Liberdade de expressão

Direito de manifestação está sob ataque na Europa, diz Amnistia

10 de julho 2024 - 14:00

No seu relatório sobre o estado do direito ao protesto em 21 países europeus, a Amnistia Internacional destaca a tendência para uma crescente criminalização e repressão de protestos pacíficos.

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capa do relatório
Pormenor da capa do relatório da Amnistia Internacional

Leis repressivas, uso desnecessário de força excessiva, prisões arbitrárias e acusações judiciais, cada vez mais restrições e recurso às tecnologias de vigilância invasivas da privacidade. Estes são alguns dos aspetos sublinhados no recém-lançado relatório da Amnistia Internacional que dá conta dos recuos do direito ao protesto em 21 países europeus.

"A investigação da Amnistia Internacional traça um quadro profundamente perturbador de uma ofensiva à escala europeia contra o direito de protesto. Em todo o continente, as autoridades estão a vilipendiar, impedir, dissuadir e punir ilegalmente as pessoas que protestam pacificamente", afirmou Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional (AI).

Lembrando que “ao longo da história, o protesto pacífico tem desempenhado um papel fundamental na conquista de muitos dos direitos e liberdades que hoje tomamos como garantidos”, a dirigente da AI sublinha que “em toda a Europa, leis e políticas repressivas conjugadas com práticas injustificadas e tecnologias de vigilância abusivas estão a criar um ambiente tóxico que constitui uma séria ameaça para os manifestantes e protestos pacíficos”. Se isso acontecesse em apenas um país, isso já seria “perturbador”, mas quando se assiste a “dezenas destas tácticas repressivas à escala continental”, então estamos perante algo “simplesmente aterrador”, conclui aquela responsável da AI.

No que diz respeito ao uso excessivo da força por parte da polícia contra manifestantes, causando dentes e ossos partidos, amputações ou perda de olhos, a AI destaca a ação policial em França, Espanha, Itália e Grécia. Países a que se juntam a Bélgica, Finlândia, Polónia, Eslovénia, Sérvia e Suíça, em que o uso da força corresponde a tortura, incluindo contra menores. Portugal, Turquia e Reino Unido juntam-se também à lista graças aos casos identificados de impunidade policial.

A AI alerta que está a generalizar-se o uso de sofisticadas tecnologias de vigilância sobre quem protesta, com o objetivo de monitorizar as suas atividades e armazenar dados, com 11 países a usarem tecnologia de reconhecimento facial em manifestações e outros seis a planearem seguir o mesmo caminho. Para a Amnistia Internacional, trata-se de “uma vigilância em massa indiscriminada, e não há salvaguardas que possam impedir os danos que inflige”, pelo que apela à proibição do seu uso em protestos.

A organização assinala também o aumento da estigmatização e do tratamento negativo por parte das autoridades face aos manifestantes, muitas vezes apresentados como “terroristas”, “criminosos”, “agentes estrangeiros”, “anarquistas” ou “extremistas”. E as suas ações de protesto e desobediência civil são apresentadas como “ameaças à segurança”.

O relatório destaca em particular a ação dos governos face aos protestos em solidariedade com a Palestina, que no Reino Unido foram apelidados pelo ministro do Interior de “marchas de ódio”, ou aos protestos dos ativistas climáticos, classificados como “ecoterroristas” pelas autoridades alemãs, espanholas, italianas e turcas, que lhes aplicam as disposições legais do combate ao terrorismo.

No caso das manifestações pela Palestina, vários países decidiram proibi-las ou restringi-las com argumentos de proteção da ordem pública, proibindo também o uso de certos símbolos ou cânticos. Essa proibição foi por vezes aplicada à força pela polícia, acrescenta o relatório, sublinhando que na Alemanha as proibições preventivas dos protestos basearam-se em “estereótipos discriminatórios dos potenciais participantes, que a polícia considerava serem ‘propensos à violência’”

A Amnistia contesta ainda a necessidade de notificação às autoridades públicas em muitos países para a realização de protestos e manifestações, considerando esta prática “uma interferência com os direitos das pessoas”. E lembra que em quatro países - Bélgica, Luxemburgo, Suécia e Suíça - os organizadores de protestos são obrigados a pedir autorização para se manifestarem. Em muitos casos onde a notificação ou pedido de autorização não foi entregue, a polícia considerou-as concentrações ilegais, dando ordem para dispersar, detendo os participantes e organizadores, que se sujeitaram a sanções criminais.

No caso da Alemanha, Itália e Reino Unido há mesmo detenções preventivas de ativistas envolvidos em ações de desobediência civil, ou a proibição de frequentarem certos lugares ou ações no futuro.