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Eleições na Bulgária: Vaga populista baralha jogo político

Os partidos conservador e social-democrata que alternavam no governo sofreram perdas significativas, a extrema-direita implodiu e os movimentos populistas e que apostaram na retórica do combate à corrupção tiveram um excelente resultado. Por Jorge Martins.
Boyko Borissov, primeiro-ministro búlgaro vota nas eleições legislativas. Foto do Gabinete de Imprensa do governo/EPA/Lusa.
Boyko Borissov, primeiro-ministro búlgaro vota nas eleições legislativas. Foto do Gabinete de Imprensa do governo/EPA/Lusa.

As eleições legislativas realizadas no passado dia 4, na Bulgária, tiveram como facto mais relevante o excelente resultado da nova formação populista ITN e de outras forças políticas que fizeram do combate à corrupção a sua bandeira. Os dois maiores partidos (o conservador GERB, atualmente no poder, e o social-democrata BSP), que se têm alternado na governação, sofreram perdas significativas, enquanto a extrema-direita, dividida, implodiu, perdendo a representação parlamentar. O atual primeiro-ministro, Boyko Borisov, não deverá conseguir formar governo, estando à vista nova ida às urnas.

Uma república semiparlamentar

A Bulgária possui um regime que podemos apelidar de semiparlamentar.

O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de cinco anos, apenas podendo ser reeleito mais uma vez, consecutiva ou não. Tem de ter mais de 40 anos e ter residido no país nos cinco anteriores à candidatura.

Os seus poderes são relativamente reduzidos, sendo o mais importante o de vetar leis emanadas do Parlamento. Poderá, ainda, nomear um governo de gestão em caso de impasse na formação do executivo.

Em caso de traição ou violação da Constituição, pode ser alvo de “impeachment”. O processo terá de ser iniciado por 1/4 dos deputados e votado por uma maioria qualificada de 2/3. Se esta for obtida, o processo é remetido para o Tribunal Constitucional, que tem um mês para decidir pela sua culpabilidade ou inocência.

O poder executivo reside no Governo, presidido por um primeiro-ministro, nomeado pelo presidente de acordo com os resultados eleitorais. Assim, aquele nomeia a pessoa designada pelo partido ou coligação mais votado. Para poder ser investido, tem de ter o voto favorável da maioria absoluta dos parlamentares em efetividade de funções. Se este não conseguir formar um executivo, essa incumbência passa para a segunda força política. Caso esta também não o consiga, o chefe de Estado pode nomear uma personalidade à sua escolha para formar um governo de gestão até à realização de novas eleições.

Por sua vez, o poder legislativo cabe ao Parlamento, a Assembleia Nacional. Este é unicameral, sendo constituído por 240 membros, eleitos por sufrágio universal, direto e secreto para um mandato de quatro anos.

Do ponto de vista da divisão administrativa, o país é um dos mais centralizados da União Europeia, sendo, juntamente com Portugal Continental, o único de média dimensão que não possui órgãos intermédios eleitos.

Assim, ao nível regional, divide-se em 28 províncias (oblasti), designadas pelos nomes das respetivas capitais e dirigidas por um governador civil, nomeado pelo governo central.

Ao nível local, existem 256 municípios (občini), dotados de um presidente e um conselho municipal, diretamente eleitos para um mandato de quatro anos.

Um sistema eleitoral proporcional

Os parlamentares são eleitos através de um sistema de representação proporcional. O apuramento dos mandatos é feito a nível nacional, através da utilização de um quociente eleitoral simples (quota de Hare-Niemayer), com os mandatos remanescentes a serem atribuídos aos maiores restos.

Existe uma cláusula-barreira, correspondente a 4% dos votos nas listas partidárias. Isto porque os eleitores podem votar em candidatos independentes ou na opção “não apoio nenhum”. Os votos naqueles ou nesta última, tal como os brancos e nulos, não são considerados para o cálculo daquele limiar.

Após os lugares serem distribuídos pelas forças políticas que ultrapassaram a cláusula-barreira é feita a sua distribuição pelas 31 circunscrições, correspondentes às 28 províncias do país, exceto a da cidade de Sófia (dividida em três círculos) e a de Plovdiv (em dois). Existe uma 32ª circunscrição dedicada à emigração, mas esta não elege ninguém, contando os respetivos votos apenas para a distribuição nacional dos mandatos.

O contexto político

Nas eleições de 2017, o GERB não só triunfou, mas também subiu a sua votação, e Boyko Borisov manteve-se no cargo de primeiro-ministro. Foi a primeira vez, desde a transição para o capitalismo, em 1989, que um chefe de governo foi reeleito.

Contudo, o Bloco Reformista (RB), formação de centro-direita e seu parceiro de coligação, sofreu numerosas perdas e não passou a cláusula-barreira, ficando fora do Parlamento.

