O estado de São Paulo, no Brasil, aprovou o mês passado um projeto para desenvolver “escolas cívico-militares”, uma medida contestada pela esquerda. Esta sexta-feira, a “bancada feminista do PSOL”, um grupo que assume coletivamente um mandato na Câmara Municipal de São Paulo, apresentou uma ação judicial contra a implementação do projeto neste município.
As vereadoras deste partido de esquerda alegam que este “possui diversos vícios de legalidade”, violando a Constituição por usurpar a competência de legislar sobre as bases da educação, e indo contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, uma vez que cria um “modelo de ensino ideológico na rede pública de ensino”.
Ao Brasil de Fato, Silvia Ferraro, uma das co-vereadoras, explica que o modelo proposto “prevê a gestão compartilhada entre a Secretaria Municipal de Educação e a Secretaria de Segurança Pública, com a proposta de fazer com que militares aposentados ou reformados façam parte da gestão escolar e fiquem com a parte de administração e disciplina”. Acusam-no de ser “uma incoerência com o projeto pedagógico do próprio município”, violando assim também “as diretrizes da educação municipal”.
Já na sequência de uma ação de deputados do mesmo partido, escreve a Folha de São Paulo,o juiz Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, deu também esta sexta-feira um prazo de dez dias para que o executivo estadual explique os pormenores do plano devido a suspeitas de inconstitucionalidade. O PSOL alega que há uma “clara desvalorização da categoria de educadores” e que se pretende “a gradual substituição de profissionais da educação, os quais devem prestar concurso público e passar pela análise dos seus títulos académicos para estarem aptos a ocupar tais cargos, por militares, a serem escolhidos de forma discricionária, em última instância, por ato da Secretaria da Segurança Pública”.
Este é defendido pelos seus promotores com o argumento de que a adesão será voluntária. Isto apesar de se ter fixado publicamente a meta da militarização de mais de cem escolas.
A militarização da escola como projeto da extrema-direita brasileira
O projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a 21 de maio. Vem do governador Tarcísio de Freitas, do partido Republicanos, que a outorgou a 27 de maio. Este é um partido de direita ligado à Igreja Universal do Reino de Deus e fundado há cerca de vinte anos. Fez parte dos partidos que apoiaram os governo de Lula e depois de Dilma, tendo em seguida apoiado a destituição desta e acabado por participar no Governo de Bolsonaro. Aliás, Tarcísio foi ministro das Infraestruturas neste governo de extrema-direita.
Tarcísio avançou com a medida depois do governo de Lula ter anunciado, em julho do ano passado, acabar com o programa nacional de “escolas cívico-militares” que Jair Bolsonaro tinha colocado em marcha e que se tornou um dos projetos emblemáticos da extrema-direita brasileira para o setor educativo.
Estas escolas têm “autonomia pedagógica”. Os professores continuam a ser civis mas o ambiente fora da sala de aula é militarizado, com militares na reserva a agirem como “monitores”, ou seja a disciplinar os alunos. Estes podem ainda participar em “projetos educativos”.
A partir de 2020, iniciou-se um projeto-piloto para as disseminar no país, tendo-se começado com 54 escolas espalhadas pelo país inteiro. Ao Ministério da Defesa cabia a seleção dos militares na reserva que passariam a estar implicados “na gestão educacional das instituições”. No final do mandato de Bolsonaro havia 216 escolas ligadas ao programa governamental mais 494 outras ligadas à Polícia Militar ou aos Bombeiros.
A adesão ao projeto nacional foi mínima, 0,14% das escolas brasileiras, o que se tornou um dos argumentos para o encerrar. Outro foram os seus custos já que implicava pagamentos avultados aos militares e o bolsonarismo investiu fortemente tentando fazer dele um sucesso. O Governo de Lula escrevia na justificação para terminar com o plano que os investimentos para colocar militares nas escolas públicas “parecem debochar da escassez de recursos que as redes de ensino conseguem mobilizar para o pagamento de seu próprio pessoal”.
Em 2021 e 2022, o programa ficou entre as 15 maiores verbas discricionárias, em que o ministro tem poder de decisão de onde gastar, da educação básica.
Também se alegou que não havia qualquer monitorização dos resultados, nunca se tendo apresentados provas de melhorias.
Contudo, o fim do projeto nacional não determinou que este tipo de escolas que avançaram no mandato anterior tivessem acabado. A Globo indicava em julho do ano passado que havia 49 escolas que iriam continuar o projeto com recursos próprios, ou seja apoiadas sobretudo pelos estados.
Vários outros estados governados pela direita estão a implementar projetos deste tipo. A Veja fazia o mês passado um roteiro por várias das regiões que avançam com este tipo de projetos. O Paraná tinha o ano passado 196 escolas cívico-militares estaduais, tirando as do programa federal. O governador Ratinho Jr. avançou que mais 83 se iriam juntar este ano num “aumento expressivo” do investimento. No Rio Grande do Sul, há 18 escolas estaduais e 25 das federais. Na Rondónia, um dos estados mais afetos a Bolsonaro, para além das quatro escolas federais anunciou-se um programa que no futuro vai expandir o modelo. Em Santa Catarina, Jorginho Mello avançou no final de dezembro com um projeto estadual que vai manter as nove escolas existentes e ampliar para mais uma. No Distrito Federal há quatro escolas do projeto federal que se mantêm e mais 12 regionais. Em Minas Gerais, as nove escolas do programa nacional vai passar para o formato de ensino militar gerido pelos bombeiros. Em Goiás mantêm-se as sete escolas já existentes. E Rio de Janeiro e Pará têm programas próprios coordenados em parceria com a Polícia Militar e os Bombeiros.