Realizaram-se este domingo eleições na Catalunha, com os partidos que apoiam a independência a obterem o pior resultado desde 2012. A perda de apoio afetou sobretudo a ERC, que lidera o governo cessante e passou de 33 para 20 deputados. Também os anticapitalistas da CUP viram a sua representação reduzida de nove para quatro deputados. A subir esteve apenas o Junts, que apresentou o regresso de Carles Puigdemont como principal bandeira eleitoral - o ex-governante continua a arriscar a prisão em Espanha e fez comícios na Catalunha francesa - e viu aumentar a sua votação, passando de 32 para 35 deputados e assim voltou a liderar o campo independentista.
O vencedor da noite foi Salvador Illa, o ex-ministro da Saúde do PSOE durante a pandemia e que levou os socialistas catalães a aumentarem a representação parlamentar de 33 para 42 deputados, os mesmos que em 2003 obteve Pascual Maragall, o último líder socialista a presidir à Generalitat. “Os catalães decidiram abrir uma nova etapa”, afirmou Illa, partilhando os louros da vitória com o primeiro-ministro Pedro Sánchez pelas políticas do governo em relação à Catalunha. Nas redes sociais, Sánchez retribuiu os cumprimentos e repetiu que “a partir de hoje abre-se uma nova etapa na Catalunha para melhorar a vida da cidadania, ampliar direitos e reforçar a convivência”.
À esquerda, os Comuns (agora Comuns Sumar) elegeram seis deputados, menos dois do que tinham atualmente. E, tal como a CUP, perdem representação por Tarragona, após terem liderado a oposição local ao complexo de casinos e hotéis do grupo Hard Rock, um projeto que esteve na base do voto contra o Orçamento e abriu a porta a estas eleições antecipadas.
À direita, o PP festejou a subida eleitoral de três para 15 deputados, bem como a ultrapassagem ao Vox, que mantém os 11 que já tinha. Os populares aproveitaram o desaparecimento dos liberais do Cidadãos, que perderam os seis deputados eleitos em 2021. Este partido conheceu o seu auge nas eleições catalãs em 2017, o ano do referendo à independência, quando obteve mais de um milhão de votos, mas foi agora reduzido à insignificância, obtendo pouco mais de vinte mil votos. Quem se vai estrear no parlamento é a extrema-direita independentista da Aliança Catalã, que conseguiu eleger dois deputados com uma campanha xenófoba e anti-imigração. Todos os restantes partidos, à exceção do PP e Vox, comprometeram-se a não aceitar os seus votos para formar uma maioria.
ERC e Comuns Sumar têm a chave de um eventual governo socialista
Se os socialistas são os que tiveram mais razões para festejar na noite eleitoral, ao conseguirem pela primeira vez ganhar em votos e mandatos, a chave do futuro político imediato da Catalunha parece estar nas mãos dos grandes derrotados. O líder do executivo cessante, Pere Aragonés, prometeu que fará o que os eleitores decidiram, ou seja, “estar na oposição”. Mas os seus 20 deputados são determinantes para o cenário pós-eleitoral mais consensual: um governo do PS com apoio da Esquerda Republicana e dos Comuns. Para já, Aragonés aponta essa responsabilidade ao PSC e ao Junts, explicando que a polarização entre estes dois partidos ditou a perda de influência da ERC. Afastou a hipótese de o partido entrar num governo tripartido, mas não a de negociar o apoio parlamentar a um executivo dos socialistas catalães.
Também os seis mandatos do Comuns Sumar se tornam decisivos para viabilizar o governo de Illa, o que era um dos objetivos traçados desde o início da campanha para a formação liderada por Jessica Albiach, embora esse cenário esteja agora dependente da reflexão da ERC. Na noite eleitoral, Albiach disse ter falado com Salvador Illa para o convencer a tentar formar um governo progressista e não entrar em acordos com Puigdemont. “Façamos possível um governo de esquerda”, apelou a líder do Comuns Sumar.
No sentido inverso, a CUP parece recusar à partida qualquer cenário de acordos com o PSC. “Quando a esquerda chega ao poder e não é capaz de resolver os problemas do povo trabalhador, é quando a extrema-direita se reforça”, disse Laia Estrada, a candidata da CUP, na noite eleitoral, onde referiu que o parlamento saído destas eleições é o “mais de direita e mais espanholista” de sempre.
“Posso articular uma maioria mais ampla que a de Illa”, diz Puigdemont
Quem não desiste de voltar à presidência do Governo é Carles Puigdemont, o ex-governante exilado na Bélgica para fugir à repressão judicial do “procés” que culminou no referendo de 2017 e numa declaração de independência que durou poucos minutos. Embalado pelo reforço eleitoral que lhe deu de novo a liderança do campo pró-independência, Puigdemont insiste que “posso articular uma maioria mais ampla que a de Illa”, com mais hipóteses de ser eleito numa eventual segunda volta da investidura.
Nas contas de Puigdemont, os 55 (com a ERC) a 59 (com a ERC e CUP) deputados que conseguiria juntar entre os partidos pró-independência serão mais do que os que Illa podia reunir juntando-se aos Comuns (48), a confirmar-se a promessa dos socialistas de não aceitarem nem ativa nem passivamente os votos do Vox numa eventual investidura. Restaria apenas o cenário pouco provável e também pouco coerente de uma aliança entre PSC e PP (57).
“Um Governo encabeçado por nós teria muito mais força parlamentar do que um liderado por Illa, porque este conduziria a uma situação semelhante à da autarquia de Barcelona, onde não se conseguem aprovar orçamentos e que paralisa o país”, argumentou o líder do Junts, deixando sempre de fora a possibilidade de um acordo entre PSC, ERC e Comuns Sumar.
Para que se concretizasse o cenário de abstenção socialista a um eventual executivo liderado por Puigdemont, seria necessário ir além da Catalunha e pôr em cima da mesa negocial os decisivos sete votos do Junts no Parlamento para sustentar o governo de Pedro Sánchez. Um cenário que o próprio Puigdemont admitiu na noite eleitoral e que fará certamente agitar as tertúlias políticas espanholas nos próximos dias.