Não querendo aliar-se ao Movimento dos Direitos e Liberdades (DPS), que representa a numerosa minoria turca do país (14% da população), acabou por coligar-se com os Patriotas Unidos (OP), uma aliança que juntou três formações da direita nacionalista e da extrema-direita, sendo que duas delas já lhe haviam dado apoio parlamentar na legislatura anterior.

A governação foi controversa. Borisov revelou-se um líder autoritário, que, a pretexto do combate à corrupção, fez passar legislação que deu amplos poderes ao procurador-geral, que os utilizou para perseguir opositores e jornalistas. Tem valido ao primeiro-ministro búlgaro não ter, ao contrário de Orbán ou do PiS polaco, uma retórica racista e xenófoba, como o primeiro, ou uma agenda ultrarreacionária, como o segundo, afirmando-se sempre como pró-UE, pelo que tem escapado ao “radar” desta.

Para agravar a situação, a corrupção, que já vinha do antigo regime e se agravou após a transição, revelando-se cada vez mais endémica, cresceu, com o Estado e suas instituições cada vez mais capturados por diferentes máfias, e o país não só continua a ser o mais pobre da UE, mas também vê os outros parceiros cada vez mais longe, em especial a vizinha Roménia, com quem partilhava a “lanterna vermelha” na altura da adesão de ambos à União Europeia, em 2007.

Em julho de 2020, o procurador-geral ordenou uma investigação ao gabinete do presidente Radev, eleito com o apoio do BSP, o principal partido da oposição, e crítico de Borisov. Apesar da situação pandémica, rebentaram grandes protestos antigovernamentais nas ruas de Sófia e outras cidades búlgaras, que tiveram o apoio de vários setores da oposição parlamentar e extraparlamentar. No início de setembro, a repressão policial abateu-se sobre os manifestantes, com o presidente a acusar o governo de radicalizar os protestos. Em meados do mês, deu-se uma invasão do Parlamento. A partir daí, os protestos tornaram-se mais espaçados, com ações em frente ao Parlamento, aos ministérios, à câmara municipal de Sófia, às sedes dos partidos apoiantes do governo e do turcófono DPS e também às residências de oligarcas e do primeiro-ministro. E só a aproximação da campanha eleitoral levou à sua interrupção, no início de março deste ano.

Análise dos resultados eleitorais

Vamos, agora, fazer a análise ao desempenho das principais forças políticas neste ato eleitoral.

Dado o facto de, para efeitos de aplicação da cláusula-barreira, serem apenas contabilizados os votos em listas partidárias, não contando os da opção “não apoio nenhum” (1,5% do total nestas eleições) e dos candidatos independentes (uns residuais 438 boletins), é aquela opção que preside à apresentação dos resultados oficiais e a que aqui adotamos.

Por outro lado, referir-nos-emos, por vezes, às seis regiões estatísticas do país, denominadas pelos pontos cardeais e/ou posição no território.

GERB-SDS

O GERB (Cidadãos para o Desenvolvimento Europeu da Bulgária), aliado à SDS (União das Forças Democráticas), voltou a ser o mais votado nestas eleições, tendo obtido 26,2% dos votos e eleito 75 deputados. Contudo, recuou face a 2017, quando, isoladamente, obtivera 33,5% e 95 eleitos. Por seu turno, o seu parceiro era, então, parte do Bloco Reformista (RB), que, com 3,1%, ficou fora do Parlamento.

É um partido conservador, membro do PPE, fundado em 2006 por Boyko Borisov. Nasceu em março daquele ano, a partir de uma cisão no então Movimento Nacional Simeão II, mais tarde Movimento Nacional para a Estabilidade e o Progresso (NDSV em ambos os casos), como associação cívica, tendente a preparar o país e os cidadãos para a adesão à UE, vista como uma forma de assegurar o desenvolvimento e a prosperidade do país. Em dezembro desse ano, transformou-se em partido político.

Para além de pró-UE, é também economicamente liberal e conservador nos costumes, embora não reacionário, e possui alguns laivos populistas, estando bastante centrado na figura do seu líder e atual primeiro-ministro.

Este é uma personagem controversa. Antigo oficial do ministério do Interior, consta que teria sido membro da polícia secreta. Foi segurança do antigo ditador “comunista”, Todor Zhivkov, e, mais tarde, do ex-rei Simeão II, quando este regressou ao país e fundou o seu próprio partido. É considerado um oportunista, que voga ao saber dos ventos que sopram. Como referimos acima, a sua governação assumiu um cariz autoritário e corrupto e há quem o acuse de ligações às máfias que pululam no país e” infetam” o aparelho de Estado.

