Emily Dickinson – Uma Mulher, Um Ícone

06 de outubro 2024 - 16:11

A sua poesia está envolta em rebeldia contra a sociedade patriarcal dominante que a impedia de voar. Então fazia-o na sua poesia, questionando a própria essência da mulher na sociedade e o seu estatuto na mesma.

por

Elisabete Frade

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Emily Dickinson
Emily Dickinson

Todos temos os nossos heróis pessoais e pessoas que admiramos. Para mim, uma dessas pessoas é a minha poeta preferida, Emily Dickinson.

Este texto não é uma biografia, até porque muito pouco se sabe sobre a sua vida; é um tributo a uma mulher que abriu intelectualmente as portas para a igualdade e que nunca recuou nas suas crenças.

Emily Elizabeth Dickinson nasceu a 10 de dezembro de 1830 em Amherst, Massachusetts nos Estados Unidos da América e morreu a 15 de maio de 1886 no mesmo local, devido a uma inflamação dos rins.

Era de uma família católica e conservadora, muito promitente e com fortes laços com a comunidade. Mas Emily era tudo menos isso.

Ao recusar declarar a fé católica, abandonou o seminário para raparigas, onde passou muito pouco tempo. Preferia tópicos científicos, tinha um interminável desejo de aprender e escrever.

Devido à sua personalidade, era vista como uma excêntrica.

A sociedade e mentalidade patriarcal do século 19 via a mulher de uma determinada forma e Emily não encaixava nos moldes predeterminados por uma sociedade que não compreendia. Uma mulher não tinha sido criada para estudar, muito menos escrever poesia, então Emily rejeitou a sociedade, sendo uma rebelde contra os princípios de família rígidos, transgredindo a tradição e o consenso social e cultural do seu tempo.

Foi uma figura importante para o feminismo, desafiando a ideia de uma mulher obediente ao género oposto. Um eco distante da igualdade de género, abriu as portas para gerações futuras fazerem o que ostentava na sua poesia.

Pagou o preço por ter nascido numa época onde a mulher tinha um mero papel doméstico mas nada a impediria de se tornar num dos poetas mais importantes da história da literatura americana.

Aos 23 anos começou lentamente a distanciar-se da sociedade e aos 30 passava a maioria do tempo dentro de casa. A sua personalidade forte e rebelde ficou confinada, tendo pouco contacto com o mundo exterior, comunicando os seus amigos através de carta.

Era com relutância que recebia convidados e quando se recusou a sair do quarto, ficou conhecida como a Grande Reclusa.

Passou mais de vinte anos sem sair de casa e sem receber visitas. O seu foco era a escrita, cuidar da mãe doente, cozinhar, cultivar flores exóticas e o seu fiel companheiro, o seu cão, Carlo.

Emily tinha uma relação muito próxima com os seus sobrinhos. Em 1883, o seu sobrinho Gilbert morreu de febre tifoide aos oito anos. Foi uma das poucas vezes que saiu de casa. Passou a última noite de vida do seu amado sobrinho ao seu lado. A sua morte afectou-a tanto que passou o resto do ano inválida e nunca recuperou completamente. Escreveu:

"Vejo-o na estrela, e encontro a sua doce velocidade em tudo o que voa – A sua vida era como a sua corneta, que se afasta, a sua elegia, um eco – a seu êxtase, um réquiem".

Embora tenha escrito cerca de 1800 poemas e inúmeras cartas, apenas 10 foram publicados. Um desses poemas, o bem conhecido "Safe in their Alabaster Chambers", foi publicado no Springfield Daily Republican em 1862.

Abordava temas como a solidão, dor, felicidade, êxtase, morte, religião, natureza, espiritualidade ,mortalidade e perda. A sua forma única de escrever poesia, nunca antes vista, tiveram uma grande influência na literatura Americana.

Numa época em que os poemas eram editados para se adequarem às regras poéticas da época, foi só após a sua morte, que a genialidade poética de Emily Dickinson foi dada a conhecer ao mundo.

A sua irmã Lavínia encontrou os poemas escritos da irmã e, mesmo contra a sua vontade (que lhe pediu para os queimar), foram publicados, embora com muitas alterações, incluindo o nome da sua cunhada, Sue, a quem dedicava muita da sua poesia.

Há um conjunto de evidências que apontam para um romance entre Emily e a sua cunhada, Sue Gilbert, durante décadas.

A sua sobrinha, Martha Dickinson Bianchi publicou alguns poemas adicionais em 1945 mas, apenas em 1955 é que a sua poesia integral foi publicada, sem quaisquer edições ou alterações.

Alguns dos seus poemas mais conhecidos são "Porque não pude parar para a morte"; "Não sou ninguém"; "A esperança é uma coisa com penas", entre outros.

Emily tinha uma consciência feminista, com a noção que as mulheres poderiam explorar as suas emoções e criar poesia. E foi através da sua poesia que deu os primeiros passos na maratona do feminismo, criando os alicerces para futuras mulheres terem a possibilidade de se expressarem intelectual e emocionalmente, de uma forma nunca antes vista.

Rompeu com as barreiras entre estilos de escrita tradicionais, com poemas únicos que abordavam o feminismo onde submetia a sua individualidade e genialidade.

Quebrou as convenções sociais, expressando aspectos do papel da mulher com uma visão progressiva e futurista. Desafiou a cultura que a rodeava e todas as suas crenças.

A definição de beleza feminina na altura, estava relacionada com o padronizado pela vontade masculina, sendo que uma mulher bela tinha de tratar de todas as necessidades do seu marido. Emily abordou este estereótipo, redefinindo o seu sentido. Para Emily, beleza e verdade expressa em palavras são uma coisa só e a verdadeira beleza é a forma como se vê a si própria e não a forma como os outros a veem, ou seja, apenas a própria detentora da beleza tem o poder para definir a sua beleza.

Emily questionava este sistema arcaico e estabelecia a noção que visto que são as mulheres que determinam a sua beleza, logo são também elas que determinam o seu papel na sociedade.

Ao rejeitar a noção do homem dominante, recusou casar, algo impensável no século 19, recusando portanto, ser submissa.

Provavelmente o seu amor por Sue também teve algo a ver com esta decisão.

Pagou um preço pesado pela sua visão progressista, uma vida de solidão. Mas queria cortar as amarras, não permitir ser confinada por um homem ou definida por ele, mostrar que não precisava de qualquer figura masculina para ter sucesso.

Esta dinâmica intelectual foi um precedente do movimento feminista. Numa época onde o confinamento da mulher não era meramente físico, mas também mental e intelectual, Emily recusava-se a não dar a sua opinião e a se expressar.

A sua poesia está envolta em rebeldia contra a sociedade patriarcal dominante que a impedia de voar. Então fazia-o na sua poesia, questionando a própria essência da mulher na sociedade e o seu estatuto na mesma.

Recusou diminuir-se e encaixar numa sociedade que não fazia sentido na sua mente, condenando os valores castradores de submissão e domésticos comuns da sua época.

Nunca viverei em vão, se puder

Salvar de partir-se um coração

Se eu puder aliviar uma vida

sofrida, ou abrandar uma dor

Ou ajudar exangue passarinho

A subir de novo ao ninho -

Não viverei em vão

Emily Dickinson