Em países vizinhos, Portugal e Espanha, a eletricidade estava a falhar generalizadamente. Na própria França, também tinha havido falhas em algumas zonas mais próximas da fronteira durante algum tempo. O debate da tarde desta segunda-feira na Assembleia Nacional francesa parecia portanto talhado à medida da situação.
Mas, como é óbvio, tinha sido marcado há muito e não era para ser marcado por acontecimentos foram do hexágono. O grande tema do dia era a versão preliminar da lei de Programação Plurianual de Energia apresentada pelo Governo que ia a debate ao parlamento sem direito a votação final. Uma sala semi-vazia era palco de um debate importante sobre a planificação da produção de eletricidade até 2035 e a discussão fazia-se sob a ameaça de uma moção de censura da extrema-direita.
Na tribuna, François Bayrou, o primeiro-ministro francês, piscava o olho à atualidade afirmando que “a importância deste debate não passará despercebida a ninguém. Basta um olhar periférico”. De resto, os problemas periféricos pareciam não o interessar de todo com a sua atenção centrada sobretudo nas promessas de uma energia “abundante, competitiva, descarbonizada e soberana”. A segunda promessa era a de “neutralidade carbónica”. Mas esta só para 2050. Como via para este seu objetivo, ao mesmo tempo que manifestava um contido apoio “fundamentado” às energias renováveis que deve ser feito de forma “progressiva”, insistia que a energia nuclear, aquela que seria tão abundante e competitiva, era a verdadeira grande prioridade com as propostas de prolongamento da vida das centrais em funções e construção de mais seis reatores nucleares.
O nuclear, gabava-se, “não custa nada em dinheiro público, contrariando o relatório dado a conhecer em janeiro pelo Tribunal de Contas francês.
O primeiro-ministro prometia ainda compatibilizar a proposta final com a lei de programação do setor apresentada pelo senador de direita Daniel Gremillet. Só que a direita não se mostrava particularmente convencida. Jérôme Nury, do Les Republicains, instava ao invés a retirada de um “decreto mortífero” que colocaria “o futuro da França e talvez do seu governo em jogo”. O problema para esta retórica tão atiçada? As juras pró-nuclear de Bayrou não eram suficientemente fortes e deixavam lugar para algum investimento nas renováveis, apresentadas como um “sorvedouro financeiro e de uma ineficiência hilariante” e como uma forma de “tornar a paisagem feia”.
Inerente à forma desta tomada de posição estava também a competição com a extrema-direita que no mesmo debate alinhou com o coro pró-nuclear e de fustigação das energias renováveis, mas tentava aumentar a parada da dramatização. Para a União Nacional, estas são energias “intermitentes” que não são de fiar. O seu deputado Jean-Philippe Tanguy afirmou mesmo ser uma “energia fatal”.
A ameaça de uma moção de censura sobre o tema continua em cima da mesa. Apesar de não caber à dirigente efetiva do partido, Marine Le Pen, colocá-la. Esta critica um “decrescimento energético louco” que seria a base dos planos governamentais.
O mesmo Tanguy acrescenta que se Bayrou se aliar à esquerda “descobrirá que Marine Le Pen não é parva e apanhará com a censura que evitou hoje”. Aliar à esquerda, para ele, será manter uma posição criticada pela esquerda.
Ao longo do debate, os Verdes, pela voz de Julie Laernoes, atacavam a “miragem do todo-poderoso nuclear” que “não evitará um único grama de CO2 na próxima década e aumentará ainda mais a fatura” dos consumidores. O caminho seria reforçar a aposta nas energias renováveis e “depender dos nossos próprios recursos naturais” de forma a manter a soberania.
Por seu lado, Maxime Laisney, deputado da França Insubmissa, disparava contra o Governo: “Vocês estão a organizar tanto a escassez de eletricidade em 15 anos como a explosão do preço das faturas agora”, numa intervenção em que também argumentou existirem dificuldades tecnológicas ligadas à energia nuclear.
Os socialistas, pela voz de Anna Pic, não eram tão claros quanto o resto dos parlamentares que tinham ido a votos a seu lado, defendendo uma “aliança” entre “a nossa frota nuclear histórica” e o “ambicioso desenvolvimento das energias renováveis”.
Ao passo que a direita diz haver renováveis a mais no plano do governo e hostiliza Bayrou por isso, o Sindicato dos trabalhadores das energias renováveis ficou com a impressão contrária do debate. Denuncia que o primeiro-ministro não deixou de transmitir uma “visão muito ansiogénica das energias renováveis” e diz que isto “enviou um sinal desastroso ao conjunto das empresas do setor”.