Por seu turno, a SDS, fundada em 1989, é, igualmente, uma formação conservadora, pró-UE e de matriz democrata-cristã. Foi o primeiro partido oposicionista ao antigo regime e ao BSP, sucessor do partido comunista, e a principal formação do centro-direita até à sua derrota nas eleições de 2001, às mãos do novo partido do antigo monarca. A partir daí, tornou-se uma força política de menor dimensão, que passou a concorrer às eleições coligada com outras do centro, centro-direita e direita.

A aliança teve, ainda, o apoio de uma pequena formação turcófona: o Movimento para a Unidade do Povo (DEN).

Em outubro de 2020, o GERB sofreu uma cisão, liderada pelo ex-nº 2 do partido, Tsvetan Tsvetanov, acusado de corrupção num escândalo imobiliário. Este criou um novo partido de centro-direita, os Republicanos pela Bulgária (RzB), que não foi além de 1,3% nas urnas e não entrou no Parlamento.

Nestas eleições, apesar dos problemas internos e da sua crescente impopularidade, fruto dos casos de corrupção que atingiram vários membros do seu executivo e do seu partido, Borisov conseguiu manter-se como o mais votado, apesar de lhe ser difícil encontrar aliados para se manter à frente do governo.

Embora o melhor resultado da aliança tenha ocorrido na província de Haskovo, no Sul Central, os seus melhores desempenhos ocorreram, em geral, no Sudoeste, inclusive na província de Sófia, que abrange as suas periferias, de onde Borisov é natural. Porém, na da capital, ficaram bem abaixo da média. Conseguiu, ainda, boas votações no Noroeste, a região mais pobre do país. Foi o mais votado em 23 circunscrições.

Ao invés, os piores ocorreram no Centro Norte, igualmente pobre, e nas áreas habitadas maioritariamente por pessoas de etnia turca. Na segunda cidade búlgara e respetiva província, situadas no Sul Central, ficou um pouco abaixo da média, mas aguentou-se.

Estimamos que o GERB conservou apenas 68,5% dos que nele votaram há quatro anos, tendo perdido 12,5% para a abstenção, 6% para o novo partido populista ITN, 3% para a aliança centrista Bulgária Democrática (DB), igual valor para o conjunto da opção “nenhum” e para votos inválidos, 1,5% para os RzB, o mesmo para o turcófono DPS, 1% para o BSP e seus aliados e 3% para outras forças políticas.

Entretanto, na composição do seu eleitorado, 90% serão seus eleitores de 2017, a que se somaram apenas 3,5% vindos do BSP e aliados, 1% do Bloco Reformista (RB), onde, então, se integrara o SDS, outro tanto dos Patriotas Unidos (OP), o mesmo de abstencionistas e novos eleitores e 3,5% de outras opções de voto.

ITN

A grande surpresa deste ato eleitoral foi o novel partido Existe Tal Povo (ITN), liderado pelo produtor/apresentador televisivo e músico Slavi Trifonov, que, ao obter 17,7% dos sufrágios e 51 mandatos, se alcandorou a segunda força política nacional.

Em 2016, Trifonov foi o primeiro proponente de um referendo sobre a reforma do sistema político, que decorreu juntamente com as presidenciais. A consulta não foi vinculativa por uma “unha negra”, pois a afluência foi de 50,8%, inferior aos 51,0% das legislativas anteriores, realizadas em 2014. Contudo, como os 73,8% que votaram “sim” representaram mais de 20% do total de inscritos, a proposta foi discutida no Parlamento, que a rejeitou.

Então, em 2019, fundou o partido, que viria a participar nos protestos iniciados no ano seguinte. Inicialmente, pensou em designá-lo por Não Existe Tal Estado, mas o Tribunal Constitucional recusou-lhe o nome, pelo que recorreu ao atual, que é o título de um dos seus álbuns, datado de 2017.

A formação não tem uma matriz ideológica definida, sendo classificada, simplesmente, como populista. Entre os seus objetivos, contam-se o combate à corrupção e a reforma do sistema político.

Três das suas propostas já haviam sido apresentadas no referendo, como a limitação da subvenção do Estado aos partidos, a instituição do voto obrigatório e a substituição do sistema de representação proporcional pelo maioritário a duas voltas. A essas acrescentou: a redução para metade do número de deputados; a permissão do voto eletrónico; a criação de condições para a desburocratização, através do e-governo; a instituição de formas de democracia direta, como o recurso frequente ao referendo, a eleição direta dos governadores e diretores regionais, do procurador-geral e do provedor de justiça e, por fim, o aprofundamento da integração do país na UE.

A insatisfação geral com a corrupção dos partidos tradicionais (não apenas o GERB, a SDS e o BSP, mas também o DPS) e a sua incapacidade em melhorar o nível de vida da população levou a que o ITN concentrasse grande parte do voto de protesto, em especial da juventude, dos emigrantes e dos mais desfavorecidos. Resta saber se esse grito de revolta se poderá traduzir numa alternativa governativa, o que não parece fácil.

