Eleição devolveu a Catalunha ao centro da política espanhola

26 de julho 2023 - 22:21

No novo parlamento espanhol, os partidos catalães pró-independência perderam representação mas ganharam importância decisiva para possibilitar a investidura do próximo Governo.

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Pere Aragonés
Pere Aragonés (ERC), o líder do governo catalão na sessão parlamentar desta quarta-feira. Foto Parlamento da Catalunha.

Ainda com os votos do estrangeiro por contabilizar, o resultado final das legislativas espanholas determinou uma composição parlamentar em que o apoio dos partidos soberanistas e pró-independência da Catalunha, País Basco e Galiza é determinante para viabilizar um eventual Governo e assim evitar novas eleições no final deste ano. E a aritmética parlamentar dita que a única solução de Governo é neste momento a revalidação do atual executivo liderado por Pedro Sánchez, que ao contrário de todas as sondagens viu aumentar o número de votos e de deputados em relação a 2019, assim reduzindo ou mesmo eliminando as vozes no interior do partido que defendiam a viabilização de um governo minoritário do PP. O primeiro teste a uma eventual maioria para a investidura está marcado para 17 de agosto, quando o novo Congresso dos Deputados irá eleger a sua Mesa.

Mas enquanto os socialistas pedem calma e serenidade para negociarem acordos com as várias forças políticas nas próximas semanas e longe dos holofotes da imprensa, o líder da direita Alberto Feijóo segue a estratégia contrária e procura ocupar o espaço político-mediático com sucessivos anúncios de contactos para tentar a sua própria investidura. Alegando ter prioridade por o PP ter sido o partido mais votado, anunciou que ia conversar com a extrema-direita do Vox e os antigos aliados da Coligação Canária, bem como os nacionalistas bascos do PNV. Mas bastaram poucas horas para que estes lhes respondessem que não estavam interessados em conversar com ele. No dia seguinte, Feijóo mudou de estratégia e diz que iria tentar convencer o PSOE a viabilizar o seu Governo, depois de ter passado meses a prometer que ia acabar com o "sanchismo". Do lado do PSOE, o ministro da Presidência Felix Bolaños agradeceu com ironia ao líder do PP por ter qualificado o PSOE de "partido de Estado e constitucionalista", afirmando que "nunca é tarde".

No interior do PP, as iniciativas de Feijóo são vistas como uma tentativa de retirar espaço aos que já discutem a sua sucessão à frente do partido, após ter sido humilhado em direto na noite eleitoral pelos apoiantes do PP em Madrid, que interromperam o seu discurso de vitória aos gritos de "Ayuso!", a líder do governo regional de Madrid ao seu lado na varanda onde discursava. Esta quarta-feira, Isabel Díaz Ayuso deu uma conferência de imprensa para acalmar os ânimos e tentar adiar a abertura de uma crise interna no partido. Ayuso diz que recebe mensagens a pedir que avance para a liderança, mas nem as abre. E diz que não concorrerá contra Feijóo, porque "não podemos estar na quinta-feira a apoiá-lo e na terça a atirá-lo da ponte". Ayuso acredita que Sánchez já terá tudo acertado para formar o Governo e que por isso não haverá novas eleições. Mas caso haja, diz que "o candidato tem de ser Feijóo".

Amnistia e autodeterminação no caderno de encargos das negociações catalãs

Se do lado dos nacionalistas bascos, o PNV já recusou falar com o PP e o Bildu diz estar disposto a cumprir o mandato popular dos bascos nas urnas - dos 23 deputados do País Basco e Navarra, 19 pertencem ao Bildu, PNV, PSOE e Sumar e apenas quatro ao PP e à UPN -, é na Catalunha que estará a chave da investidura. E o próprio PP catalão o reconhece, com o seu líder Alejandro Fernández a oferecer-se para apoiar a investidura do socialista Salvador Illa à frente do governo catalão em troca do apoio dos socialistas a nível nacional. Uma oferta de concretização impossível, dada a atual maioria absoluta formada pela soma dos três partidos pró-independência (ERC, Junts e CUP).

O parlamento catalão retomou os trabalhos esta quarta-feira para o último debate com o governo antes das férias de verão. E enquanto o presidente da Generalitat, Pere Aragonés (ERC), pede unidade e que os 14 deputados eleitos no domingo pelos dois partidos atuem como um bloco em defesa da amnistia e autodeterminação, do lado do Junts o líder parlamentar Albert Batet responde que o partido foi a eleições para "defender a Catalunha e não para salvar o Estado espanhol e a sua governabilidade". Como pano de fundo da troca de argumentos estava o anúncio na segunda-feira da entrada da ERC no governo provincial de Barcelona, uma instituição supramunicipal, liderado pelos socialistas. Um anúncio que causou mal-estar no Junts, que estavam nos anteriores executivos provinciais com os socialistas até que estes arrebataram à última hora a presidência da Câmara de Barcelona, apesar do candidato do Junts ter sido o mais votado nas eleições do final de maio.

Em comum, Esquerda Republicana e Junts têm a leitura que o resultado de domingo trouxe uma oportunidade para desbloquear o conflito político entre a Catalunha e o Estado espanhol. Mas logo na segunda-feira a Procuradoria espanhola introduziu um novo obstáculo nesse caminho, ao pedir a renovação do mandato de captura europeu a Carles Puigdemont. "Um dia és decisivo para formar governo em Espanha, no dia seguinte Espanha dá ordens para te prender", reagiu o ex-governante catalão nas redes sociais.

Do lado da sociedade civil soberanista, a Òmnium Cultural afirma que está nas mãos de Pedro Sánchez escolher entre o "fim da repressão e referendo ou uma segunda oportunidade para que a extrema-direita condicione a governabilidade". A associação reconhece o mau resultado do campo independentista nas eleições de domingo, atribuindo-o à "incapacidade de todos os agentes em levar a cabo uma estratégia coordenada" e a terem "ignorado os avisos reiterados dos eleitores e da sociedade civil desde 2017". Os partidos independentistas obtiveram o pior resultado de sempre em eleições gerais espanholas, não alcançando a fasquia do milhão de votos.

Fora das negociações estão os anticapitalistas da CUP, que perderam agora os dois deputados em Madrid após o mau resultado nas municipais de maio. O partido anunciou um processo de "refundação" para o novo ciclo político, com um debate interno que se irá prolongar até maio de 2024, com vista à preparação das próximas eleições catalãs no ano seguinte. O debate vai realizar-se através de grupos de trabalho, debates e congressos locais e culminará num congresso da organização para "renovar a proposta estratégica e organizativa" e também a direção que assume não ter "estado à altura" dos recentes desafios eleitorais e não ter conseguido fazer uma "boa leitura da situação, do clima, do momento, do esgotamento e do cansaço" do movimento.