª semana de gravidez.
A tarde parlamentar ficou marcada por outra votação histórica, com a luz verde final dada pelos deputados à "lei trans", depois de passar pelas emendas no Senado. Esta lei vem permitir finalmente a despatologização das pessoas trans, permitindo a mudança de sexo no Registo Civil a partir dos 16 anos por vontade da pessoa, deixando assim de exigir uma intervenção cirúrgica ou hormonal ou um relatório médico a atestar disforia de género. Os menores entre 14 e 16 anos poderão fazê-lo também na companhia dos seus representantes legais, enquanto os menores entre os 12 e os 14 anos precisarão de autorização judicial.
As terapias de conversão da sexualidade e a modificação genital de menores de 12 anos são proibidas pela nova lei, que elimina também a obrigação dos casais de lésbicas a casarem-se para poderem registar os filhos como seus e cria um regime sancionatório para a igualdade de tratamento e não discriminação das pessoas LGBTI.
Irene Montero criticou a forma como os discursos transfóbicos tentaram dominar o debate da lei, ao argumentarem sobre o eventual aumento "alarmante" da homossexualidade ou que a lei obrigaria as crianças a tratamentos hormonais. Um discurso que "pôs a nu os que estão contra os direitos humanos e LGBTI e contra os direitos que fazem da sociedade uma sociedade melhor" e permitirão "a toda a gente ser quem queira ser sem medo, sem culpa e sem discriminação".