O seu melhor resultado ocorreu na diáspora, onde foi o mais votado, ultrapassando os 30%. No território nacional, registou as suas maiores votações nas províncias rurais, em especial no Norte Central, tendo vencido na de Ruse e perdido tangencialmente na de Pleven, no Noroeste, de onde o seu líder é natural. Teve, ainda, um bom desempenho na estância balnear de Varna, no Nordeste, na cidade de Plovdid e, em menor grau, na sua periferia e na de Sófia.

Em contrapartida, os piores registaram-se nas zonas de maioria turca. Ficou, ainda, abaixo da média nacional nas áreas centrais de Sófia e em algumas províncias do Sudoeste e do Sul Central, bem como no de Burgas, no Sueste.

O seu eleitorado terá tido as seguintes proveniências: 41% do BSP e seus aliados, 17% do conjunto da opção “nenhum” e votos inválidos, 12% do GERB, o mesmo dos OP, 6,5% do Volya (Vontade, da extrema-direita populista), 6% da abstenção e 5,5% de outras forças políticas.

BSP+

Um dos grandes derrotados foi a lista do Partido Socialista Búlgaro (BSP) pela Bulgária, liderada por Korneliya Ninova, até agora a principal formação da oposição, que recolheu apenas 15,0% dos votos e 43 mandatos e foi relegada para terceira força política, quando, em 2017, havia conseguido 27,9% e 80 lugares. Foi o seu pior resultado de sempre em eleições democráticas.

O BSP é o herdeiro do antigo partido comunista, que dirigiu o país “com mão de ferro” entre 1944 e 1989. Com a queda dos regimes similares noutros países do então bloco soviético, mudou, no último daqueles anos, a sua designação para a atual e transformou-se numa formação social-democrata, membro do Partido dos Socialistas Europeus. Desde então, tem sido uma das forças políticas alternantes no governo do país.

Tal como os restantes partidos dessa área política, rapidamente se converteu ao neoliberalismo, apoiando as privatizações, embora mantenha como doutrina a defesa dos serviços públicos. Por outro lado, e ao contrário da maioria dos seus parceiros social-democratas europeus, mostra-se conservador em matéria de costumes, opondo-se à ratificação da Convenção de Istambul sobre direitos das mulheres e igualdade de género e ao casamento LGBT, sendo frequentes as declarações homofóbicas de alguns dirigentes do partido. Possui, ainda, no seu interior, uma corrente russófila.

As suas governações não deixaram saudades: a primeira, entre 1994 e 1996, terminou numa crise de hiperinflação; a segunda e mais longa, entre 2005 e 2009, conduziu a Bulgária à UE, mas um escândalo de desvio dos fundos europeus, com graves acusações de corrupção a membros do governo e do partido, levou à sua derrota nas eleições seguintes; a terceira, uma “geringonça” com o turcófono DPS, foi breve, entre 2013 e 2014, tendo terminado com um escândalo de espionagem, envolvendo o seu então parceiro de governo.

Habitualmente, concorre em coligação com pequenas forças políticas, que funcionam como seus apêndices eleitorais. Da aliança de há quatro anos, saíram duas formações, mantendo-se as seguintes quatro: o Partido Comunista da Bulgária (KPB), fundado em 1996; a Ecoglasnost, ecologista, criada em 1989 e uma das componentes fundadoras da SDS; a Nova Aurora (NZ), da esquerda nacionalista e, por fim, a Trakiya, nacionalista trácia.

O mau resultado deve-se à vários fatores. Em primeiro lugar, a atual líder está longe de ser uma figura consensual no seio do partido: após se ter demitido na sequência do resultado das europeias de 2019, foi reeleita em congresso, mas não se livrou de uma forte oposição interna. Por outro lado, o partido é visto como um dos responsáveis pela corrupção e pobreza endémicas do país, não sendo percecionado pela maioria do eleitorado como uma verdadeira alternativa. Assim, foi o ITN que concentrou o voto de oposição ao governo de Borisov, muito à custa do BSP e seus aliados, como veremos já de seguida.

Habitualmente, as suas áreas de maior implantação são as zonas rurais mais pobres e envelhecidas. Desta vez, o seu melhor resultado ocorreu na província de Yambol, no Sueste, a única onde venceu, embora as suas maiores votações se tenham registado no Noroeste e no Norte Central, como de costume, e na periferia de Plovdiv. Razoável, ainda, o seu desempenho nas zonas periféricas de Sófia.

Por seu turno, os seus desempenhos mais fracos tiveram lugar na emigração e nas áreas de maioria turca, mas foram, igualmente, menos bons nas áreas centrais de Sófia e na maioria das províncias do Sul e do Leste do país.

Dos seus votos de 2017 apenas terá conservado 47,5%, tendo visto fugir 25% para o ITN, 12,5% para a abstenção, 3% para o GERB, 2,5% para o conjunto de “nenhum” e votos inválidos, 2% para a DB, 1,5% para a nova aliança anticorrupção Levantem-se! Máfia, Fora! (ISMV) e 6% para outras forças políticas.

Assim, dos seus votantes de agora, 91% já vêm das últimas eleições, apenas havendo a acrescentar 2% vindos do GERB, outro tanto da OP, 1,5% da abstenção e 3,5% de outras opções de voto.

DPS

O Movimento dos Direitos e Liberdades (DPS), que representa os interesses da minoria turca, melhorou ligeiramente o seu resultado, tendo recolhido 10,5% dos sufrágios e eleito 30 deputados, quando, há quatro anos, se ficara pelos 9,2% e 26 eleitos.

Fundado em 1990, estamos em presença de um partido de natureza étnica, embora estatutariamente aberto a todas as pessoas. Contudo, a esmagadora do seu eleitorado provem da comunidade turca, embora tenha também forte apoio entre os “roma” e algum entre outros cidadãos búlgaros de religião muçulmana. Por isso, setores ligados ao antigo partido comunista e a extrema-direita puseram em causa a sua constitucionalidade, mas o Tribunal Constitucional rejeitou a ação.

Recorde-se que, na fase final do regime “comunista”, a minoria turca foi ferozmente perseguida, com o objetivo de anular a sua identidade. Assim, os seus membros foram impedidos de utilizar a língua turca, as suas manifestações culturais proibidas e obrigados a mudar os seus nomes para os seus equivalentes no idioma búlgaro.

Situado ideologicamente ao centro, pertence ao grupo centrista-liberal Renovar a Europa e é presentemente liderado por Mustafa Karadayi. Apesar dessa sua posição ideológica, opôs-se à privatização das grandes empresas estatais, em 2005.

Nas primeiras décadas do novo regime, desempenhou, frequentemente, o papel de “king maker”, coligando-se tanto com a direita (SDS, NDSV, GERB) como com o BSP, em troca das garantias dos direitos das minorias étnicas. Contudo, após vários escândalos envolvendo alguns dos seus dirigentes, um de espionagem e outros de corrupção, em especial a forma como um deles comprou vários órgãos de comunicação social do país, levaram a que aumentassem os anticorpos relativamente ao partido. Ainda para mais, com a pressão de uma extrema-direita e uma direita nacionalista reforçadas, abertamente antiturcas, anti-islâmicas e ciganofóbicas.

Entretanto, em 2016, sofreu uma cisão, protagonizada pelo então presidente do partido, acusado por alguns de ser demasiado próximo do governo de Ankara. Este fundou uma nova formação, o DOST (Democratas pela Responsabilidade, Solidariedade e Transparência), que, apesar de não ter chegado ao Parlamento (teve 2,9% dos votos), muito contribuiu para o mau resultado do DPS nas eleições de 2017.

Agora, como aquele não se apresentou a sufrágio, tendo apoiado a coligação DB, o partido recuperou alguns votos, até porque terá sido o menos afetado pelo aparecimento das novas formações de cariz populista.

O mapa da sua votação é mais ou menos coincidente com o da concentração da população de origem étnica turca. Ao contrário do que sucede com outras minorias nacionais (como os húngaros da Eslováquia e da Roménia ou os polacos da Lituânia) não estão concentrados numa única região. Assim, venceu em três províncias, onde aquela é maioritária: Kardzhali (onde ultrapassou os 60%), no Sueste, Razgrad (na casa dos 40%), no Norte Central, e Targovishte (perto daquele valor), no Nordeste. Num quarto, Silistra, igualmente no Norte Central, foi segundo, muito próximo do GERB, que foi o mais votado. Conseguiu, ainda, boas votações em algumas zonas do Nordeste, em duas províncias rurais do Sul Central, na emigração e na de Blagoevgrad, no Sudoeste.

Ao invés, é quase inexistente em Sófia, onde a população de origem turca é residual, e também tem poucos votos na maior parte do Sudoeste e na cidade de Plovdiv.

Na composição do seu eleitorado, 79% são seus eleitores de há quatro anos, 7% provém do DOST, 5% do GERB, 3% de abstencionistas e jovens eleitores, 2,5% do BSP e aliados, igual percentagem do conjunto da opção “nenhum” e de votos inválidos e 1% de outras forças políticas.

Por sua vez, conservou 87% dos que nele votaram em 2017, tendo perdido 6,5% para a abstenção, 2,5% para a DB, 1% para o ITN, outro tanto para o GERB e 2% para outras opções de voto.

DB

Outro vencedor destas eleições foi a coligação Bulgária Democrática-União (DB), que obteve 9,4% dos votos e 27 lugares.

Estamos em presença de uma aliança constituída por três formações de centro e centro-direita, abertamente pró-UE. São elas os Democratas para uma Bulgária Forte (DSB), uma força política conservadora, de centro-direita, liderada por Atanas Atanasov, o Sim, Bulgária (DaB!), liberal e anticorrupção, encabeçado por Hristo Ivanov, e o Movimento Verde (ZD), liberal-ecologista, dirigido por Borislav Sandov e Vladislav Penev. Os dois primeiros são os dois colíderes da coligação. Teve, ainda, o apoio do partido turcófono DOST e da pequena formação liberal Dignidade do Povo Unido (DEN).

Em 2017, o DSB concorreu integrado na candidatura da Nova República (NR), juntamente com a nacional-conservadora Comunidade Democrática Búlgara (BDO) e uma formação regionalista de Plovdiv, mas a lista ficou-se pelos 2,5% e fora do Parlamento. Por seu turno, o DaB! e o ZD concorreram, juntamente com uma pequena formação liberal, na aliança denominada Sim, Bulgária, mas quedaram-se pelos 3,0% e não tiveram melhor sorte. O mesmo sucedeu ao DOST, que não foi além de 2,9%.

Entre os seus objetivos contam-se a luta contra a corrupção, o fortalecimento dos valores democráticos e da opção euro-atlântica do país, o aumento do bem-estar e do nível de vida da população, através de uma economia mais competitiva, que assegure um maior crescimento económico, e uma gestão sustentável dos recursos naturais. Para o efeito, defendem a adesão ao Euro e à união bancária, a redução da despesa pública e dos impostos, descendo o IVA, não taxando os lucros reinvestidos e estabelecendo uma taxa mínima de imposto sobre os rendimentos. Advoga, ainda, o aumento do investimento na defesa, no quadro da NATO.

O facto de, ao contrário do que sucedeu nas eleições anteriores, o DSB e o DaB! terem concorrido em conjunto, ainda para mais com o apoio do DOST, dava esperança na possibilidade de ultrapassar a cláusula-barreira, mas o resultado obtido foi bastante superior à soma aritmética das listas em que participaram, o que se deve à boa campanha realizada e ao aproveitamento do descontentamento com a governação do GERB.

O partido tem a sua grande base de apoio nas elites mais abastadas e cosmopolitas dos grandes centros urbanos, em especial da capital. Assim, a DB venceu nas duas mais centrais das três circunscrições em que se divide a província da cidade de Sófia, numa das quais perto dos 30% e noutra quase nos 25%. Registou, ainda, boas votações na emigração, no restante círculo de Sófia e na cidade de Plovdid.

Já nas restantes províncias do país ficou abaixo da média nacional, embora ainda tenha tido um desempenho razoável em alguns centros urbanos de média dimensão, incluindo a maioritariamente turcófona Razgrad. Apesar disso, os piores resultados ocorreram nas áreas rurais habitadas maioritariamente por populações de origem turca e, também, nas do Noroeste, mais pobres, e em algumas do Sul Central.

A proveniência dos seus votos terá sido a seguinte: 20% da coligação DaB!, 18,5% da NR, 17,5% do DOST, 11% do GERB, 8,5% do RB, outro tanto do conjunto da opção “nenhum” e votos inválidos, 6% do BSP e aliados, igual valor de abstencionistas e jovens eleitores, 2,5% do DPS e 1,5% de outas forças políticas.

ISMV

A última força política a obter representação parlamentar foi a aliança anticorrupção Levantem-Se! Máfia, Fora! (ISMV), liderada por Maya Manolova, que obteve 4,7% dos votos e 14 lugares.

A coligação conta com as seguintes forças políticas: Levanta-te, Bulgária (IS.BG), anticorrupção, defensora da democracia direta e pró-UE, liderada pela própria Manolova; Movimento 21 (D21), social-democrata, ecologista e igualmente pró-UE, da ex-candidata presidencial Tatyana Doncheva; Movimento Bulgária para os Cidadãos (DBG), centrista; Partido do Povo Unido (ENP), liberal; Volt Bulgária (VOLT), federalista europeu; o Trio Venenoso (OT), populista, grande responsável pelos protestos de 2020-2021; Movimento para a Unidade Nacional e Salvação (DNES), social-liberal e a União Popular Agrária (ZNS), centrista.

Em 2017, o DBG integrou o Bloco Reformista (RB), juntamente com a SDS (agora, aliada ao GERB) e mais duas pequenas formações, tendo a coligação obtido 3,1% e sem obter representação parlamentar. Por seu turno, o D21 aliou-se à social-democrata Alternativa para o Renascimento Búlgaro (ABV), mas a aliança não foi além de 1,6% e, consequentemente, também não entrou no Parlamento.

A criação desta lista teve origem em Maya Manolova, antiga deputada do BSP, eleita provedora de justiça em 2015. Renunciou ao cargo em 2019 para concorrer à presidência do município de Sófia. Apesar de apoiada pelo seu antigo partido, perdeu para a incumbente candidata do GERB, mas apenas na 2ª volta, obtendo o melhor resultado de sempre de uma candidatura do centro-esquerda na capital.

Em 2019, criou uma plataforma cívica, que transformou, pouco depois, em partido político. Pretendia constituir uma formação com a maior abrangência política, que não ficasse resumida a um único bloco ideológico. De entre os seus principais objetivos contam-se: a luta contra a corrupção; a reforma do sistema judicial; a defesa dos cidadãos contra os oligarcas e seus monopólios e a agiotagem; o aumento do nível de vida da população, através do aumento dos salários e pensões, e a prossecução de um desenvolvimento sustentável.

Tal como a DB, tem a sua base de apoio entre as elites urbanas e os mais jovens, tendo obtido os seus melhores resultados na cidade de Sófia e noutras províncias do Sudoeste e do Sueste. Também esteve relativamente bem em algumas cidades médias, como Burgas e Varna, no Leste. Em Plovdiv, não teve um desempenho tão bom, mas ficou acima da média nacional.

Em contrapartida, teve os piores resultados nas zonas de maioria turca e nas áreas rurais mais pobres do Norte Central, Noroeste e Sul Central.

A proveniência dos seus eleitores terá sido a seguinte: 26% do RB, 21,5% do conjunto da opção “nenhum” e votos inválidos, 18% da lista AVB-D21, 9% do BSP e aliados, 8% da aliança DaB!, 6,5% da abstenção e novos eleitores, 4% do GERB, 1,5% da NR, o mesmo de partidos extraparlamentares e 4% de outras forças políticas.

A implosão da direita nacionalista e da extrema-direita

As eleições de 2017, realizados em plena crise dos refugiados, saldaram-se por uma forte votação em forças políticas da direita nacionalista e da extrema-direita.

Assim, a coligação Patriotas Unidos (OP) obteve, então, 9,1% dos votos e elegeu 27 deputados, tornando-se a terceira força política do país. Englobava dois partidos da direita nacionalista – o Movimento Nacional Búlgaro (VMRO-BND), liderado por Krasimir Karakachanov, a Frente Nacional de Salvação da Bulgária (NFSB), encabeçada por Valeri Simeonov,– e o Ataka, formação ultranacionalista, racista, xenófoba, homofóbica e islamofóbica, antiturca e ciganofóbica, tendo como líder Volen Siderov. Todos se opõem ao acolhimento de refugiados e alguns elementos deste último participaram nas milícias dedicadas à sua “caça”. Defendem, ainda, a adoção de políticas económicas protecionistas e são abertamente partidários de uma aliança preferencial com a Rússia, beneficiando do apoio do regime de Putin.

Outra força política a obter, então, representação parlamentar foi o Vontade (Volya), com 4,2% dos sufrágios e 12 eleitos. Fundado pelo oligarca Veselin Mareshki como formação unipessoal e de caráter populista, que se propunha “limpar o lixo” existente na classe política, rapidamente deslizou para a extrema-direita, defendendo o que considera ser uma política patriótica de maior controlo das fronteiras e uma aproximação à Rússia. Hoje, faz parte do grupo europeu Identidade e Democracia (ID), de Le Pen, Salvini e Ventura.

Após o ato eleitoral, os OP tornaram-se parceiros de coligação do GERB, enquanto o Volya proporcionou apoio parlamentar ao executivo, alargando a respetiva maioria.

Contudo, acabaram por pagar o preço da governação, vendo, igualmente, alguns dos seus membros envolvidos em escândalos de corrupção e alvo dos protestos populares iniciados em 2020. Ainda para mais, estalaram fortes divergências entre alguns dos seus líderes, que chegaram ao ponto de Siderov, do Ataka, em plena emissão televisiva, ter acusado Karachanov, do VMRO, e o seu vice-presidente de serem companheiros homossexuais.

Assim, nestas eleições, o VMRO apresentou-se isolado, com o apoio de algumas pequenas formações, mas falhou a ultrapassagem da cláusula-barreira, ao não conseguir mais de 3,6% dos sufrágios.

Por seu turno, a NFSB concorreu aliada ao Volya e forças políticas de menor dimensão na Coligação Patriótica (PK), mas o resultado desta ainda foi pior, não indo além dos 2,4%.

Já o Ataka quase desapareceu, quedando-se nuns residuais 0,5%.

Contudo, outras forças nacionalistas reforçaram-se neste ato eleitoral, muito à custa do eleitorado das anteriores.

Uma delas foi a Associação Nacional Búlgara (BNO), uma formação ultranacionalista, que se afirma antiglobalista e firme defensora do Estado nacional búlgaro, liderada por Georgi Georgiev, que teve o apoio da Plataforma Cívica Verão Búlgaro (GPBL), do oligarca Boris Sokolov, acusado de vários crimes de corrupção, fraude fiscal e extorsão, que conseguiu 3,0% dos votos, quando, há quatro anos, se tinha quedado nuns residuais 0,1%.

A outra foi a Renascença (V), uma força política da direita nacionalista e irredentista, adepta da Grande Bulgária, que incluiria grande parte da vizinha Macedónia do Norte, a Trácia do Egeu, no Nordeste da Grécia e a Dobruja setentrional, no leste da Roménia. Obteve 2,4% dos votos, quando, em 2017, não fora além de 1,1%.

Concorreram, ainda, outras forças desta área política, mas as suas votações foram residuais.

Ou seja, a extrema-direita e a direita radical ficaram fora do Parlamento devido às suas divisões, aos erros cometidos e à emergência de forças populistas mais ao centro, mas não desapareceram da paisagem política búlgara. Na verdade, no conjunto, somam cerca de 12% dos sufrágios nas listas partidárias.

Os votos em candidatos independentes, nenhum partido e inválidos

Os dois candidatos independentes, em conjunto, tiveram apenas 438 votos (0,01%), quando, há quatro anos, cinco candidaturas desse tipo chegaram a 0,2%.

Relativamente a 2017, registou-se uma quebra dos votos na opção “não apoio nenhum”, que se ficaram por 1,5% dos votos válidos, contra 2,5% então.

Por seu turno, os votos inválidos tiveram uma forte redução. Se, nas últimas eleições, somaram 4,6%, ficaram, agora, nos 2,6%.

A queda nestes votos estará relacionada com o aparecimento das candidaturas do ITN e da ISMV, que terão captado algum voto de protesto, que, até aqui, não se revia em nenhuma das listas candidatas.

A abstenção

Atingiu os 50,9%, uma subida face às últimas eleições, em que se ficou pelos 46,2%. A situação pandémica terá sido o principal fator explicativo desse aumento, que terá prejudicado mais o GERB (devido ao descontentamento de parte dos seus apoiantes com a governação) e o BSP, cujo eleitorado é, em geral, mais idoso e terá ficado mais em casa com receio da covid-19.

Assim, será constituída por 87% de abstencionistas de 2017, mais 4% do GERB, 3% do BSP e aliados, 2,5% de votos “nenhum” ou inválidos e os restantes 3,5% serão provenientes de outras forças políticas.

Será possível formar governo?

Face a estes resultados e às declarações dos partidos durante a campanha eleitoral, será quase impossível a formação de um novo executivo, exceto se alguma das forças políticas vier a mudar de posição.

Assim, o GERB apenas aceita coligar-se com a DB, mas esta rejeita entrar num executivo daquele, com ou sem Borisov. Por seu turno, o DPS está disposto a coligar-se com ele, mas o primeiro-ministro não está para aí inclinado. Em qualquer caso, apenas com um daqueles partidos, Borisov ficaria longe dos 121 votos parlamentares necessários para ser investido.

Por seu turno, o ITN, recusa-se governar com algum dos três partidos do “status quo” (GERB, BPS e DPS), pelo que não conseguirá uma maioria parlamentar.

Essa é, igualmente, a posição da DB, que reafirmou a sua oposição ao GERB..

Entretanto, o BSP não aceita entrar numa “grande coligação” com o GERB, mas não fecha a porta à colaboração com outros partidos parlamentares, embora dificilmente aceite aliar-se ao DPS.

Por fim, a ISMV rejeita quaisquer parcerias com GERB e DPS.

Já o DPS não rejeita à partida nenhum parceiro, mas nenhuma das outras forças políticas parece interessada em coligar-se com ele.

De acordo com a Constituição, Borisov deverá ser chamado a formar governo, mas dificilmente o conseguirá. A incumbência passará, então, para Trifonov, que também deverá falhar o objetivo. Logo, restará ao presidente Radev nomear um gabinete de gestão até à realização de novas eleições, nas quais, admitem os analistas, o ITN poderá sair vencedor.

Porém, a verdade é que enquanto a corrupção e as suas consequências pesadas, como a infiltração do Estado pelo crime organizado, continuarem a ser uma “bulgaridade”, dificilmente o país mais pobre da UE sairá da difícil situação em que se encontra mergulhado, atrasando-se cada vez mais face aos seus parceiros europeus.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em Geografia Humana e pós-graduado em Ciência Política. Aderente do Bloco de Esquerda em Coimbra
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